Não queria fazer um post de novela seguido do outro, não queria mesmo, tenho o primeiro episódio da terceira temporada de Sailor Moon para assistir, o volume #5 de Orange para ler e a crítica de Zootopia para escrever, no entanto, uma cena do capítulo de ontem de Velho Chico me deixou tão incomodada, que preciso escrever.
Velho Chico é uma novela interessante, com ótimos atores e atrizes, um visual incrível e uma fotografia e direção primorosas. Tem elementos repetitivos da obra de Benedito Ruy Barbosa, mas nada que esteja tão ostensivo que me faça correr dela. Como brinquei no primeiro texto, não temos ainda diabinho da garrafa, nem coronel chamado José. A primeira fase, que é o que eu pretendo assistir, termina este sábado. O salto no tempo deve trazer uma novela marcada por uma estranha temporalidade, para o século XXI, muito provavelmente, com tons muito mais realistas.
A parte da temporalidade é algo que dá charme e me incomoda em Velho Chico. Vejam só, em uma mesma cena a partida da família para Salvador, Encarnação, mãe do protagonista, é do século XIX (*roupas que devem ser mais ou menos em 1865*), o carro é dos anos 1920 e a história está em 1988. É um mundo paralelo o de Velho Chico, só que datar estraga as coisas e eles datam. De qualquer forma, vendo os últimos capítulos, especialmente o reencontro da Iolanda com o Afrânio (Rodrigo Santoro), me convenci que a novela deveria ser esta primeira fase, ou, talvez, ter pelo menos 40 capítulos. Mataram o Capitão Rosa (Rodrigo Lombardi) cedo demais, foi uma perda a morte do Belmiro (Chico Díaz) e não mostrarem o amor de Iolanda e do Saruezinho não ajuda nada no entendimento dos dois e na simpatia em relação ao coronel.
Afrânio é detestável e estou escrevendo este post por causa dele. No início da novela, na pressa de leva-lo para a fazenda, ele foi retratado com um playboyzinho que não teve coragem de ficar com a mulher que amava e enfrentar a família. Anteontem e ontem, depois de vinte anos (*a novela começou em 1968*), ele ferido de morte é arrancado para a vida pela voz da amada. Carol Castro está muito bem, a cena foi bonita, mais linda ainda a cena dela com Tereza (Julia Dalavia), a filha do Coronel, ouvindo pela primeira vez como tinha sido seu pai quando jovem. Só que Iolanda falou de um Afrânio – de esquerda, metido em política estudantil, que fugia da polícia – que nós nunca vimos na tela. Deveriam tem mostrado essas coisas lá no começo, isso poderia fazer com que sentíssemos o drama do sujeito em ter que largar sua vida para mergulhar na fazenda. Sua amargura. Poderiam ter inventado um segredo, uma culpa, um juramento feito ao pai ou irmão, que o obrigasse.
Não sei como as pessoas – fora minha a minha amiga Erika – vêem o coronel. Ela o acha detestável, eu, também, e isso nada tem a ver com a interpretação do Rodrigo Santoro. Ele é ótimo, tornou-se um ator muito competente, especialmente, quando eu posso dizer que o acompanhei nas primeiras novelas e, bem, ele era tão expressivo quanto uma samambaia. Clemente (Júlio Machado), que é um cara muito mal, é gostável, as cenas com ele são ótimas, as dele com a Doninha (Bárbara Reis), também. Vemos que o Cícero é sua fraqueza, ele tem culpa no cartório na transformação do único filho em um bocó chucro. O ator é um espetáculo e é uma pena que ele vai sair da trama. Encarnação é cruel, terrível, mas muito carismática com sua pose e roupa vitoriana. A atriz é tão talentosa que ela passa em uma mesma cena da dureza com a neta para a ternura com o netinho Martim com uma naturalidade incrível. Eu devo entrar no site da Globo para ver as cenas dela com 100 anos. Agora, Afrânio só me causa repulsa.
Talvez com a desculpa de estarmos dentro e fora do tempo, seus traços autoritários e patriarcais estão sendo exagerados. Tratar mal a mãe, ninguém reclama, afinal, a velha é uma megera. Só que com o tempo, ele é cada vez mais agressivo com ela e ficou subentendido no capítulo de ontem que se ela continuasse recusando voltar para a fazenda, ela a mandaria à força. Deve ser normal um coronel tratar mamãe assim... Dias antes, ele espancou a filha, cuspiu-lhe no rosto até. A cena foi muito realista, violenta e, a partir daí, a adolescente – que ama o filho do inimigo e está grávida dele – foi submetida a uma série de abusos pelo pai. Dentro da narrativa da novela, é aceitável e coerente, mais ainda que a velha Encarnação, a menina é sua propriedade, como filha está, ou deveria estar, sob seu poder e a sua disposição. O problema, o grande problema, é estarmos em 1988...
Só que o que me forçou a escrever foi a cena com a Iolanda ontem. A personagem de Carol Castro largou tudo para viver seu amor interrompido com o Coronel. Até aí, OK, sem problema. Eu esperava que isso só ocorresse na segunda fase, mas o reencontro dos dois foi legal. Iolanda, no entanto, simpatiza com Tereza e seu drama, vê na violência contra a moça um paralelo com o que fizeram com o próprio Afrânio e decide ajudar a garota. Afrânio descobre e fica violento. Normal, é do caráter da personagem, só que ele não fica só nos gritos e objetos quebrados, ele bate em Iolanda. Ela não reage.
