sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Comentando o Lady's Comics. Sim! Demorou, mas está aqui o relato.


Faz uma semana que tive a honra de participar do II Lady’s Comics.  Com o intuito de promover os quadrinhos feitos por mulheres e discutir a Nona Arte sob uma perspectiva feminina e feminista, o evento reuniu artistas de várias gerações, além de editoras (*mulheres que editam quadrinhos e revistas que falam de quadrinhos*), pesquisadoras (*eu aqui, uma delas*) e um público muito amplo.  Para quem não consegue compreender a importância de um espaço assim, imagine somente que mais de 90% das vozes ouvidas eram femininas, que se discutiu quadrinhos a partir das mulheres, das suas vivências e expectativas, que elas estavam compondo as mesas e eram elas que estavam trocando experiências e vendendo suas obras.  Você, homem que me lê, talvez ache banal, mas para nós, mulheres, não é.  Vocês sempre são ouvidos, nós, não.

Participei do evento nos dias 29 e 30 de julho.  Voltei para o Rio e para a minha filhinha (*ficar longe da Júlia é doído*) no sábado mesmo.  Na sexta-feira pela manhã, ofereci junto com a amiga Natania uma oficina sobre Quadrinhos, Gênero e Educação.  Ano passado, não consegui me fazer presente, mas sei que o evento cresceu muito.  De um dia somente, agora foram três.  Fora isso, o primeiro Lady’s Comics, promovido pelo site e coletivo de mesmo nome, foi bancado por uma campanha no Catarse.  Este ano, houve outros patrocínios, inclusive da prefeitura de Belo Horizonte e do Governo do Estado de Minas Gerais.  Sim, quadrinho é uma expressão cultural importante e promover a inclusão e a diversidade deveriam estar na ordem do dia e, não, serem coisas de somenos importância.

Crau da Ilha.
Durante o evento, pude assistir algumas mesas redondas e ouvir mulheres que estão fazendo quadrinhos no Brasil hoje.  Emocionante foi a fala da veterana Crau da Ilha.  Uma cartunista que começou sua carreira muito jovem nos anos 1970.  Ela contou sobre sua carreira, falou da revista O Bicho, na qual publicava, de como era pesado trabalhar em uma Ditadura (*depoimento muito importante*) e de como seu estilo de vida hippie, compartilhado por vários artistas na época, ajudaram a segurar essa barra e várias outras.  Crau se emocionou quando o Afonso, um dos organizadores da FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) lhe mostrou a coleção da revista Bicho.  A própria Crau não tinha todos os números.  Foi lindo.  E eu ainda tive a honra de almoçar com ela. ^_^  Ciça Pinto, outra das precursoras, não pode vir por motivos de saúde, mas a assistimos em um vídeo gravado em outro evento promovido pelo Lady's Comics.  

Outra mesa que assisti foi a Minha Primeira Publicação em Revistas.  Um dos pontos importantes da discussão – e que vale para homens e mulheres – é de como são invisíveis os editores.  Se uma publicação vai mal, a culpa pode recair em seus ombros, se ela vai bem, ninguém parece lembrar deles/as.   Capitolina, Farpa, Risca!, todas revistas de viés feminista e publicadas por mulheres.  A Capitolina é uma revista on line para adolescentes.  A Farpa, que acabei não comprando, foi um trabalho colossal encabeçado pela Lila Cruz em um projeto do Catarse.  Já a Risca!, que eu tenho o volume #1 e imaginei que veria o #2 lançado no evento, é das moças do Lady’s Comics e tenta dar visibilidade à história das mulheres nos quadrinhos e às mulheres que fazem quadrinhos.  Ela é muito bem escrita e eu recomendo.  

Editando revistas.
Ainda na mesa estava a Carolina Ito falando de seu trabalho de jornalismo em quadrinhos e de como é difícil que grandes veículos de comunicação deem espaço para que se publique este tipo de material.  Ademais, a Carol Ito trouxe alguns relatos de machismo em relação ao seu trabalho.  Aliás, algo recorrente em outros testemunhos.  A moça artista ser inquirida sobre quem desenhou ou escreveu o roteiro para ela, ou ainda ser tratada como a “namorada de fulano”, quando o cara já era artista.  Coisas bem terríveis acontecem por aí.

A outra mesa que assisti, e que rendeu muito, foi a Como Entrar no Mercado de Quadrinhos com Cris Peter, Cris Eiko e Carol Christo (Editora de quadrinhos da Nemo).   Como o próprio nome da mesa indicava, a conversa girou em torno da experiência profissional das três.  Cris Peter é uma colorista bem sucedida e que também ficou atrelada em alguns momentos ao namorado artista, sua arte sendo desmerecida simplesmente por ser mulher.  Ela falou da importância de se viajar e conhecer pessoalmente figuras chave do meio.   A Carol Christo falou algo semelhante em relação à propaganda dos quadrinhos nas redes de livraria.  De levar artistas, conversar e tentar conseguir que as HQs fiquem melhor expostas nas lojas.

