Aladdin (1992) não é meu filme favorito da Disney, nem Jasmine é minha princesa favorita, mas considero a animação uma das grandes produções do Estúdio e comprei o disco recentemente para a Júlia. Daí, revisitei a animação e, assim como Mulan (*que subiu no meu conceito revendo sei lá quantos anos depois*), preciso resenhar o material. Sei que na semana passada rolou um barraco mundial em torno da escalação do elenco para o live action da Disney. Eu estava com a internet limitada, cheguei hoje (*o avião desceu quase meia noite*) em casa e decidi comentar algo que me pegou de surpresa, vamos lá!
A polêmica da semana passada começou, ao que parece, quando a produção de Aladdin teria reclamado que "encontrar um astro principal na casa dos 20 anos que possa atuar e cantar tem se mostrado muito difícil — especialmente por que o estúdio quer alguém com ascendência no Oriente Médio ou indiana". ("finding a male lead in his 20s who can act and sing has proven difficult — especially since the studio wants someone of Middle Eastern or Indian descent.”) O Buzzfeed fez, então, um post reunindo trocentas sugestões dadas pelo público da Internet, começando com o fato de que existe todo o segundo país mais populoso do mundo para procurar e que bastava digitar "Bollywood". Enfim, vergonha alheia. Repassei o link, entre outras coisas, porque a maioria dos atores citados pelo povo eram lindos.
Avan Jogia, achei esse moço a cara do Aladdin da Disney. |
Sempre que eu assisto Aladdin, imagino a história da Disney — a da Disney, friso bem — se passando em algum reino islamizado da grande Índia. Olho para o protagonista, Jasmine e outras personagens, mesmo os figurantes e penso isso. Sabia que o conto era das Mil e Uma Noites, cujo primeiro manuscrito data do século IX, da história de Sherazade e o sultão serial killer e tudo mais. Só que apareceu um comentarista no meu Facebook que me informou que Aladdin, o do conto original, era chinês. CHINÊS?! Como assim?
Fui para a internet, olhei alguns artigos, o da Wikipedia está lá para ser consultado, afinal, e, bem, descobri um monte de coisas. Enfim, na primeira versão, Aladdin era chinês e foi cooptado por um mago magrebino. O Magreb é o Norte da África islamizada sem contar com o Egito. Outra coisa, o Aladdin, o conto, é uma adição tardia ao conjunto das Mil e Uma Noites, apareceu nas compilações somente no século XVIII. Esse Aladdin, não conhecia e, bem, ter acesso a essas informações só me faz pensar em quanto certas discussões são rasas.
Ilustração do Aladdin chinês direto da Wikipedia. |
Já escrevi sobre representatividade (*Exemplos: 1 - 2*), de como se ver na tela é importante. Hoje mesmo, a notícia que mobiliza os nerds na internet é que, pela primeira vez, Doctor Who será uma mulher. Essas coisas são importantes, o whitewashing, isto é, colocar atores e atrizes caucasianos em papéis que deveriam ir para profissionais não-brancos, é recorrente em Hollywood, mas é preciso cuidado também ao apontar o dedo e acusar.
Por exemplo, se alguém quiser adaptar Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ) para os cinemas, se o filme for feito em Hollywood, tenham certeza de que não me verão exigindo um elenco nipônico, até porque a história se passa em um mundo imaginário e ninguém tem cabelo natural da cor de chiclete daquelas máquinas de bolinhas. Agora, Anthy, de preferência, teria que ser uma atriz não-branca, porque efetivamente ela não é branca nem no mangá, nem no anime. Agora, as outras personagens são caucasianas por causa disso? Não. O elenco poderia ser multirracial e ficaria lindo. Espero ter sido clara. O que quero dizer é que etnia nem sempre deveria estar no centro da discussão.
Voltando ao assunto, em uma busca purista, nosso Aladdin deveria ser chinês, mas alguém pensou nessa possibilidade? Claro, e isso não discuto, aliás, para um ator não-branco estrelar Aladdin seria maravilhoso, e há inúmeros atores aptos a ocupar o papel do herói, manter a estética da animação, também. Por isso, aliás, a declaração da equipe do filme foi ridicularizada. Agora, se pensarmos que Aladdin foi composto, ou apropriado e difundido em um ambiente islamizado, apagando suas origens e tudo mais, qualquer um, absolutamente qualquer um, poderia ser Aladdin, porque, bem, qualquer um pode ser muçulmano.
