Decidi (tentar) fazer um post rápido juntando dois acontecimentos distintos, mas igualmente importantes. Hoje, relembramos o sangrento atentado à sede do jornal satírico de extrema-esquerda Charlie Hebdo. A maioria de seus cartunistas foi morta sob a desculpa de que eles se divertiam ofendendo os muçulmanos e disseminando a islamofobia. Como expliquei no meu post da época (*e não vou repetir em detalhes*) e está, também, na resenha do Manifesto Póstumo do cartunista Charb, a Charlie ria de todos: dos extremistas muçulmanos, da extrema direita católica, do simpático papa Chico, do governo socialista francês, de Gerard Depardieu, enfim, de qualquer um.
A sede do jornal – que não tem edição on line – já havia sido explodida antes por republicar as polêmicas charges dinamarquesas de Maomé. Eles não recuaram e foram mortos em “nome de Deus”. Por conta disso, nada mais justo do que a capa memorial com o criminoso ainda à solta. E quem seria ele? A própria divindade, claro. Os ofendidos já começaram a gritar, inclusive o Vaticano, alguns até justificando os atentados com o tradicional “eles provocaram”. Vocês sabem como esses cartunistas são perigosos e assassinos...
Sim, em países onde existe liberdade de expressão deveria ser possível rir de tudo e todos, não somente dos fracos, oprimidos, dos pobres, como prefere a maioria dos humoristas aqui no Brasil, e a Charlie ri de tudo de forma crítica. Não preciso concordar com tudo (*e não concordo*) o que eles publicam, posso analisar criticamente suas charges, mas preciso reconhecer-lhes o direito de rir. E o riso, como ressaltou Laerte, sempre é ideológico, desconfio sempre de quem nega seus posicionamentos político-ideológicos e aponta que somente o outro, o inimigo, é que politiza tudo. A Charlie nunca negou as suas matrizes ideológicas, gostemos delas, ou não. Fora, claro, que ateus não podem cometer blasfêmia, afinal, não creem em divindade alguma. É preciso acusá-los de outras coisas e, claro, que isso seja crime. Racismo, por exemplo, é crime na França e a Charlie, ao contrário de outros jornais de lá, nunca foi condenado.
Sim, em países onde existe liberdade de expressão deveria ser possível rir de tudo e todos, não somente dos fracos, oprimidos, dos pobres, como prefere a maioria dos humoristas aqui no Brasil, e a Charlie ri de tudo de forma crítica. Não preciso concordar com tudo (*e não concordo*) o que eles publicam, posso analisar criticamente suas charges, mas preciso reconhecer-lhes o direito de rir. E o riso, como ressaltou Laerte, sempre é ideológico, desconfio sempre de quem nega seus posicionamentos político-ideológicos e aponta que somente o outro, o inimigo, é que politiza tudo. A Charlie nunca negou as suas matrizes ideológicas, gostemos delas, ou não. Fora, claro, que ateus não podem cometer blasfêmia, afinal, não creem em divindade alguma. É preciso acusá-los de outras coisas e, claro, que isso seja crime. Racismo, por exemplo, é crime na França e a Charlie, ao contrário de outros jornais de lá, nunca foi condenado.
O criminoso à solta é uma ironia, afinal, mata-se em nome de deus todos os dias. E mata-se faz muito tempo. E todas as grandes religiões tem sua cota de sangue derramado, afinal, muitos fiéis preferem trocar o papel de testemunha – da sua fé, dos preceitos deixados por seus profetas e líderes, da vontade de seu deus etc. – pelo de advogados e, se possível, promotores, juízes e carrascos. O fundamentalismo islâmico pode ser mais militante nesse aspecto em nossos dias, mas não podemos esquecer que, lá bem no fundinho, muitos cristãos adorariam fazer o mesmo, não fazem, porque foram devidamente socializados, porque tem muito a perder, porque, bem, tem medo de assumir as consequências. De resto, se eu me ofendo quando os fundamentalistas - não a minha fé ou o direito de professá-la - são criticados, é porque bem lá no fundinho, eu concordo com eles, sinto culpa por não seguir-lhes os passos.
Continuando a falar de coisas muito desagradáveis, preciso comentar o acontecido em Colônia (121 casos até agora) e, em menor grau, em Hamburgo (53 casos até o momento) e Dusseldorf (11 registros até hoje), durante a virada do ano. Segundo relatos, alguns assustadores, gangues formadas por vinte, trinta jovens, a maioria embriagados, agiram de forma coordenada e assediaram, estupraram e assaltaram mulheres durante a noite de Ano Novo. A presença de multidões nas ruas, os fogos, tudo isso ajudou na ação. Acredita-se que eram mais de 1000 homens envolvidos, a parte que assustou muita gente, parece que eram estrangeiros, refugiados de países árabes e do Norte da África.
