Não sei se alguém sabe, mas o post mais popular de todos os tempos do Shoujo Café é sobre o filme nigeriano Oya: Rise of the Orisha (Oya: A Ascensão dos Orishas) que trata os Orixás – divindades de origem africana – da mesma forma que outras divindades são tratadas pela cultura pop, ou seja, como super-heróis. Vejam só, não foi nem um post sobre o filme, mas falando que ele estava em produção. De lá para cá, foram quase 700 mil visitas para este post. Imagino que muita gente chegou por acidente, a maioria, aliás, mas o fato é que um blog que tem média de 3 mil visitas ao dia, chegou a ultrapassar 100 mil por causa deste post em especial.
Por conta disso, fico imaginando a curiosidade que muitas pessoas têm em relação aos orixás, seja como divindades reais, seja como material ficcional. Meu marido fica até brincando que eu deveria mudar o foco do blog e ganhar dinheiro com isso. :P O fato é que o post em questão, que tem muitos comentários, coisa que não costuma acontecer por aqui, porque eu coloco uma série de travas (*registro obrigatório, moderação*), reforça o interesse e a vontade de comentar sobre o assunto que as pessoas têm. Enfim, acabo até aprovando uns comentários curiosos que poderiam até ser considerados ofensivos, afinal, repetem a cantilena de que todos evangélico e/ou protestante é uma criatura obtusa e perseguidora da fé alheia. Bem, cá estou eu, a protestante, publicando sem nenhum problema outro post relacionado ao tema.
Mas por qual motivo este post? Graças ao texto sobre Oya: Rise of the Orisha, o autor Paulo de Carvalho, entrou em contato para falar de sua série de livros chamada Celéstia, a Guerreira do Orun (374 p., Editora HP Comunicação). Segundo o próprio site do autor, a série “(...) apresenta os Orixás, Deuses da Mitologia Africana, como os super-heróis do brasileiro”. Trata-se de uma aventura entre dimensões, a nossa e a dos orixás e outras forças mágico-religiosas, assim, o “livro é centrado na Mitologia dos Orixás e os conceitos espiritualistas formam o fio de pensamento dos personagens, assim como a Física Quântica”. Celéstia foi indicado ao Prêmio Rio de Literatura em 2015 e como a protagonista é uma garota, acredito que possa abrir um espaço para a série no Shoujo Café.
Como não sabia muito bem como apresentar esse livro, optei por enviar uma série de perguntas para o autor e deixar que ele fale um pouco sobre sua obra e outras questões que lhe foram enviadas. Segue a entrevista:
SHOUJO CAFÉ: Qual o seu nome e formação?
PAULO DE CARVALHO: Paulo de Carvalho, carioca, jornalista desde 1981, com passagens por diversos meios de comunicação e tenho matéria publicada na revista Time. Fiz pós graduação em História Cultural, entre outros estudos. Há quase 20 anos, por motivos diversos, precisei ir além da filosofia Messiânica, a qual praticava, e começar a conhecer Espiritismo, Umbanda e Candomblé. Por fim, descobri, fascinado, que existe uma Mitologia dos Orixás.
SC: Como surgiu o interesse pelos orixás?
