Entre os dias 22 e 25 de agosto, estive em São Paulo participando das 4as Jornadas Internacionais em Histórias em Quadrinhos, promovido pelo Observatório de Histórias em Quadrinhos e pela Escola de Comunicação (ECA) da USP, trata-se do maior evento acadêmico da área da América Latina. Um dos maiores do mundo, sem dúvida. Aliás, uma das coisas que muita gente não sabe é que o Brasil é um dos pioneiros dos estudos com quadrinhos no mundo. A primeira exposição internacional foi promovida aqui, organizada por um jovem chamado Álvaro de Moya em 1951, no auge da perseguição aos quadrinhos. Em nosso país, um dos grandes opositores era o “Corvo”, Carlos Lacerda, um inimigo terrível, para dizer o mínimo. O livro, Shazam (1970), de Álvaro de Moya, é um marco nos estudos acadêmicos com quadrinhos e republicado até hoje. A primeira tese acadêmica sobre mangá, foi defendida em São Paulo por Sônia Bybe Luyten.
Álvaro de Moya iria lançar um livro (Eisner/Moya - Memórias de Dois Grandes Nomes da Arte Sequencial) nas Jornadas e seu falecimento recente, em 14 de agosto de 2017, gerou grande comoção e uma singela homenagem ao profissional multimídia – jornalista, desenhista, roteirista, acadêmico etc. – que alavancou os estudos teóricos com quadrinhos foi feita durante a abertura do evento.
O jovem Álvaro de Moya |
Randy Duncan |
No segundo dia, a conferência foi com Nick Sousanis, matemático e quadrinistas, foi a primeira pessoa no mundo a publicar uma tese de doutorado em quadrinhos. Sim, em quadrinhos. Pelo que depreendi da coisa toda, seu trabalho é na área de filosofia da educação, Unflattening é o nome da obra. E eu fiquei ouvindo o homem falar e vendo seus desenhos projetados e pensando somente em como ele é inteligente. Não tenho palavras para qualificar. Fico grata pelo evento ter trazido Sousanis, meu chefe ter me liberado para o evento (*sim, eu trabalho, precisei de autoriação*), por ter recursos para vir, e, detalhe importante, o livro de Sousanis foi lançado no Brasil. O nome é Desaplanar. Está à venda na Amazon por 50 reais. Nas outras livrarias, custa mais de 80 reais.
Exemplo da arte de Nick Sousanis. |
Prof. Waldomiro Vergueiro. |
Sala 201 – 14h – Terça-feira – Coordenadora: Giulia Crippa – Protagonismo Feminino nos Quadrinhos: Representação, Feminismo e Super-Herois (Beatriz Farias de Miranda e Otoniel Oliveira); Mulheres nos Quadrinhos: Invisibilidade e Resistência (Carolina Ito Messias e Giulia Crippa); Mônica e Mafalda: Reflexos e Construção da Memória do Feminismo (Débora do Nascimento); Público e Privado em Quadrinhos de Autoria Feminina entre Tradição Literária e Inovação de Linguagem (Giulia Crippa)
Dykes to Watch out for, onde se criou a chamada Bechdel Rule |
Sala 202 – 16h – Terça-feira – Coordenadora: Valéria Fernandes da Silva (*Eu*) – Segunda Guerra Mundial em Mangá: Ícone, Memória e História (Janaína de Paula do Espírito Santo); Relatos de Vida: o Vínculo Com a Natureza e o Essencial Invisível aos Olhos no Mangá (Kamilla Medeiros do Nascimento); Os Ainu e a Cultura Pop Japonesa (Luana Bueno Cyriaco); Construindo a Verdadeira Mulher: Quando a Cultura do Estupro se Traveste de Romance nos Shoujo Mangá (Valéria Fernandes da Silva)
Na minha mesa, e não vou comentar meu trabalho, havia uma ausência, a Kamilla Medeiros do Nascimento, faltou, ainda assim, o monitor marcou o tempo para que ninguém ultrapassasse os 15 minutos. Lembro que nas Jornadas passadas, algumas mesas se estenderam demais e prejudicaram o andamento das atividades que vinham em seguida. Isso deve ter pesado este ano. O trabalho da Luana, que é de Brasília, discutia a imagem dos ainu nos mangás, especialmente, em Shaman King. Os ainu são um povo autóctone do Japão que sofreu muita perseguição ao longo de séculos. Daí, interessante discutir como, nos últimos anos eles estão sendo retratados em mangás e outras mídias. É um trabalho inicial ainda. Já o trabalho da Janaína, que estava passando mal da coluna, muito mal mesmo, mas apresentou bravamente, trata da representação da Segunda Guerra dentro de uma série de mangás, como esse conhecimento de um evento histórico que uniu Ocidente e Oriente é reproduzido em mangás tão diferentes como Zero Eterno, 1945, Hetalia, entre outros. Trata-se de um trabalho de doutorado,algo bem mais elaborado, portanto.
