sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Armadilhas de Tradução, o caso de Your Name


O Rocket News 24 publicou uma interessante matéria sobre as armadilhas de tradução de Your Name, ou Kimi no Na wa。(君の名は。), o sucesso absurdo criado por Makoto Shinkai.  Não queria fazer mais um post relacionado  a esse anime, mas pensem neste como uma discussão que ultrapassa o próprio filme. Enfim, há uma cena se Your Name em que a protagonista, Mitsuha, usa o pronome "Eu" quatro vezes em cadeia e a piada está exatamente aí, no uso do "eu".  Ora, ela usou quatro "eus" diferentes ao falar com seus amigos, um formal ou feminino (watashi), outro super formal (watakushi), um masculino informal (boku) e o último masculino super-informal (ore), este último,  o mais usado na atualidade entre os homens japoneses que tem intimidade.  

Um japonês entenderia a piada de imediato, sem problema, afinal, a protagonista  é uma garota que  troca de corpo com um garoto e está tentando encontrar as palavras adequadas, mas como levar isso tudo para o inglês, ou mesmo para o nosso  português?    Eu diria que é impossível, pelo jeito, terão que reescrever a cena inteira.




O fato é  que existem pelo menos 14 formas de falar "Eu" em japonês.  O uso varia tanto em relação a quem fala (homem ou mulher), até questões de formalidade.  Toda essa tensão aparece nessa mísera cena com quatro "eu" em seguida, mostrando o embaraço da menina que, agora, é um garoto.  Enfim, quero ver como a coisa irá se resolver em idiomas que só tem uma forma de "eu".  Fosse um mangá, usariam o recurso da nota.  Um anime fansubado pode recorrer a isso, mas um lançamento oficial, dificilmente. 


Enfim, meninas com personalidades forte, ou mesmo tomboys, até usam o "boku", mas é raro. Lembro que, no mangá,  o "boku" de Utena, de Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ), era grafado de forma diferente,  em katakana e, não,  em hiragana.   Talvez, fosse uma forma de enfatizar a estranheza, o fato da personagem estar fora do padrão.  Em mangás femininos históricos ou de fantasia, nunca parei para ver isso em shounen ou seinen, é comum que uma mocinha forte use "watashi" em público e "atashi", que é uma forma infantilizada,  com o amado. Era assim na Princesa e no Cavaleiro  (リボンの騎士), se bem me lembro. Em Anatolia Story (天は赤い河のほとり ~Anatolia Story~), a variação do uso era certeza.  

Outro exemplo, lembram quando Noriko decide que quer agir "como homem" em Fushigi Yuugi  (ふしぎ遊戯)?  Ela/e tropeça primeiro na linguagem.  O anime mostra isso, mas não me lembro realmente como o fansuber resolveu, já faz muito tempo e eu nem sabia dessa confusão de "eus".  Comecei a tomar pé nisso quando li uma entrevista com Riyoko Ikeda.  Ela dizia que tinha abandonado o anime da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) já no primeiro episódio, pois colocaram Oscar usando "ore".  Ikeda pontuou que usar "ore", nos anos 1970, era coisa de homem mal educado, Oscar só usava o "eu" neutro, "watashi", ou o polido "watakushi".  Eu fui conferir o anime em japonês, tinha assistido em português para localizar a heresia.  Achei.  Ikeda fez bem em reclamar.


O que muita gente não entende, apesar de este ser um exemplo extremo, é que nem tudo tem tradução,  que há peculiaridades de uma língua que nem sempre encontram correspondente em outra.  Podem ser palavras, construções, declinações, enfim, há múltiplas possibilidades. Toda tradução,  via de regra, é uma versão.  E nem falo de intervenções de cunho ideológico,  mas de necessidade e inventivdade. Tradução é coisa séria,  um trabalho de imensa responsabilidade que muita gente não vê,  apequena, acha que qualquer um pode fazer, que não é profissão.  

Eu quebro galhos, eu não sou tradutora, e admiro muito quem faz bem esse trabalho. E vejam, para fazer bem, é preciso ganhar bem. Quando você tropeçar em um trabalho mal feito, tente imaginar que, talvez, alguém tenha recebido mal, que o profissional não era tradutor, ou que economizaram em outra etapa do processo, a revisão,  muitas vezes, uma revisão técnica.  Outro especialista, portanto que mesmo editoras grandes, às vezes, dispensam por economia.  Quando o assunto é legenda ou texto de dublagem, então.... É isso. Your Name foi só o ponto de partida do post.

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