PC: Ao lidar com mais frequência com sacerdotes e adeptos do Candomblé, percebi que uns repetiam outros nas explicações acerca dos orixás, e aquilo me intrigava. Eu notava um certo estereótipo nas falas. Então, comecei a pesquisar e fui descobrindo os arquétipos, tema muito caro ao psicanalista Carl Jung. Passei a estudar esses padrões, que é algo que muito me atrai. Em seguida, fui enveredando pela Mitologia dos Orixás. Aí o Orun foi se descortinando! Descobri, por exemplo, que Xangô, que o "povo do santo" (como se tratam os próprios adeptos da Umbanda e Candomblé) chama de "Senhor da Justiça", não tem uma única referência nas itans (lendas) afirmando isso! Na realidade, o grande Orixá é ligado ao Poder! Tem uma narrativa, inclusive, que mostra isso claramente, quando Iemanjá vai coroar o filho Ogum e Xangô se disfarça e ocupa o lugar do Deus do Ferro, recebendo a coroa no lugar do outro. Em seguida ao meus primeiros passos na mitologia, fui apresentado à Cabala de Orixás. E passei a estudá-la também. Por essa modalidade de conhecimento centrada nos Odus, casas energéticas nas quais se agrupam os Orixás, entendi que é possível conhecer a natureza das pessoas por meio dos Odus e dos arquétipos. As demais mitologias não fazem o mesmo. Ficam os deuses afastados dos humanos. Pelos Odus localizei padrões entre os que lutam pelo Poder na Política, o perfil dos grandes jogadores de futebol, de célebres pintores etc.. Todos eles se encaixam nos mesmos moldes dos Odus, os caminhos dos Orixás! E as pesquisas não param! Em 2012, apresentei uma rápida palestra mostrando que o brasileiro se alimenta da comida dos Orixás (foi engraçado que uma evangélica ficou revoltada e saiu da sala! Logo ela, filha de Iemanjá sem o saber.) e cada um prefere as iguarias, sem se dar conta, claro, das divindades que o protegem. E, por desconhecimento, comem o que não deveriam e passam mal por isso, podendo até morrer. O caso de quem come mexilhões e camarões, por exemplo.
SC: Fale do seu trabalho. Qual o nome do seu livro?
PC: De tanto eu falar sobre as pesquisas, as descobertas, as lendas, os padrões e fazer cabalas, algumas pessoas começaram a insistir que eu deveria transportar o conhecimento para o livro. Rejeitei bastante a ideia. Não queria enveredar nesse ramo. No entanto, as pressões continuavam e as cobranças aumentaram. Por fim, decidi escrever uns capítulos e submetê-los à uma médica, a qual eu sabia detestar qualquer coisa ligada a Orixás, Umbanda e Candomblé. Minha esperança era que ela dissesse que estava ruim e, assim, eu teria uma desculpa para escapar das cobranças. Aconteceu que, mesmo aceitando ver os capítulos com certa má vontade, dois dias depois a médica me mandou email dizendo que estava adorando e queria ler o restante! Só que não havia restante. Tive, então, que providenciar o livro. E foi emocionante! Nasceu Celéstia, a Guerreira do Orun. A história foi fluindo naturalmente, mesclando humanos com Orixás, sempre fundada na Mitologia, sem misticismos, e valendo-me do conhecimento espiritualista para ligar a narrativa. É um romance, sem divulgação de qualquer religião. O resultado foi um trabalho sensível, emocionante, engraçado, sério, com profundidade literária e mitológica. Pronta a primeira versão dos originais, fui instado a submetê-los a um concurso importante, o Prêmio Rio de Literatura, da Fundação Cesgranrio. E novamente recusei. Não considerava o livro à altura. Por fim, cedi e.... vi meu trabalho indicado ao prêmio! Ou seja, tem qualidade literária, sim. Bem, aí abaixei as minhas resistências, criei a série Tempo de Magia, escrevi o segundo livro, que também está sensacional, e estou produzindo o terceiro volume. Até o final do próximo deverei ter terminado os sete livros.
SC: E essa ideia de transformá-los em super-heróis?
PC: É assim que os vejo. São seres fantásticos, com super poderes físicos e mágicos, capazes de voar, atravessar dimensões energéticas, derrubar oponentes fortíssimos, criar ilusões, manobrar os elementos da Natureza, socorrer os humanos, corrigir interferências de terceiros no curso da vida das pessoas, conferir beleza, fartura, conhecimento, saúde, energia.... ao mesmo tempo, conforme a posição dos seus Odus na vida da pessoa, lhes dão o lado sombra, que é a penúria, doença, apatia, agressividade.... Contudo, isso não é um castigo, é algo que o ser humano precisa trabalhar para progredir na vida espiritual e material. Platão também mostra que "o que há em cima, há embaixo". Cito o filósofo grego para evitar os filósofos espiritualistas. Por outro lado, os Orixás, com todos os seus super poderes, são, também, trapaceiros, invejosos, briguentos, luxuriosos, vingativos, o que os aproxima de seus "filhos", os humanos, dando-lhes as influências reconhecidas pelos arquétipos. E os afasta dos "herois bonzinhos" da maioria das demais mitologias europeias e orientais. Mas, num aspecto todos os Orixás se assemelham: quando se pegam sendo injustos com as criaturas comuns, se penitenciam e buscam pesados castigos para si.