Como Entrar no Mercado de Quadrinhos
Cris Eiko falou da falta de confiança em relação ao seu trabalho, de como foi difícil superar isso, apesar de conviver no meio dos quadrinhos desde sempre.  Seu pai era letrista da editora Abril, se bem entendi. Cris Peter pontuou que nós, mulheres, normalmente somos educadas para não termos confiança, ou para não sermos capazes de acreditar em nós mesmas, no nosso trabalho, mais ainda de ir com a cara e a coragem na hora de encarar o mercado de trabalho.  Acrescentaria, eu, especialmente, se se trata de um meio masculino.  Quadrinhos, por exemplo.

Já Carol Christo relatou que ao ser contratada pela Nemo, ouviu de algumas pessoas que, agora, a editora só publicaria quadrinho “de mulherzinha”.  Percebam o desprezo em relação às temáticas relacionadas às mulheres, ao que é produto para mulheres.  De qualquer forma, Christo trouxe para a Nemo um outro olhar e, sim, mulheres passaram a ser publicadas e, importante frisar, elas vendem. A editora enfatizou isso, um fracasso de vendas, especialmente no início, poderia colocar um ponto final ou ser um adiamento em novas experiências.

"Nós pesquisamos vocês.", a frase ;é da Natania.
A mesa ia caminhando sem menção à mangá e, bem, aquilo estava me incomodando. Parecia que ninguém tinha lido mangá e que quadrinhos japoneses não tinham relevância no mercado.  Daí, um sujeito fez uma pergunta “Quais as três personagens favoritas de vocês em todos os tempos”.  Cris Peter citou Sailor Moon, que a conquistou com suas imperfeições, e Sakura.  Daí, desandou a falar da importância do mangá para que meninas desejassem fazer quadrinhos.  Adorável!  Carol Christo, se bem me lembro, citou a Mônica e Sakura, também.  Elas são da mesma geração.  Aliás, é fantástico a importância que Card Captor Sakura e, portanto, também, o grupo CLAMP, como referência para tanta gente nesse Brasil que sonha em fazer, ou faz quadrinhos.

Cris Eiko, que talvez fosse um tiquinho mais velha, falou da Fênix como a sua favorita de todos os tempos (*e minha amiga Natania começou a dar pulinhos e quase chorar*) e de como se emocionou lendo a sua morte.  E ela, tão quietinha, de repente se revestiu de uma eloquência e empolgou todo mundo.  Depois ela falou de Samurai Troopers, ela gostava de uma das personagens, e terminou com Lady Oscar.  Sim!  A Rosa de Versalhes.  Ela disse que leu o mangá, fez um relato emocionado (*e aí fui eu que quase chorei*), teceu umas críticas na linha talvez não tivesse paciência para reler hoje por causa de certas questões machistas (*tive a nítida impressão que ela estava misturando mangá e anime em alguns momentos*), mas deixou Oscar na sua tríade.  Foi bonito de se ouvir. :)

Júlia.
Daí, chegou a hora de eu partir.  No último dia em BH, conheci pessoalmente uma amiga muito querida, a Kátia que produz junto com uma amiga o quadrinho Senhoritas de Patins.  Olha, eu a conheço faz tanto tempo que nem sei, mas dar uma abraço foi algo emocionante demais.  Ela ainda fez uma aquarela da minha Júlia, sem nunca ter visto minha filhinha a não ser em fotos.  Kátia ainda fez um comentário que só me confirmou da importância desses espaços de troca entre mulheres: ela tinha parado de fazer quadrinhos e foi o primeiro Lady’s Comics, o que ela ouviu lá, que lhe deu forças para voltar a desenhar e criar.  Sororidade faz diferença, sabe?

Sim, gente, eventos desse porte servem para isso.  Despertar vocações, fazer sonhar, refletir sobre desigualdades, buscar caminhos, arrancar de dentro de si forças para superar obstáculos.  Espero que no próximo Lady’s Comics mais mulheres estejam presentes.  Torço para que mais mulheres se façam presentes no meio dos quadrinhos, criando e editando.  Espero que possa ir ao III Lady’s Comics e agradeço muito, muito mesmo, ao convite que as moças do site me fizeram.  Não pude ver tudo, não vi as artistas estrangeiras presentes, não ouvi a Lu Cafaggi e a Fernanda Nia, mas vi muitos trabalhos legais expostos e a venda e torço por um futuro melhor, com quadrinhos dentro e fora da sala de aula, um mundo no qual ninguém se espante de ver uma mulher fazendo quadrinhos e que nenhuma autora tenha que se esconder por trás de letras abreviadas ou pseudônimos para conseguir vender seus livros, roteiros e arte.  É isso!

1 pessoas comentaram:

Adorei a matéria. Deu muita vontade de estar lá. Colocarei isso na minha lista de desejos, rsrs.

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