Hora de confessar o inconfessável, estou assistindo quando posso Êta Mundo Bom! e achando uma novela muito bem feitinha e gostosinha de se acompanhar. É do Walcyr Carrasco, eu tenho birra com ele, mas acho que ele acertou alguns problemas que, por exemplo, me incomodavam em Chocolate com Pimenta. A novela está boa até agora e o elenco muito afiado. Então, por qual motivo não deveria assistir?
Praticamente toda novela cômica do Carrasco tem um núcleo com sotaque caipira, desta vez, pelo menos, as personagens estão realmente no campo e há uma distinção entre como elas e os que moram na cidade falam. Ainda não rolaram, também, aquelas cenas repetitivas de gente sendo jogada no chiqueiro ou torta na cara, isso é um consolo, porque eu odeio. De resto, o núcleo rural é simpático e os atores e atrizes, incluindo aí a bonitinha Camila Queiroz, estão muito bem. Acho a Mafalda fofa e a relação dela com o Zé dos Porcos (Anderson Di Rizzi ) pode ficar legal, singela e, ao mesmo tempo, engraçada. A tia solteirona Eponina (Rosi Campos) também é uma figuraça, pois é amorosa e ressentida ao mesmo tempo.
Outro destaque nesse núcleo é Jennifer Nascimento como a empregada Dita. A moça sonha em ser professora e tem consciência das dificuldades que enfrenta por ser negra. Os discursos – e isso vale para tudo o que eu vi na novela até agora – são condizentes com a época, mas, e isso é importante frisar, não quer dizer que Dita não é submissa, ela acredita que pode mudar as coisas, que ser negra e criada não justifica as humilhações que sofre, ainda que fuja do amor que sente pelo filho dos patrões, Quincas (Miguel Rômulo). Espero, aliás, que ela se torne professora, tire sua tia (Dhu Moraes) do seu trabalho quase escravo, e se vier a ficar com o Quincas que seja em condições de igualdade. Posso confiar no Carrasco? Não, eu sei que não...
Aliás, só há quatro personagens negras em toda o elenco. As duas empregadas, que formam, mal ou bem, um núcleo familiar, algo raro, a empregada de Anastácia e o menino de rua, o excelente JP Rufino, as duas personagens solitárias, por assim dizer. Mais uma vez reforça-se a idéia do Brasil branco e de negros em funções subalternas. Ademais, poderiam salpicar, por exemplo, um imigrante japonês e suas dificuldades de integração, ou nordestinos, ou árabes, ou... São Paulo é o mundo e o ambiente da pensão seria um ótimo lugar para essas personagens secundárias interagirem, mas qual nada...
Gosto de Eliane Giardini, ela está ótima como a Anastácia e seu acolhimento da Maria, personagem de Bianca Bin, é condizente com a sua trajetória de vida. Uma das melhores cenas dela até agora, das que eu vi, claro, foi a dura que ela deu no sobrinho por assediar Maria. Aliás, Bianca Bin parece melhorar a cada novela, nem me parece mais a intragável mocinha de Cordel Encantado. Fora isso, meu casal favorito – porque eles são um casal – é Maria e Celso (Rainer Cadete). Gosto de histórias de regeneração e o Celso vai precisar se esforçar muito ainda, uma das questões que devem ser exploradas é o machismo da personagem, ele não pode continuar jogando na cara da Maria a sua situação de “moça que se perdeu” a todo momento e, ainda assim, ser correspondido por ela. É preciso que ele supere isso ao longo da trama.
Só que Celso evidencia um dos vícios de Carrasco, ele não pode ser vilão, a alma danada é Sandra, a mulher, a irmã que influencia mal o moço. E não consigo gostar de Flávia Alessandra quase reprisando a aparência da Cristina de Alma Gêmea. Acho a Sandra muito forçada, caricata até nas suas maldades. Na verdade, só gostei de Flávia Alessandra em Salve Jorge! mesmo. A relação com o Ernesto (Eriberto Leão), as cenas deles juntos, parecem muito artificiais, forçados. Outra que me parece destoar das boas atuações, mas não gosto dela como atriz mesmo, é outra vinda de Alma Gêmea, Priscila Fantin. Ela foi uma das atrizes que perderam status na Globo, já foi protagonista e vilã, agora, tem papel secundário. Como ela ficou muito tempo fora das telas, me espantei com as mudanças físicas. Ela me parecia mais bonita quando era mais roliça, enfim...
De resto, ver Marco Nanini atuando é um prazer. Estou escrevendo esse texto muito mais estimulada pela cena entre ele, Candinho (Sergio Guizé), D. Camélia (Ana Lúcia Torre) e outras personagens na pensão. Os diálogos tanto lá, quanto na casa de Pancrácio, personagem de Nanini, foram espirituosos e carregados da sabedoria simples de Candinho. Aliás, Sergio Guizé é muito bom. O vi primeiro em Saramandaia, novela que não em conquistou, mas que assistia muito mais para acompanhar o seu desempenho. Ele conseguiu transformar uma personagem que poderia ser intragável e caricata em um sujeito humano, otimista e astuto, dentro da sua inocência, claro. Só espero que,no correr da história, ele não se case com Sandra por algum motivo...
Como não vi o primeiro capítulo, não sei como foi a relação entre Candinho e Filomena (Débora Nascimento), só sei que acho a personagem chatinha, ainda que crível boa parte do tempo, e queria que Candinho arranjasse um novo amor. Gosto do detetive Jack (David Lucas) e Tarcísio Filho está absolutamente desprezível como Severo. A cena em que ele agrediu a esposa na frente da filhinha foi ótima e terrível. Pior é que tem gente que acha que esse tipo de cena não deveria estar em uma novela das seis... Só lamento que ele seja tão mal aproveitado na maioria das novelas da Globo.
O que poderia ressaltar além disso – não posso, nem quero, falar de todas as personagens e tramas – é que a reconstituição de época, da indumentária aos objetos e ao linguajar, passando com as (pre)conceitos correntes nos anos 1950, está muito boa. Normalmente, e isso é um problema de novela da Globo, as personagens tendem a se vestir na última moda, usar o penteado mais moderno e coisa e tal. Deram uma amenizada nisso em Êta Mundo Bom! e foi para melhor. É isso, se acontecer alguma coisa de interessante, devo comentar.
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