SC: Você acredita que existe preconceito contra as divindades de origem africana?
PC: Certamente existe o preconceito, por desconhecimento, temor infundido por séculos de dominação religiosa cristã e ainda vigente para a manutenção de mercado da fé. Quando líderes religiosos dizem a seus seguidores que Orixá é "coisa do demônio" está demonstrando sua profunda ignorância cultural. Com esse bloqueio, vejo muita gente sofrendo horrores quando tudo poderia ser corrigido se conhecessem os Orixás, os arquétipos, as comidas, riscos à saúde e à vida...
SC: Você considera isso racismo somente ou a questão religiosa pesa?
PC: Também é racismo. Apesar do esforço crescente de cientistas sociais em pesquisar com rigor e publicar artigos e livros a respeito da cultura religiosa africana, muitas pessoas continuam a associar Orixá com "macumba", "coisa de negro", com o significado de "gentinha, ex-escravo, pessoa ignorante, práticas primitivas. Mais uma vez, desconhecimento cultural! Diversas religiões, inclusive orientais, fazem igualmente oferendas de alimentos em seus rituais nos cultos. Mas o que é o racismo entre as etnias senão a manifestação da profunda ignorância e atraso espiritual?!
SC: Acredita que o preconceito contra os orixás pode dificultar a divulgação do seu livro?
PC: Sim, pode. E preconceito também por parte do "povo do santo", muito voltados aos estereótipos da oralidade. Meus estudos a respeito da Mitologia dos Orixás é longo, profundo, incansável, buscando as fontes mais rigorosas. Quem mais tem adquirido Celéstia, a Guerreira do Orun, são pessoas com mais escolaridade, artistas diversos, músicos e compositores de samba. Basta ver que as entidades africanas levam muito sucesso a mentes abertas como Chico Buarque, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Jorge Bem, Clara Nunes, Maria Betânia, Roque Ferreira, Bantos Iguape, Trio Mocotó, cuja música “Os Orixás” é marca retumbante no grupo Monobloco. E o que me deixou muito feliz foi encontrar entre leitoras duas da Igreja Batista e uma muçulmana! Meu esforço maior tem sido no sentido de quebrar o preconceito contra Orixás e mostrar que não estou fazendo livros para divulgar essa ou aquela religião. Trabalho a Mitologia dos Orixás, como é muito trabalhada a Mitologia Grega, a Nórdica etc. O esforço é redobrado justamente porque ainda há muita associação de Orixá com "macumba", "magia negra" etc... que nada mais são do que práticas religiosas, distante da Mitologia. Aos poucos, Celéstia vai alargando os horizontes e abrindo caminho para os demais livros da série Tempo de Magia. Os comentários dos leitores provam que, uma vez iniciada a leitura do livro, eles não param mais e se envolvem no romance. E já tem os que elegem seus personagens favoritos e cenas mais emocionantes! É isso. Precisamos vencer o preconceito, que nada mais é do que expressão máxima do obscurantismo cultural. Como dizem os judeus, o “povo do livro”, o maior inimigo da humanidade é a ignorância. O livro está à venda diretamente pelos seguintes links: e-mail e Facebook.
Eu descobri que é possível comprá-lo no Amazon, também. É isso. Algo que me incomoda é o apagamento da África nos conteúdos escolares, o terror, fruto da crença de que as divindades africanas são vivas e, mais ainda, demoníacas, que nossas raizes cristãs nos suscitam, e, por conta disso, a impossibioidade dos orixás receberem tratamento similar aos deuses e deusas de outros panteões. De resto, não vejo a necessidaee, porém, de abraçarmos raízes indígenas ou africanas como nossas, mas criticamente nos posicionarmos em relação ao "por que, não? ". Não li o livro, mas se você leu e quiser comentar, pode usar o espaço.
1 pessoas comentaram:
Tem um projeto de HQ no Catarse, embora os orixás tenham aparecido algumas vezes na Marvel e na DC, o autor não sabia disso e não foi influenciado por essas histórias em questão.
https://www.catarse.me/contos_de_orun_aiye_edd8
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