domingo, 9 de agosto de 2015

Sobre os 70 anos das Bombas de Hiroshima e Nagasaki


Como se trata de um marco histórico – normalmente, elegemos como de mais importância essas datas múltiplas de 5 – acho necessário comentar um pouco sobre as bombas ou o entorno do seu lançamento.  A primeira bomba caiu no dia 6 de agosto sobre Hiroshima, era de urânio (Little Boy), e matou mais, cerca de 200 mil pessoas no impacto e dias posteriores, a segunda, lançada no dia 9, de plutônio (Fat Man), matou menos, mas seu efeito emocional não foi menos terrível.  Em 2 de setembro o Japão assinou sua rendição. E, claro, uma bomba nuclear produz sequelas nas gerações posteriores, então, as vítimas não ficaram por aí. 


Tornei-me adolescente nos anos finais da Guerra Fria, vivi aquela tensão alimentada pelo cinema de que o fim do mundo viria através de uma guerra atômica e de seu inverno nuclear; fora isso, tive meu antiamericanismo alimentado por várias fontes.  Tinha certeza de quem eram as vítimas no desfecho da II Guerra, eram os japoneses.  Já o cinema norte americano, não os desenhos de propaganda de guerra do Popeye que volta e meia passavam na nossa TV, os japoneses normalmente eram aqueles sujeitos honrados, com uniformes impecáveis, que mesmo em filmes como As Pontes do Rio Kwai emanavam aquele imagem de disciplina e dever acima de tudo que se tornaram uma marca estereotipada das representações nipônicas.  Gente assim merecia todo o respeito e mesmo os americanos sabiam disso, ou não colocariam essa imagem em seus produtos.  As bombas, então, seriam o último ato de covardia dos americanos que já estavam com a guerra nas mãos.  Hiroshima e Nagasaki foram, portanto, um crime de guerra sem justificativa.


Curiosamente, os meus livros didáticos e os meus professores e professoras nunca descreveram as atrocidades cometidas pelos japoneses na Ásia, e em maior grau na China: testes com armas biológicas e químicas, massacres indiscriminados de população civil, escravidão em fábricas e lavouras, atletas coreanos obrigados a competir pelo Japão nas Olimpíadas de Berlim, menos ainda as mulheres do conforto.  Outra coisa omitida: a ação avassaladora do Exército Vermelho que junto com os chineses foi varrendo os japoneses e entrou no território que terminou por ser da Coréia do Norte.  Omissões importantes, eu diria. 


Obviamente, também nenhuma palavra sobre a campanha do governo japonês para que a população civil acreditasse que os norte americanos os tratariam da mesma forma que os japoneses trataram os chineses e outros povos.  Uma propaganda que estimulava o suicídio em massa da população, seja em uma resistência sem limites, ou pulando de rochedos com suas crianças nos braços.  Isso está em Gen Pés Descalços, mangá fundamental não somente por mostrar a bomba, mas todo o seu entorno.


Claro, que não podemos deixar de ponderar sobre o fato de os norte americanos terem desenvolvido uma arma que ninguém tinha e que usá-la iria tanto precipitar o final da guerra, impedindo como muitos defendem, o holocausto do povo japonês, mas, também, impressionar os soviéticos e impedi-los de invadir o Japão.  Sim, essa segunda faceta raramente é conjurada nas explicações sobre as bombas nucleares.  Outro ponto, esse sórdido e, claro, silenciado, é que os americanos tinham um brinquedo novo e, bem, quando uma criança tem um brinquedo novo, normalmente, quer que todos vejam.  E este brinquedo, somente eles tinham.  Bastaria, se tomarmos o primeiro argumento, uma bomba.  Hiroshima já foi grande demais, terrível demais, não havia a necessidade de Nagasaki.


Continuo considerando as bombas um crime de guerra, na medida em que causaram a morte de população civil desnecessária.  Acredito mesmo que os motivos dois (*os soviéticos*) e três (*mostrar o brinquedo novo*) foram os determinantes, não um ímpeto humanitário de evitar que a população japonesa se sacrificasse até o último homem, mulher, criança e yokai.  As bombas, aliás, são um crime aliado, como foi o bombardeio da cidade de Dresden, na Alemanha.  Não havia necessidade absoluta e  os criminosos, os que comandaram o ataque, saíram ilesos.


O problema é esquecer que a Guerra no Pacífico foi muito maior que as bombas e que os japoneses – como nação – não podem ser transformados em vítimas inocentes dos norte americanos.  Não foi ato terrorista, como alguns estão divulgando, foi um ato de guerra que deve ser analisado por este prisma.  Os americanos nunca se desculparam.  Deveriam. Os japoneses também deveriam se desculpar pelas suas atrocidades de guerra, os chineses e coreanos aguardam até hoje, entre outros, e os mesmos norte americanos impediram que esses crimes fossem julgados e punidos com o mesmo rigor que os cometidos pelos alemães.  No entanto, e isso eu repito de um professor, qualquer buraco na Europa vale mais que o quinhão mais rico da Ásia e da África; o sofrimento de populações europeias também vale mais do que qualquer massacre cometido contra latino americanos, asiáticos ou africanos.  Não é o econômico que impera aqui, mas a questão simbólica, cultural.


A corrida armamentista não pode retornar.  Uma bomba atômica não deve ser utilizada novamente.  Acredito que isso é consenso e deixo as palavras do Papa Chico sobre a questão: "Este fato se transformou em um símbolo do desmesurado poder destrutivo do homem quando faz um uso perverso dos progressos da ciência e da tecnologia e constitui um apelo perene à humanidade para que repudie para sempre a guerra e acabe com as armas nucleares e de destruição em massa".  No entanto, há de se rever determinados fatos relativos a guerra.  Precisamos chorar Nagasaki e Hiroshima, precisamos lembrar as vítimas que, em escala micro, eram inocentes, em sua maioria, no caso da primeira bomba, mulheres, crianças e velhos, mas não podemos esquecer que as ações do país Japão não se resumem ao embate com os norte americanos, aos kamikazes e a uma luta quase de Davi contra Golias, com este último levando a melhor.  


Era isso.  Palavras rápidas, talvez, não as que você imaginasse ler, mas eu sou professora de História e certas coisas me incomodam profundamente.  Eu leciono II Guerra todos os anos faz algum tempo e, ao longo desse processo, me obriguei a pesquisar e repensar os eventos terríveis e dramáticos que chocam e revoltam até hoje.  É preciso, às vezes, ir além disso.

2 pessoas comentaram:

Existiu a "corrida" pela bomba não é? Os EUA apenas chegaram antes, outros vieram atrás. Quem chegasse primeiro iria tentar usar primeiro e acabou sendo uma questão de oportunidade. O Japão era uma coisa muito doida na época, deixando de lado que é injustificável no final de contas não é possível imaginar nenhum outro país contra a quem usar aquela bomba. O Japão estava no lugar certo na hora certa como dizem. Acabou sendo muito conveniente para acabar com a divindade do Hirohito também e acabar com parte das tradições milenares dos japoneses, enfim, uma coisa foi levando a outra e convencendo os envolvidos.

Como o texto deixou a entender todos os lados da história erraram em algo e ainda hoje não admitem, e sem dar esse passo não é possível esperar que as coisas melhorem de fato.
Fazer o que?

Olha, eu não falaria em corrida à bomba. Os soviéticos não estavam em condições de correr para nada. A bomba nunca foi prioridade para alemães. Havia pesquisas. Os americanos estavam correndo, mas eles tinham condições de fazer isso. Agora, atirar a bomba foi decisão de Estado. Roosevelt morreu, Truman assumiu e deu a ordem.

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