Não sei por qual motivo, mas, hoje, decidi pegar a minissérie The Tenant of Wildfell Hall (*em português A Inquilina de Wildfell Hall*) para assistir. Baseada no livro do mesmo nome de Anne Brönte, a produção é de 1996 e teve três capítulos somente. Sim, a série é muito boa, mas o livro pedia muito mais. Para darem conta em tão pouco tempo, a trama se concentrou somente nos protagonistas, Helen Graham (Tara Fitzgerald), Gilbert Markham (Toby Stephens) e Arthur Huntington (Rupert Graves).
Resuminho da história é o seguinte: uma misteriosa mulher e seu filho passam a morar em Wildfell Hall atraindo a atenção da vizinhança. Quem seria ela? O vizinho, Gilbert Markham, sente-se particularmente atraído pela nova moradora e desenvolve uma relação afetuosa com seu filho, o pequeno Arthur. Helen Graham é esquiva e evita eventos sociais, mas termina travando amizade com Markham. Com o desenrolar do tempo, a nova moradora, Mrs. Graham e Markham se apaixonam, mas ela é alvo da fofoca da vizinhança, por seus mistérios, por pintar para viver e porque seu senhorio, Frederick Lawrence (James Purefoy), costuma visitar muito a inquilina.
A inquilina misteriosa. |
A gota d’água para Helen foi ver que o marido tencionava perverter o caráter do próprio filho. Com a ajuda de alguns criados fiéis e do irmão, ela foge com a criança. Quando o marido, já muito doente, descobre o paradeiro de Helen e exige o menino de volta, ela termina retornando ao lar para cuidar do sujeito e o futuro com Gilbert – que não poderia existir de qualquer forma, já que ela é casada – fica ameaçado.
Gilbert foi muito insistente. |
Através de Helen e, também, da irmã de Gilbert, Rose (Paloma Baeza), a desigualdade de gênero é exposta na série. Rose se mostra indignada porque a mãe impõe que ela sirva o irmão, ainda que ele não peça nada, e lhe faça as vontades. Para a velha senhora, trata-se de uma forma de educar a moça para o casamento. E, nesse aspecto, convém lembrar qual a função social das mulheres maduras, isto é, reforçar as estruturas sociais, afinal, elas já cumpriram sua função e, agora, em posição privilegiada, precisam zelar para que seu lugar de poder (*delegado*) – de mãe, de sogra – seja garantido pelos homens que geraram e adularam.
Presa fácil. |
Falando em Huntington, o marido de Helen, no livro ele é ruivo, talvez apontando para a instabilidade emocional e de caráter, na série, ele é aquele típico moreno lindo e viril que a literatura romântica popular e as adaptações para o cinema e TV adoram vender. Fora isso, raramente vi um vilão tão asqueroso representado em tela. Ele não é o vilão frio e elegante, daqueles que dão medo e, ao mesmo tempo, atraem, como o Sr. De Montserrat, ou Lord Grandcourt (Hugh Bonneville) de Daniel Deronda. Ele é um alcoólatra que tem prazer em torturar a esposa valendo-se da força física e da lei que lhe assegura todos os direitos sobre ela e o filho. Além disso, humilha aqueles que considera inferiores, é assumidamente adúltero e corrupto.
O marido pode tudo. |
E o menino sofre com o processo, claro. Fora isso, o pai-vilão tenta tirar da mãe qualquer autoridade sobre a criança. Anulando-a. O menino é induzido a ser violento e desconta nos animais, treina as crueldades neles. Assim, poucas vezes um vilão me despertou tamanha repulsa quanto Huntington e, ao que parece, uma das críticas ao livro – que a autora rebateu em vida (*olha que bobagem eu escrevi... mas vai ficar*) – foi que o retrato do alcoólatra moralmente degradado era realista demais.
