Ontem, finalmente consegui assistir Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them), filme que revisita o universo de Harry Potter e que tem roteiro assinado pela própria J. K. Rowling. Como tenho muito carinho pela franquia HP no cinema, afinal, cheguei aos livros por causa dos filmes, do terceiro, especificamente, meu coração estava bem propenso a amar esta nova empreitada cinematográfica. Não é nem caso de empatia, é simpatia mesmo, admito. Por isso mesmo, digo de saída que gostei do filme protagonizado por Eddie Redmayne, ainda que ele patine em um dilema, quer ser um filme de fantasia para adultos, mas precisa ser igualmente um filme acessível para crianças. Ainda assim, eles conseguiram oferecer um produto bem interessante.
Estamos em 1926, setenta anos antes da trama de Harry Potter e Newt Scamander (Eddie Redmayne) chega à Nova York com uma mala de criaturas fantásticas. Ele diz procurar por um criador que reside na cidade, mas parece esconder seus verdadeiros motivos para visitar a América. As regras do mundo bruxo nos EUA são diferentes das que vigoram na Grã-Bretanha, e Scamander não poderia ter animais fantásticos só para começo de conversa... Enfim, mas antes mesmo do bruxo britânico chegar aos Estados Unidos, uma criatura, ou força mágica, vem agindo na cidade e deixando preocupados os membros da MACUSA (The Magical Congress of the United States of America). Alguns desconfiam de criaturas mágicas, outros desconfiam de Gellert Grindelwald (Johnny Depp), um poderoso pária que aterroriza a Europa.
Tina e Scamander |
Em Nova York, Scamander perde várias de suas criaturas e a confusão se instala, atraindo a atenção da MACUSA, que deseja que a existência do mundo mágico continue um segredo. Scamander tem que recuperar seus animais e para isso conta com a ajuda da ex-auror Porpentina "Tina" Goldstein (Katherine Waterston), sua irmã Queenie Goldstein (Alison Sudol) e o no-maj (muggle, trouxa) Jacob Kowalski (Dan Fogler). Enquanto isso, uma seita de fanáticos, defende que bruxos – na verdade, bruxas – existem e precisam ser exterminados. Ao longo do filme, vários segredos vão sendo revelados, alguns deles, muito perturbadores.
Foi ótimo revisitar o universo de Harry Potter, ouvir os acordes da música e ter uma pequena visão do que é o mundo mágico norte americano. Como teremos vários filmes, fico imaginando se Scamander não irá rodar por vários países em busca de criaturas mágicas e na sua campanha pela compreensão entre os humanos-bruxos e os bichinhos. Scamander é acima de tudo um cara de bom coração e o papel caiu feito uma luva para o talentoso Eddie Redmayne.
O verdadeiro motivo para vir até a América |
Não concordo com as críticas que li dizendo que a primeira parte do filme, a apresentação de Scamander demorava demais, ou era muito infantil. No geral, o filme conseguiu se desenvolver muito bem, sem ser cansativo salvo por uma longa sequência, com função unicamente humorística, a da animal mágica rinoceronte “like” no cio. Se a sequência não estivesse no filme não faria falta e, pelo menos para mim, a dança do acasalamento feita por Scamander para “seduzir” a bichinha não foi engraçada, foi constrangedora. Agora, trata-se da única parte que eu mandaria embora do filme.
Voltando ao mundo mágico dos EUA, lá vigora um apartheid, com a proibição de casamentos entre bruxos e não-bruxos, além de outras regras que tornam a ex-colônia menos interessante que a metrópole. Diferente da Grã-Bretanha, o mundo bruxo norte americano pareceu abraçar a diversidade e sua presidenta negra (Carmen Ejogo) simbolizava bem isso. Agora, os burocratas do outro lado do Atlântico parecem tão obtusos quanto os do Ministério da Magia e mais rápidos em julgar e exterminar. Houve um momento que a coisa parecia um grande Texas com a possibilidade de condenação num estalar de dedos. Sinceramente? Scamander fez bem em não ficar por lá. Pergunto-me se ele irá voltar e se o motivo será Tina.
Uma ameaça está solta em Nova York |
Falando em Tina e nos outros coadjuvantes, Kowalski e Queenie, todos interagiram muito bem. Apesar do roteiro não ter grandes complexidades e ficar naquele meio termo difícil entre o adulto e o infantil. Há clima de romance, por exemplo, mas ele não se desenvolve como poderia. Em contrapartida, há mortes e uma delas, pelo menos, muito triste, mas coerente com o roteiro. O filme sugere que Scamander tenha um passado amoroso (*provavelmente platônico*), uma grande decepção, com uma Lestrange, cuja família tem fama lá do outro lado do Atlântico, como Queenie bem pontuou.