Zero Eterno e o deslize da JBC. |
Sala 201 – 14h – Quarta-feira – Coordenador: Rozinaldo Miani – Imagens Sequenciadas como Estratégia Crítica Presente nas Caricaturas dos Ex-Presidentes FHC e Lula (Lígia Carla Gabrielli Berto e Marilda Queluz); Brasil, 2016: Humor Político e Resistência nos Quadrinhos (Regina Maria Rodrigues Behar); Laerte e o Pós-Impeachment: uma Análise da Arte de Laerte Sobre o Governo Temer (Fernanda Alcântara Pestana Bazan); Uma Análise das Charges de Carlos Latuff sobre a Alca: Crítica à proposta de Integração Continental Subordinada (Rozinaldo Miani)
Cheguei atrasada para essa mesa que periga ter sido uma das mais interessantes do evento. Queria muito ver o trabalho sobre Laerte e só consegui ver o sobre Latuff e a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Enfim, o professor Rozinaldo Miani mostrou um domínio fantástico tanto da teoria, quanto do material do chargista e do tempo de apresentação. Em menos de 15 minutos, acho que ele usou 13, apresentou seu objeto muito bem. Confesso que não lembro do trabalho de Latuff da época da rejeição da adesão a ALCA, mas considero o chargista um dos mais competentes na sua área e isso independe de concordar com ele em tudo. Algo curioso é que Latuff não cobra nada pelas charges relacionadas a questão palestina, aliás, ele é conhecido mundialmente por elas.
Exemplo da arte de Latuff |
Sala 205 – 16h – Quarta-feira – Coordenadora: Renata Mancini – O Cânone Literário Segundo os Quadrinhos no Brasil (Renata Farhat de Azevedo Borges); Estratégias Semióticas na Adaptação de Grande Sertão: Veredas Para Quadrinhos (Renata Mancini); Dom Casmurro: Impasses Machadianos nos Quadrinhos (Gleica Helena Sampaio Machado Macedo e José Carlos Felix); Quadrinho Maneirista - Imagens Labirínticas em Patrulha Do Destino E Corporação Batman de Grant Morrisson (Raimundo Clemente Lima Neto e Selma Regina Nunes Oliveira)
A última mesa que assisti foi sobre literatura, com um trabalho sobre Batman sobrando, por assim dizer. Independentemente de sua qualidade, e a professora Selma, que orienta o Lima – ele é dono da Kingdom, que foi, durante anos, a mais importante gibiteria de Brasília – foi orientanda de doutorado da minha orientadora, então, é gente que conheço, ele não casava com o que se estava discutindo, ou, talvez, eu tenha uma percepção muito limitada da coisa. Havia uma mesa sobre mangá no mesmo horário com três trabalhos, eu mandaria o Batman para lá, mas eu não sou organização, então... Como vi desde o começo, pude aproveitar tudo.
José de Alencar, um dos mais adaptados no século XX. |
De qualquer forma, na correria, porque o tempo era aquele dos terríveis 15 minutos, anotei que os mais quadrinizados no Brasil no século XX foram Monteiro Lobato, Alexandre Dumas e José de Alencar. Aliás, a primeira adaptação sabida de literatura para quadrinhos em nosso país, em 1934, foi O Guarani. Já no século XXI, temos Shakespeare, Machado de Assis (*com a repetição de Cartomante, O Alienista e Dom Casmurro em excesso*) e Julio Verne. E ela marcou bem que em nosso século – e eu falei sobre isso no meu trabalho na ANPUH, também – o dinheiro do MEC, a possibilidade de inclusão de títulos no PNBE (Programa Nacional Biblioteca na Escola), tem impulsionado as editoras a adaptarem literatura para quadrinhos. Com o nosso novo (des)governo, ninguém sabe como vai ficar.
Exemplo de Grande Sertões Veredas |
Um dos Dom Casmurro analisados. |
Na discussão, levantaram-se várias questões sobre como nem sempre a obra escolhida pelo MEC é a melhor. Como a criatividade faz diferença em uma adaptação/tradução. Havia gente trazendo experiências de orientação com trabalhos usando quadrinhos/filmes/livros. De qualquer forma, e já terminando, é legal ver a evolução – nesse sentido mesmo, para melhor, para o mais diverso, criativo, teoricamente estruturado – dos estudos da área no Brasil. Espero poder evoluir junto, crescer, também. Minha impressão é de que o que eu faço não caminha junto como que há de melhor da produção acadêmica da área no Brasil. É isso.
P.S.: Imagens só quando eu voltar para casa e estiver com uma conexão decente.
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