Sei lá, li umas coisas hoje aqui no Facebook que me deixaram um tanto chateada. Entendo a importância da decisão da Suprema Corte Norte Americana em relação ao casamento igualitário. Primeiro, porque é fazer justiça para milhares de casais, seres humanos como eu, que tinham um direito básico negado em alguns estados daquele país. Segundo, porque uma decisão da Suprema Corte é válida para todos os Estados e isso, nos EUA, é coisa séria e incomum. Terceiro, porque os EUA têm um papel de liderança no mundo e o que acontece lá, tem efeito imediato no resto do mundo, seja de aderência ou resistência.
Depois da decisão da Suprema Corte de lá, repostei várias notícias e fotos, tanto quanto a minha conexão problemática (*estou no Rio de Janeiro*) me permitiu. Adorei, em especial, a foto da Suprema Corte que mostrou que as mulheres, as três juízas, fizeram toda a diferença para que o “Amor Vencesse” (#LoveWins). Estava celebrando a decisão de lá tanto quanto meus amigos e amigas gays, no entanto, percebi a cobrança para que todo mundo colocasse o arco-íris – ou rainbow, porque queremos ser americanizados em tudo – na foto ou prontamente virar suspeito de ser homofóbico ou estar se escondendo. Sério isso, gente? Se eu não colocar o arco-íris na minha foto passo a integrar o mesmo bloco do Malafaia, Feliciano e Bolsonaro? Será que eles me aceitam do jeitinho que eu sou/estou?
Não vou chamar a história do arco-íris de modinha, trata-se, para a maioria, acredito, de uma legítima expressão de felicidade, entretanto, não vejo como justo que se torne obrigatório, como uma credencial de que você é simpatizante ou militante da igualdade entre todos e todas. Coloque cores na sua foto ou se torne uma reacionária em um passe de mágica. Não, não é justo, nem por brincadeira. Pior ainda é o pessoal que colocou para circular aquela foto famosa de uma criança africana faminta para protestar contra as manifestações de alegria... Eu não vou colocá-la aqui, acho de extremo mau gosto e desrespeitoso que se use esta foto ou de outras de crianças sofrendo e morrendo da mesma forma que considero abjeto quem fotografa e coloca na net a autópsia de um famoso (*ou anônimo*) ou vai para o cemitério ou velório tirar selfie com o cadáver. Ainda mais, para desqualificar as pautas alheias, como se tivéssemos que abraçar todas elas ou houvesse uma hierarquia de importância que sempre parte da crítica ao outro que milita, batalha, luta por algo que é justo. Quem nunca leu uma matéria sobre direitos dos animais seguida de comentários cobrando que os defensores dos bichinhos cuidem das crianças? Aposto que quem aponta um dedo tem quatro apontando para si.
Enfim, é isso. Não vou me pintar de arco-íris, pois não acho fundamental para me identificar como apoiadora dos direitos dos homossexuais e, também, porque acredito que há ainda um longo caminho. Aqui, em nosso país, o Supremo por unanimidade e o Conselho Nacional de Justiça garantiram o direito à união civil aos homossexuais e, ainda assim, o Congresso não legislou sobre isso e se põe a discutir sobre como privar os homossexuais dos direitos básicos garantidos a outros cidadãos e cidadãs como adotar; quando o mesmo legislativo quer estabelecer em lei um conceito estreito de família para excluí-los; e deputado propõe bolsa para ex-gays; mais ainda quando boa parte dos municípios brasileiros vêm excluindo as discussões de gênero dos Planos Nacional de Educação e dos diversos estados e municípios.
Sim, há um longo percurso a percorrer, seja aqui, seja nos EUA. Só que, por lá, uma decisão da Suprema Corte deve ser mais acatada do que as do Supremo aqui. Quem nunca leu de juiz ou outro operador da justiça negando-se a fazer um casamento de duas pessoas do mesmo sexo mesmo depois da decisão do CNJ? (*Aqui, uma delas, uma das noivas é minha amiga, aliás.*) Enfim, fico por aqui e reafirmo meu direito de não me pintar de arco-íris e não ser rotulada de homofóbica por isso. Sei que foi brincadeira, mas com essas coisas eu não brinco, não.
5 pessoas comentaram:
Esta questão do arco-íris é bem legal.
Li uma vez que a internet era 90-9-1. 90% só leem, 9% leem e comentam (hoje em dia entraria compartilha, também), 1% produz. Esta foto colorida é um jeito de se mostrar apoiador da causa. Eu vi muitos dos que produzem textos não colocarem as fotos coloridas. Normal. O que me impressionou foi a quantidade de gente que nunca se manifestava a respeito colorir a foto. Mostra que a galera a favor é muito maior do que eu pensava. Mas eu mesmo não tinha colocado. Escrevo bastante a respeito da homofobia, não achei necessário.
Até que me irmão mais novo chega no meu quarto com um sorriso enorme para me contar que o Facebook dele estava muito colorido. Meu irmão é gay. Não é um problema para minha família. Mas eu sei que a internet pode ser um local cruel. E ele estava mega feliz. Mudei minha foto na hora.
Não creio que seja fundamental trocar a foto para se mostrar apoiador da causa. E creio que todo mundo que apoiou acha que há um longo caminho. Mesmo porque, se um dia não houver mais um caminho, atitudes assim serão totalmente desnecessárias.