Trata-se da terceira mulher que ele trata com violência, se não contarmos com a esposa dele, e isso não é uma contradição com a trajetória da personagem, o problema é coma reação da Iolanda. Uma mulher corajosa, livre e emancipada como ela, tinha que pegar as coisas e ir embora. Chutar o Afrânio para sempre ou até o salto no tempo, mas ela fica. Não estou pedindo censura ou boicote ou coisa que valha, só reflexão. Apanhar e ficar não é condizente com o que foi nos mostrado da personalidade de Iolanda, fora que não é uma mensagem positiva para as mulheres que sofrem violência. Iolanda não é uma adolescente fragilizada, ou uma velha que não teria para onde ir, ela é uma mulher adulta e independente.
Exatamente isso me incomodou. A forma absurda como uma determinada personagem irá admitir, aceitar, tolerar a convivência com um homem violento e cruel, sem que nada o justifique. Vejam que não é a mesma coisa que o Severo (Tarcísio Filho) tratar mal, humilhar e até agredir a esposa em Êta Mundo Bom. Eles estão nos anos 1950 e a esposa era uma mulher submissa e que não via horizontes para além do lar. Iolanda não é esse tipo de mulher; o ano é 1988. Velho Chico não é ruim, as personagens também não são, vejo muito poucos problemas no geral, mas a personagem Afrânio me parece indefensável e se Iolanda simplesmente baixar a cabeça, “porque ele é seu grande amor”, a personagem estará destruída.
Não adianta dizer "o que esperar de Benedito Ruy Barbosa", porque com todos os vícios que ele possa ter - e todos os autores e autoras têm os seus - ele não costuma destruir suas personagens deste jeito. Não me lembro de uma situação semelhante em que uma personagem feminina forte aceitasse tranquilamente - sem nada que a obrigasse - a ficar com um homem violento. E mais, se bateu uma vez e ela calou, provavelmente, baterá de novo. Não estou culpando a vítima, porque trata-se de uma personagem ficcional, mas apontando a inconsistência e a mensagem machista que pode ser mandada: mulher aceita apanhar por amor, aceita largar tudo por um homem violento, parece moderna e independente, mas na hora do vamos ver, se cala e aceita. Iolanda precisava ser mais que isso, até para o bem do Coronel e da própria trama.
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Eu não gosto da Iolanda, mas já desconfiava de algo desse tipo já no começo quando ela disse que não que não queria saber de nada, só do amor. É uma pena que ponham a personagem para se sujeitar a essa situação de violência. Faria mais sentido se ela e Afrânio se encontrassem só na segunda fase mesmo.
Eu não sei, lembro do rei do gado e da Luana que apesar de todos os defeitos quando o Jeremias e Bruno tentaram manipulá-la simplesmente pegou as coisas dela e foi embora no melhor estilo quem manda na minha vida sou eu.
A covardia do Afrânio só o torna uma personagem mais detestável. Mas o Rodrigo Santoro está muito bem, apesar do povo ficar zoando. Esse papel dele na novela é bem melhor que os papéis na maioria dos filmes americanos.
Mas a minha dúvida é quantas voltas vão dar pro coronel mostrar que no fundo ele é bom.
Mas concordo contigo que deviam mostrar mais da vida dele em Salvador antes de colocarem-no na fazenda até pra transformação dele em patriarca opressor ser mais chocante.
Eu estava esperando começar a segunda fase antes de comentar. ;)
Olha, esse amor todo da Iolanda pelo Afrânio merece visita a um psicólogo; não é saudável, não. E na segunda fase eles formam um casal feliz, como se nada de violento sequer tenha acontecido. O coronel agora parece um fanfarrão, com roupas coloridas e cabelo acaju mimoso, mas a descrição da surra que ele deu no filho caçula já nos dá mostra de que ele não mudou, continua um nojento. Vai entender.
Estou dois capítulos atrasada, então não sei bem como a Torloni (que está um espetáculo, por sinal) está interpretando a Iolanda, mas espero que sua relação com a Tereza permaneça boa; foi uma das melhores coisas do final da primeira fase. Se ela se opuser à Tereza, ou for apática, aí teremos certeza que o autor descartou de vez a caracterização da personagem.
Eu não entendo a passagem de tempo de "Velho Chico". O 1988 deles parecia mais o pós-guerra, e mesmo agora ela não está no século XXI, já que no aniversário de 100 anos da Encarnação, os carros eram aqueles sedãs enormes da década de 70/80, tipo Opala e Landau. O autor (ou diretor?) não parece muito preocupado com isso, pelo visto.
Falando na Encarnação, que atriz fantástica é a Selma Egrei! Sua interpretação de uma Encarnação centenária, que perdeu um filho querido e que viu o neto ser expulso sob violência, foi muito tocante. E ela continua à moda do século XIX!
Por fim, gostei do Ciço do Marcos Palmeira, continua creepy e, ao que parece, ficou mais esperto. Só vou sentir falta do Clemente, meu urubu favorito! <3
Mais um motivo para eu não assistir Velho Chico, obrigada pela dica. Não vejo novela há anos porque cansei dessas coisas que a Globo faz, percebi que ganho mais assistindo animes.
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