Por exemplo, se alguém quiser adaptar Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ) para os cinemas, se o filme for feito em Hollywood, tenham certeza de que não me verão exigindo um elenco nipônico, até porque a história se passa em um mundo imaginário e ninguém tem cabelo natural da cor de chiclete daquelas máquinas de bolinhas. Agora, Anthy, de preferência, teria que ser uma atriz não-branca, porque efetivamente ela não é branca nem no mangá, nem no anime. Agora, as outras personagens são caucasianas por causa disso? Não. O elenco poderia ser multirracial e ficaria lindo. Espero ter sido clara. O que quero dizer é que etnia nem sempre deveria estar no centro da discussão.
Utena e Anthy, versão anime para a TV. A melhor de todas, aliás. |
O Islã se expandiu até a China, Indonésia, Espanha, Norte da África, Europa Central, seja dentro do império, pela conquista militar, seja como fé por comerciantes e outros crentes. Era comum, também, que eslavos fossem vendidos aos muçulmanos por cristãos europeus (*e a Igreja Católica condenou a prática durante a Idade Média*), ou outros grupos (*vide Roxelana, a amada do sultão Suleimão o Magnífico, que era russa, ou ucraniana*) assim como os muçulmanos do Norte da África faziam razias no Sul da Europa e capturavam cristãos. Fora, claro, que muitas regiões ocupadas pelo Império árabe-Muçulmano tinham sido previamente gregas, romanas, e mesmo ocupadas por tribos germânicas (*visigodos na Península Ibérica, vândalos no Norte da África*). Além disso, havia o fluxo de africanos escravizados para o Oriente Médio. Enfim, o que quero dizer é que o ambiente que recebeu o conto do Aladdin chinês e o lapidou era plural, independente da visão estereotipada que muita gente tenha do mundo áraba-muçulmano. Vide lá a resenha do documentário Bad Heel Arabs que fiz tempos atrás. As pessoas, às vezes, querem buscar uma origem que, efetivamente, não existe.
Mena Massoud e Naomi Scott. |
No fim das contas, um ator de ascendência egípcia, Mena Massoud, será Aladdin. Jasmine será interpretada por Naomi Scott, cuja mãe é de família indiana. E o Gênio será Will Smith. Falta o vilão, Jafar. Pelo jeito, se seguirem na mesma batida, ele será um não branco, também. Detalhe, já li reclamações sobre a escolha de Naomi Scott dizendo que era whitewashing. Será que as pessoas estão realmente pensando e pesquisando antes de escrever?
3 pessoas comentaram:
Eu não conhecia essa história do Aladdin ser chinês também. Fiquei surpreso. ^^
https://www.youtube.com/watch?v=OIRgUQeZnO8
Já viu esse vídeo? Proposta de atores para interpretarem os príncipes. Vi há alguns meses e só descobri esse Avan Jogia porque nos comentários várias pessoas o citam. Tem mensagens escritas há nove meses, o que mostra que esse zum-zum-zum dele interpretar o Aladdin corre faz tempo.
Das dicas, o que eu concordo 100% é o Matt Bomer fazendo o príncipe Eric da Pequena Sereia. Dá uma olhada no vídeo. Ele é perfeito pro personagem! Igualzinho. E o Chris Hemsworth faria uma Fera bem mais interessante que o Dan Stevens, claro.
Ser mais interessante que o Dan Stevens não seria difícil...
Os norte-americanos tendo uma visão estereotipada do Oriente Médio não me surpreende, é típico deles. Agora brasileiros? Esse é um erro tão grave quanto assumir que todos os latinos são "mestizos". Do ponto de visto da representatividade, não contribui em nada, afinal, confundir etnia, "raça" e nacionalidade é o que leva a mais caucasianos ganhando todos os papéis. Só ver como personagens negras nos quadrinhos de Novos Mutantes serão interpretadas por atores brancos (na nossa visão brasileira) no filme da Fox, o que foi considerado aceitável nos EUA só porque os atores escolhidos são "brasileiros" e latino é tudo igual pra eles, né?
O Avan daria um ótimo Aladdin, fora que ainda tem carinha de novinho. O live action de Utena multirracial seria um sonho se realizando! Imagino uma Anthy indiana ou negra, quem sabe ambos.
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