Eu (depois do que aconteceu) vejo a foto simplesmente como uma maneira de espalhar felicidade. Acredito que não foi só meu irmão, mas muitos gays se sentiram mais amados após verem tantos arco-íris e comemorações.
Tmb nao mudei a foto pois faz quatro anos q nao mudo a foto e to ate com vergonha dela. Kkkkk E tmb sempre posto coisas apoiando a causa.
O triste disso e q descobri q tenho amigos mt homofobicos. :( pessoas que sentam do meu lado compartilhando cada horrororizadade. :/ E ainda vi professor meu de Direito (curso q eu faço) compartilhando aquela foto da crianca.
Acho q e a primeira vez q comento aqui apesar de acompanhar vc desde 2012. Morro de preguica de comentar. XD Gosto muito do seus textos sempre coerentes, principalmente os q tratam de questoes sociais como feminismo, racismo e a causa lgbt. :D Meus parabens e desejo td de bom. Desculpe pela ma escrita.
*Raiane
Achei curioso que das quatro pessoas que mais acompanho na internet (você, a Lola, o Pablo Villaça e o Marcos Bagno), só a Lola mudou a foto sem problemas, digamos assim. O Pablo mudou "reclamando", o Marcos não mudou e depois cedeu colocando um desenho com arco-íris e agora vi esse texto seu. Enfim, eu jamais taxaria nenhum de vocês como homofóbicos e realmente não acho que esse tipo de brincadeira deva ser feito.
Eu cresci em uma família protestante extremamente conservadora e machista/homofóbica/racista. Eu comecei a perceber que era gay por volta dos 12-13 anos. Minha mãe descobriu lendo um diário que escrevi e reagiu da pior maneira possível (falou que eu deveria ter vergonha de mim; me levou para a igreja a fim de expulsar demônios etc). Obviamente não adiantou de nada e eu acabei fingindo que estava curado. Nessa idade mal tinha noção de quem era. Acabei crescendo me escondendo e confuso. Não conseguia conciliar uma noção de dignidade com minha orientação sexual.
Enfim, eu descobri seu blog por causa de shoujo manga, mas lembro que uma das primeiras vezes que eu comentei algo foi em um post sobre a novela Tititi em que escrevi um monte de barbaridades às quais como resposta você me disse que eu tinha um problema. Aliás, eu nunca pedi desculpas pelo que escrevi e faço isso agora, mesmo que tantos anos depois. Não quero tirar a culpa de mim, mas espero que você considere que muito do que eu coloquei lá foi fruto de imaturidade emocional e dos efeitos corrosivos de uma educação muito hipócrita, tacanha e moralista. Sua resposta me pareceu dura na época, mas foi ela que me ajudou a perceber o caminho torto que eu estava seguindo.
Não brinco quando digo que foi você quem me salvou, ainda que indiretamente. Eu estava num lugar muito obscuro da minha vida e se hoje consigo me ver no espelho é só porque li seus textos sobre homossexualidade e mesmo sobre feminismo junto com os da Lola (que descobri através de você) e os do Pablo. Foram vocês três que me ajudaram a enxergar que ser gay não me impede de ter dignidade. E o fato de você ser religiosa acabou contando também, já que eu pude ver uma outra forma de se encarar a bíblia (ainda que hoje eu seja ateu). Ter alguém que não me recriminasse por ser diferente era algo muito importante para mim na época. E fez toda a diferença serem pessoas que eu admirava.
Bem, hoje eu passei na USP, estudo o que eu gosto (língua japonesa e literatura), estou me preparando para fazer iniciação científica, tenho amigos que não dão à mínima pra essas questões, estou começando a sair.
Escrevi tudo isso pra dizer que, por mais que eu tenha ficado muito feliz com a decisão da Suprema Corte americana e a reação das pessoas, nem um milhões de fotos coloridas vão mudar o que você fez por mim e é isso que conta.
E desculpe o desabafo, mas não gosto que vocês, que fizeram tanto por mim sem saber, sejam incomodados por uma trivialidade quando fazem tanta coisa boa no dia-a-dia. Se hoje eu sou uma pessoa melhor, é porque vocês existem e se manifestam.
Enfim, não vale muito, mas fica aqui meu muito obrigado.
Luís, demorei dois dias para autorizar e comentar o que você escreveu, porque fiquei usando somente o tablet por algum tempo. Queria escrever alguma coisa consistente e o teclado do computador é melhor. Em primeiro lugar, suas palavras me fizeram chorar. Eu realmente não tinha noção de como foi a sua trajetória e que, bem, de alguma forma, lhe fui de algum auxílio. Obrigada por dividir comigo e com quem mais ler este seu comentário.
Infelizmente, somos – a maioria de nós é, sim – intolerantes e preferimos colocar pessoas em caixinhas. Quando essas pessoas não cabem, as dobramos, forçamos, raramente trocamos a caixa ou nos perguntamos se precisamos delas. Eu queria realmente ver as pessoas felizes, que cada um de nós fosse avaliado livremente sem rótulos ou convenções castradoras. Especialmente, queria que nenhuma criança ou adolescente fosse constrangido, coagido, ou obrigado a se esconder por causa da sua orientação sexual ou, simplesmente, das suas perguntas, curiosidades, ou mesmo gostos que escapem da norma.
Enfim, obrigada por dividir sua história. Um grande abraço.
Eu é que agradeço por vocês existirem. ^^
Obrigado mesmo.
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