Imagino se Leta Lestrange não teve parte na expulsão de Scamander de Hogwarts, mas isso ficou para um próximo filme. De resto, Kowalski foi um belo parceiro cômico, não foi um chato, nem um peso e foi bonita a relação dele com a Queenie. Aliás, Queenie trouxe luz para a tela e parecia uma mistura de Betty Boop com Annie, órfã. As melhores roupas do filme, e eu achei o figurino muito pouco interessante, foram dela. Alison Sudol é muito simpática.
O casal que não pode ser. |
Já Tina trazia algo de amargo, afinal, ela sofreu uma grande injustiça, por assim dizer, mas vai se tornando mais flexível na convivência com Scamander. É importante para a trama a revelação de como Tina foi destituída da sua função de auror, uma espécie de “polícia” especial, do mundo bruxo, e como essa questão se entrelaça com a seita dos novos salenianos, que desejam a destruição dos bruxos. Novos Salenianos, de New Salem Philanthropic Society ou The Second-Salemers, vem da referência à Salém, uma das primeiras cidades norte-americanas e onde ocorreu uma das mais famosas caça às bruxas do século XVII e da história (*Recomendo o filme As Bruxas de Salém para todo mundo*).
Enfim, através da líder dos novos-salenianos, Rowling critica o fanatismo e a intolerância, o abuso de crianças. Mary Lou Barebone (Samantha Morton) persegue os bruxos, defende o seu extermínio, alimenta crianças famintas, mas as fanatiza e aterroriza. Ao longo do filme, descobrimos que suas filhas e filho são adotivos e que ela é violenta com eles. Violência gera violência e algo liga os novos salenianos aos ataques mágicos em Nova York. A personagem de Colin Farrell, Percival Graves, funciona bem como o vilão que persegue Tina e Scamander e quer descobrir se há alguma criança bruxa entre os novos salenianos. Seus motivos? Bem, assistam o filme.
Novos Salenianos |
Uma das crianças adotadas por Barebone, na verdade, já um adulto, é Ezra Miller. Ele tem um papel importante, e o ator tenta dar alguma densidade ao papel, passar angústia, repressão, desespero. Só que seu papel poderia ser um tiquinho maior. E, bem, não entrando na polêmica da escolha de Johnny Depp, que aparece rapidamente no filme, poderíamos abrir mão dele. Um outro ator, que não tivesse esse histórico de interpretações caricaturais, poderia oferecer um Grindelwald mais interessante, algo realmente novo. E ele, ao contrário de Ezra Miller, vai voltar em outros filmes.
Vou encaminhar já para o fim e farei mais dois parágrafos após o trailer. Se você não se importa com spoilers, se já viu o filme, essa parte é para você. De resto, é preciso pontuar que o filme cumpre bem a Bechdel Rule. Tem várias personagens femininas com nomes, que conversam entre si e por aí vai. Há uma participação feminina forte, ativa e diversificada, assim como temos, de certa forma, um filme que é menos branco do que eram os de Harry Potter. Rowling deve ter tido toda a liberdade para dar as cartas e mais acertou do que errou em Animais Fantásticos e Onde Habitam. Sim, vi gente reclamando que havia equívocos em feitiços, mas eu não sou tão fanática pelo universo de Harry Potter para pegar esse tipo de inconsistência. Ah, sim! O livro com o roteiro do filme vai sair em português. Acho que vou atrás dele em inglês mesmo.
Se você está aqui, não se importa com spoilers. Enfim, a morte dolorosa do filme é a da personagem de Ezra Miller, Credence Barebone. Ele me fez pensar em Voldermort quando da sua aparição. Imaginei que ele poderia ser uma personagem que retornaria no próximo filme, mas, ao que parece, não voltará. Ele e sua irmã Modesty Barebone (Faith Wood-Blagrove) nasceram bruxos de pais muggles. O estranho é este mundo bruxo norte americano não conseguir localizar essas crianças que colocam por terra a idéia de apartheid. A personagem de Colin Farrell, Percival Graves, sabe que há uma criança bruxa entre os novos salenianos e usa a dor de Credence, que é torturado pela mãe adotiva, para tentar chegar até ela.
Atormentado. |
Como Credence já é adulto, Graves acredita que ele seja no máximo um “aborto” (squib), isto é, alguém que nasce de pelo menos um genitor bruxo, mas que nunca desenvolve seus poderes totalmente, ou não os tem. Só que, na verdade, Credence, reprimido desde cedo, tornou-se um Obscuro (Obscurial), algo que surge da repressão, da sublimação da magia. Eu entendi o Obscuro como uma entidade que converte o potencial mágico represado de uma criança em elemento de destruição. Aí é que está, criança. Scamander explica que essa força terrível termina por matar o hospedeiro (*seria mesmo um hospedeiro, enfim...*), que não vive para além de 8, 10 anos. Ele tem um Obscuro aprisionado, mas o hospedeiro, uma criança sudanesa, morreu.