Não há como relevar, nem acobertar e não se deve culpar as vítimas, algo que a prefeita de Colônia, que deu-se ao direito de cobrar que as mulheres adotassem um código de conduta, fez. Olha, primeiro, qualquer mulher pode ser estuprada ou assediada; segundo, isso acontece, porque vivemos em uma cultura patriarcal - que atravessa tradições, legislações, etnia, e o que mais quiserem listar - e ela sanciona a apropriação das mulheres pelos homens; terceiro, o que ocorreu na Alemanha foi um arrastão e quando uma coisa dessas acontece, não há para aonde correr, nem onde se esconder. É preciso mudar a cultura que abre brechas para que isso ocorra, não cercear a liberdade das mulheres. Aliás, isso acontece em muitos lugares, o problema é que ninguém esperava que acontecesse na Alemanha. Os relatos lembram as coisas terríveis que ocorreram na Praça Tahrir, no Egito.
Como estou tentando entender como algo assim pode acontecer, isto é, uma onda de violência sexual dessas proporções em um país do primeiro mundo, vou juntar alguns ingredientes. Vamos lá:
1. Temos o machismo estrutural, aquele que permite que os homens acreditem que as mulheres, especialmente, as desacompanhadas estão disponíveis, ou melhor, precisam estar disponíveis a qualquer assédio. Mulher sozinha não tem dono e se o namorado/pai/irmão/marido aparece, normalmente, o pedido de desculpas vai para o homem, o ofendido, não para a mulher, que deveria se sentir lisonjeada, ou deixar de andar sozinha por aí.
2. Persiste a disseminação de que sexo é fundamental para a felicidade das pessoas. É o chamado dispositivo da sexualidade tão bem discutido por Michel Foucault, tudo gira em torno do sexo e, não sem enganem, mesmo os discursos de abstinência são discursos sobre o sexo. De resto, boa parte desses discursos apontam para a necessidade masculina de sexo, homens teriam duas cabeças e pensariam com a menor delas. Daí, para os homens seria algo como faça sexo, ou morra. Se a opção é a morte, estuprar não seria algo tão abominável.
3. Some-se a isso tudo as idéias de que mulheres ocidentais são sexualmente disponíveis a qualquer homem, que elas tem uma moral duvidosa, definidas por sua (*falta de*) roupa, entre outras coisas, algo que o discurso dos conservadores religiosos islâmicos (*e alguns cristãos*) costuma reforçar. O resultado dessa mistura de idéias machistas e misóginas pode ser o que vimos ocorrer na Alemanha durante o Ano Novo.
Para muita gente, pior do que os estupros e outros crimes contra mulheres - repito: mulheres - em praça pública é o fato de que a maioria dos agressores parecia ser estrangeira, falantes de línguas como o árabe. Não li nenhum texto tentando colocar panos quentes, afinal, não ando por aí lendo veículos de comunicação ou autores muito duvidosos, mas tropecei na fala da prefeita e em um texto de um colunista português que cobrava das feministas uma posição, como se as feministas tivessem cometido os crimes... Enfim, tanto quem se preocupa mais com o que a extrema direita vai dizer, quanto os que se preocupam com o que a esquerda e as feministas não estão dizendo, esquece das vítimas e do caráter sem precedentes desses crimes de Ano Novo.
E por qual motivo estou usando o termo "sem precedentes"? Não por serem homens, ou estrangeiros, ou por termos mulheres estupradas, mas por ter sido uma ação coordenada de tantos sujeitos. Mais de mil. Temos estupro coletivo em todo lugar, afinal, são sancionados por esse modelo de masculinidade violenta que associa sexo e estupro a demonstrações de poder, no entanto, são grupos pequenos e não é muito comum ação é planejada em detalhes (*olha um caso exceção, aqui, no Brasil*). É a inspiração do momento, a oportunidade, como no caso das meninas do Piauí, que leva os sujeitos a estuprarem. Então, repito, o sem precedentes, pois uma ação envolvendo tantos sujeitos, em mais de uma cidade, em local público, e, aparentemente, sem temor de punições. Li uma matéria em que alguém apontava que, na Alemanha, a última vez em que algo semelhante - não igual - ocorreu, foi no fim da II Grande Guerra.