Você não verá esses sorrisos no seriado. |
Através de Huntington todas o que de pior há no patriarcado está exposto. O privilégio masculino, o poder sobre as mulheres e crianças. A legislação inglesa, aliás, era particularmente terrível. Mulheres casadas não eram sujeitos de direito, não podiam ter propriedade até 1870, se trabalhassem para ter uma renda poderiam ser processadas por estarem roubando o marido, se fugissem com os filhos, mesmo em situação de abuso, poderiam ser acusadas de sequestro. Helen é, portanto, uma criminosa. Ela suplica que o marido se separe dela, que lhe dê o que resta de seu dote, que permita que fique com o filho, mas ele não aceita nada disso apesar de desprezá-la, porque, bem, o que os vizinhos iriam pensar? Enquanto isso, ele tinha um caso com a esposa de um de seus melhores amigos.
Condenada por ganhar seu próprio dinheiro. |
O fato é que a atriz não parece com a descrição do livro, uma mulher bonita, alta e de cabelos negros, mas The Tenant of Wildfell Hall só teve duas adaptações para a TV e a primeira, de 1968, que teve um episódio a mais, não está nem disponível. Já o lindinho do Toby Stephens defende muito bem seu Gilbert Markham. Ele transborda simpatia e bom mocismo, verdade, mas parece que era isso que a personagem pedia. Imaginar que, dez anos depois, ele seria o melhor Mr. Rochester (*minha opinião, claro*) e passaria toda aquela paixão que a personagem turbulenta exige. Gilbert é doce, gentil. Há aquela cena do mal-entendido, porque romance sem mal-entendido parece coisa rara, mas ele resolve de forma totalmente diferente do Mr. Thornton de Norte e Sul e quase acaba com o irmão da amada.
Tio e sobrinho. |
Não vi no seriado – e nem deve estar no livro, que eu nunca li por completo – uma condenação à Helen por ter desobedecido ao conselho da tia e se casado com Huntington. O que a história parece condenar é a ignorância em que as moças eram mantidas e que as tornava presa fácil desse tipo de sujeito. Huntington parece se casar com Helen, porque seria difícil simplesmente seduzi-la, só que acabou se decepcionando por não encontrar nela uma massa fácil de ser moldada, ela não se deixa corromper. O escândalo da história para a sociedade da época – e o livro foi um sucesso imediato – era mostrar uma mulher capaz de romper, de fugir de um marido abusivo, de não se submeter.
A filha do reverendo acreditava que iria casar com Gilbert. |
Que dizer mais? O figurino não é fulgurante, mas Helen é uma personagem apagada nesse aspecto, especialmente, depois do casamento, e o ambiente da vila não favorece grandes belezas, mas parece correto. Há algumas cenas com um figurino mais elaborado quando Helen é uma debutante em Londres, mas são poucas cenas. Gostei da interação entre Tara Fitzgerald e Toby Stephens, a tensão, a angústia, a paixão reprimida, tudo está lá. E a câmera mostra bem este jogo de sedução quando age como se fosse o olhar do mocinho sobre a nuca desnuda de Helen. O decote dos vestidos da década de 1840 é bem sensual, levando-se em conta que todo o resto está coberto.
Terminando, vale a pena assistir a minissérie e ler o livro, também. Espero desenterrar outras coisas do meu HD, há centenas de episódios de séries, minisséries da BBC e ITV, filmes etc. E, bem, o Toby Stephens, que é filho da poderosa Maggie Smith, que fique registrado, vale por ele mesmo. Ainda que como Mr. Rochester ele estivesse ainda mais bonito. Comentarei Jane Eyre de 2006, eu prometo. Aliás, acho que é o único Jane Eyre (*que vale a pena*) que não comentei no Shoujo Café.
1 pessoas comentaram:
Excelente resenha Valéria. Assisti esse seriado já fazem alguns anos, como não li o livro não sei se a adaptação ficou fiel ou não, mas gostei do que assisti. A história é realmente bem transgressora para a época e mostra a hipocrisia da sociedade. Você chegou a assistir To Walk Insvisible, lançado ano passado pela BBC? É um bom retrato da vida e das dificuldades pelas quais passaram as irmãs Brontë, principalmente por causa de seu irmão que tinha problemas com alcool e teve um caso com uma mulher casada. Lendo a resenha consegui fazer algumas conexões com o que foi mostrado na minissérie do ano passado.
Um grande abraço.
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