De qualquer forma, o fato de Credence ter se tornado adulto aponta para suas grandes capacidades e a falta de visão da comunidade bruxa norte americana. É, também, uma metáfora para o abuso infantil, a negligência da sociedade e a possibilidade de uma criança abusada se tornar um problema para a sociedade depois de adulto. De resto, credencie guardava alguma humanidade, Tina via isso, ainda que não percebesse que ele era bruxo (*incoerência*) e ele protegia Modesty. E, aí, temos um grande furo: o que foi feito de Modesty?
Credence usado por Grindelwald |
Eu realmente esperava uma cena da menina sendo acolhida pela comunidade bruxa, sendo enviada para a escola. Essa é minha maior crítica ao filme, a ponta solta que foi não darem um destino para Modesty, ou será que Graves, na verdade, Grindelwald disfarçado, eliminou a criança? É isso.
6 pessoas comentaram:
Valeria, o Crendence volta no segundo filme. Segundo os produtores/diretor tinha até uma cena que ele parte num navio para Europa que acabou por ser cortada. Não posto link porque já dá spoiler na cara mas no site "observatoriodocinema" e cena deletada
Não sei se é por que eu não sou uma fã aficionada pela franquia, mas eu achei esse filme Ok. Não muito bom, excelente ou ruim, mas Ok. Foi bem mais do que eu esperava para um spin-off caça-níquéis de Harry Potter (vamos combinar que HP não voltou as telonas pela arte de se contra boas historias) mas ainda assim bem mediano. É só pensar quão bem se sairia um filme desses no cinema se não tivesse nascido ancorado no grande nome da Franquia Harry Potter.
Dito isso, não espero mais do que mediano dos outros filmes e a questão do Johnny Depp, não sei se iriei ver os outros filmes. É decepcionante ver um homem acusado de violência doméstica e que na última década se tornou um ator medíocre, ganhar um papel de destaque numa grande franquia como se nada tivesse acontecido.
O diretor disse que havia uma cena onde mmostrava que Credence não morreu, mas foi excluída da parte final.
O diretor do filme deu uma declaração que Credence não morreu, inclusive havia uma cena em que ele aparecia, mas foi cortada da versão final.
Estou meio desanimado com essa onda nova de Harry Potter. Li todos os livros novamente ano passado (o primeiro acho que pela 7º ou 8º vez), cresci lendo a série (Pedra Filosofal foi o primeiro livro grande - pros padrões de uma criança - que li, com 9 anos) e tenho muito carinho por ela, mas não estou muito empolgado.
(Spoilers)
Tendo dito isso, eu não esperava muito do filme, mas até gostei. Achei os personagens simpáticos. Fiquei me perguntando se o clima homoerótico entre o Grindelwald e o Credence não seria uma referência à forma como ele usou o amor do Dumbledore pra tentar levar o plano dos dois adiante. Também não entendi o sumiço da Modesty. A última cena dela foi aquela em que ela estava escondida no prédio, né?
Parece que o segundo filme se passará em Paris:
http://cinepop.com.br/animais-fantasticos-e-onde-habitam-2-se-passara-em-paris-129971
Falando sobre o Johnny Depp, eu fiquei surpreso. Nunca o achei um bom ator, mas como ele conseguiu colocar aqueles tiques de Jack Sparrow em menos de cinco minutos de filme? Ele teve o quê, duas falas? Não pretendo ver os próximos filmes no cinema porque não quero apoiar uma produção que dá dinheiro para homens como ele. Acho que nem iria nesse se soubesse que ele aparecia. Via em casa mesmo depois.
(Fim dos spoilers)
Mudando totalmente de assunto, você pretende ver A Chegada? Eu assisti hoje no cinema e o filme mexeu muito comigo, não só por fazer Letras. ^^
Falando sério, não é à toa que ele está recebendo notas tão altas dos sites que tenho visto. É um filme propriamente adulto. E a Amy Adams está excelente. Estou cada vez mais encantado com ela. Tem uma entrevista dela com a Natalie Portman e a Emma Stone pro Hollywood Reporter falando sobre o filme e o definindo como um filme sobre uma mãe contando a história da vida dela:
'Arrival' "Is a Mom Telling the Story of Her Life"
https://www.youtube.com/watch?v=3CulyFD9N_0
É um filme que merece ser assistido no cinema. Sem exageros. Assim que acabar os trabalhos da faculdade, pretendo ir ver de novo. :)
Discordo do "caça-niqueis". O universo ficcional de Harry Potter é muito amplo. A autora quer ganhar dinheiro? Certamente. Digam-me quem não quer. Agora, ela vem construindo de forma muito sólida o mundo de Hp. Aminais fantásticos se insere bem nesse universo, com as limitações de um blockbuster, o que vale para todos os filmes, os livros são melhores, mas não há nada de errado com ele nesse aspecto. Caça-níqueis, aos meus olhos, é pegar um livro como O Hobbit e transformar em três filmes. Isso, sim, vale todas as críticas.
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