E por qual motivo estou usando o termo "sem precedentes"? Não por serem homens, ou estrangeiros, ou por termos mulheres estupradas, mas por ter sido uma ação coordenada de tantos sujeitos. Mais de mil. Temos estupro coletivo em todo lugar, afinal, são sancionados por esse modelo de masculinidade violenta que associa sexo e estupro a demonstrações de poder, no entanto, são grupos pequenos e não é muito comum ação é planejada em detalhes (*olha um caso exceção, aqui, no Brasil*). É a inspiração do momento, a oportunidade, como no caso das meninas do Piauí, que leva os sujeitos a estuprarem. Então, repito, o sem precedentes, pois uma ação envolvendo tantos sujeitos, em mais de uma cidade, em local público, e, aparentemente, sem temor de punições. Li uma matéria em que alguém apontava que, na Alemanha, a última vez em que algo semelhante - não igual - ocorreu, foi no fim da II Grande Guerra.
Qual a saída? Punição. E podem me chamar de fascista, junto com o Ministro da Justiça da Alemanha, aliás, mas, se comprovado que são refugiados, imigrantes, que tem dupla nacionalidade, whatever, depois da cadeia, se é que isso é previsto na lei alemã, que voltem para o país deles. Deportação é algo que está sendo discutido na Alemanha nesse momento.
Uma das coisas que minha orientadora de doutorado dizia, e que eu abraço integralmente, é que, na nossa casa, as regras são nossas. Não sei o que ela pensa do caso, mas ela dizia - e isso se referia às tentativas de confiscarem direitos das mulheres em países europeus sob o argumento de que "é a nossa cultura e/ou religião" - que não pode haver um quarto fechado em uma casa na qual as visitas ou hóspedes simplesmente instauraram o vale-tudo. Neste caso, nem foi em um quartinho, foi na sala de estar mesmo. Enfim, se no seu país montar gangue para estuprar mulheres é normal, problema seu, aqui não é. Essa deveria ser a lógica. Aliás, se seu país é signatário da ONU, nem lá deveria ser.
P.S.: Parece que os ataques ocorreram em outros países da Europa. A Deutsche Welle fala que os sujeitos, a maioria estrangeiros, admitiram agir por "diversão sexual". Sim, olha o termo. Alguém combinou com as mulheres? Não, claro que não.
6 pessoas comentaram:
Adorei o texto Valéria, achei imparcial e com bom senso. Liberdade de expressão é isso, né? Adorei também o texto do link abaixo sobre o assunto do estupro e assédio sexual coletivo ocorrido na Alemanha. Estão falando pouco sobre o assunto é sinto que devemos falar mais sobre os problemas do Islã e a cultura do estupro que estão trazendo para o mundo Ocidental. Mas me parece que estão querendo ser politicamente corretos e não querem expor os grandes problemas do islamismo. Precisamos de Charlie Hebdo, precisamos de liberdade de expressão, não podemos acobertar uma cultura de estupro, agressão, assassinato.
http://sensoincomum.org/2016/01/05/cultura-estupro-vem-ai/
Curiosidade: Charlie fez n charges zombando do holocausto (nos anos 70 e 80) e jamais foi processado por racismo ! Curiosidade: em 2008, esse jornaleco (dirigido por Philipe Val, um sujeito infame que acoberta um amigo pedófilo) demitiu um cartunista (Siné) por zombar do filho de Sarkozy. (liberté dexpresion... hahahaha)
E mais.. esse atentado contra Charlie foi um filme mal produzido... cheira a false flag....
Stefano, o atentado foi falso/forjado, é isso que você está dizendo?
Stefano, a revista Forum é, para algumas coisas, tão confiável quanto a Veja.Passamos meses e houve outro grande atentado em Paris, provavelmente, outra simulação. Quando não é "eles mereceram", é "os imperialistas perversos forjaram", eu exijo mais que isso.
Não publicarei o link. Aliás, acho que a resposta ao seu comentário até se perdeu. A Charlie nunca foi condenada por racismo. O editor foi, mas por demitir Sine sob falsas premissas e teve que indenizá-lo.
De resto, aguardo as fontes - em francês de preferência - com as capas antissemitas. Aliás, oficialmente, a briga do editor com o Sine começou com ele o acusando de ter sido antissemita em sua coluna.
De resto, que espera encontrar santidade e perfeição não deveria nunca analisar seres humanos. Os caras da Charlie não eram santos, mas, também, nunca pediram para ser.
eis 1 charge zombando dos judeus!
http://media.rtl.fr/online/image/2014/0130/7769284187_une-de-charlie-hebdo-sur-hitler.JPG
Rir de Hitler é muito diferente de negar o holocausto. Aliás, desde Chaplin e das muitas charges dos anos 1930 e 1940 se ria de Hitler. A charge não confirma coisa alguma.
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