Ontem, assisti ao divertidíssimo Kingsman - Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service). O filme foi longo, mas valeu cada minutinho. O diretor e roteirista (*junto com Jane Goldman*) Matthew Vaughn conseguiu fazer uma bela homenagem aos clássicos filmes de espionagem, atualizando-os aos novos tempos. Três coisas me levaram para o cinema, Colin Firth (*claro*), o trailer que eu tinha assistido na sessão de Loucas para Casar, e as quatro estrelas que o filme recebeu. É muito raro que uma comédia receba 4 estrelas de qualquer jornal e Kingsman recebeu de todos os que olhei... Precisava conferir e tive a chance graças a uma semana de prova no trabalho. Não é um filme perfeito, não tem nada de feminista, ainda que não seja necessariamente machista, mas foi o filme mais ridículo e delicioso que eu assisti no cinema em muitos anos.
Qual é a história básica do filme? O agente Harry Hart (Colin Firth) é membro de uma organização de espionagem para-governamental e, logo no início do filme, em 1997, perde o seu trainee graças a um erro seu. Culpado, ele procura a família do morto e oferece suporte, uma medalha, com um número e aconselha a viúva a ligar e dizer a frase “Oxford no brogues”. A mulher recusa e ele dá a medalhinha para o filho da vítima, um menino de uns 8, 9 anos. Nos dias atuais, um dos agentes da organização morre ao tentar resgatar o cientista James Arnold (Mark Hamill). A perda do agente faz com que a Kingsman tenha que conseguir um substituto.
Em Londres, o jovem Eggsy (Taron Egerton) está à beira de entrar para o mundo do crime. Órfão de pai, ele tem um padrasto violento, uma mãe assujeitada, e não consegue aproveitar as chances que lhe aparecem na vida. Preso, ele decide ligar para o número da medalha que recebeu quando da morte do pai, anos antes. A ligação coloca Eggsy e Harry Hart frente a frente. O agente faz ao jovem a proposta de torna-lo uma dos candidatos a se tornar um Kingsman e o rapaz termina se juntando a outros recrutas em uma série de provas de habilidade, inteligência e confiabilidade. Enquanto isso, os Kingsman estão investigando uma série de incidentes – massacres sem explicação, desaparecimentos de celebridades e personalidades– e o vilão da história começa a se revelar, o gênio da computação, multi bilionário e ecologista, Richmond Valentine (Samuel L. Jackson). Cabe a Harry Hart impedir que os planos do vilão, um terrível genocídio se concretizem.
Kingsman é uma sátira aos filmes de espionagem cheios de bugigangas, grandes escapadas, homens bem vestidos e sedutores, tudo isso está na película, no entanto, a cada seqüência cheia de hiperviolência limpinha (*há muito pouco sangue no filme*), cada diálogo entre o vilão, Valentine, e um dos heróis, Hart e Eggsy, nega-se a homenagem e reafirma-se que não estamos assistindo aquele tipo de filme, mas algo novo. O vilão não vai tentar matar o herói de uma forma mirabolante ao estilo James Bond e, também, não teremos discursos pomposos.
A ação precisa correr e o tempo é precioso. Ainda assim, há citações para todos os gostos, com Hart explicando para Eggsy que os sapatos antes tinham telefones e o rapaz explicando por qual motivo dera ao seu cachorro o nome de J.B. Arthur (Michael Caine) pergunta ao rapaz se era homenagem a James Bond ou Jason Bourne, ele explica que era a Jack Bauer. E eu com cara de poste pensando “como eu nunca prestei atenção que todos três tinham as mesmas iniciais?”.
Falando no cachorro, cada candidato à agente deve escolher um cachorro que irá acompanhá-lo em seu treinamento. Eggsy escolhe um pug pensando ser um bulldog... E anda tinha debochado da única mulher candidata, Como assim? É, o moço não conhece nada de cachorros... Roxy (Sophie Cookson) por ter escolhido um poodle. A moça explica que são cães inteligentes, fiéis, de antiga linhagem e que são bons caçadores. Eggsy corta um dobrado com seu cachorro. Pugs não são bons corredores, não aguentam grandes esforços físicos e ele precisa carregar o cachorro.
Falando em Eggsy e bichos, uma das demonstrações, pelo menos para mim, de que o rapaz é boa gente, é o fato dele gostar de animais. Ele é preso no início do filme por não querer atropelar uma raposinha, depois, sua grande prova envolve o seu cachorrinho J.B. Ele prefere o cachorro e não consegue se tornar um Kingsman...
A agência Kingsman foi criada em 1843, acho que esta era a data, por um grupo de cavalheiros britânicos comprometidos com valores morais estritos e dispostos a arriscar suas fortunas e vidas pelo bem da humanidade. Até a I Guerra, que acredito que não foi citada a toa, afinal, o filme foi feito em 2014, o posto de agente passava de pai para filho, só que muitos perderam seus herdeiros. Assim, os agentes passaram a ser recrutados de fora, desde que fosse mantido o segredo. Além disso, a agência se espelha na Távola Redonda e cada um dos seus membros leva o nome de um dos cavaleiros, ou de personagens das lendas arturianas.
O líder é sempre Arthur e são citados Lancelot, o agente que morre, Galahad (Harry Hart) e Merlin, o supervisor dos candidatos e mestre das bugigangas e tecnologia, é interpretado por Mark Strong. Bom ver este ator atuando em boa parte do filme e sem ser o vilão. Cansei de ver filmes americanos usando Strong como antagonista. Para quem não lembra, ele foi o vilão de Kick Ass. Aliás, temos dois Austen Boys no filme, Mark Strong foi Mr. Knightley e Colin Firth é o mais famoso Mr. Darcy. No meio de tantas citações, esperava uma menção à Orgulho & Preconceito, achava que um dos disfarces de Hart, um bilionário, se chamaria Darcy... Pena que não rolou.
Falando em citações, além das feitas aos filmes de espionagem, e Guerra nas Estrelas na relação entre Hart e Eggsy, reforçada pela presença de Mark Hamil, há outras bem insuspeitas. Quando Hart propõe que Eggsy pode ser um agente e um cavalheiro, ele, um rapaz dos subúrbios de Londres, acha impossível. Lhe falta berço, algo que Arthur, o chefe dos Kingsman valoriza muito, Hart explica que o que faz um cavalheiro é a atitude, o resto é o resto. Pois bem, Hart pergunta se o rapaz assistiu Trocando as Bolas e Uma Linda Mulher, há outro filme, mas esqueci. O rapaz diz que não viu nenhum deles, mas que viu My Fair Lady. Hart diz que serve, mais adiante, Eggsy pergunta se ele vai ensiná-lo a falar com o sotaque certo... ^_^ Aliás, Valentine, que tem a língua presa, e fala “engraçado”, reclama que não entende o sotaque dos ingleses... Enfim...
Falando em cenas de ação, durante o filme, lembrei-me de Kick Ass, mas só fui descobrir que estava diante de uma obra do mesmo diretor lendo resenhas e ficha técnica de Kingsman. Matthew Vaughn abandonou a continuação de X-Men Primeira Classe para dirigir Kingsman e, bem, o resultado foi ótimo. As cenas de ação são um dos pontos altos do filme. A hiperviolência, apesar da censura 16 anos, fica aquém da de Kick Ass, mas, ainda assim, é um filme com algum sanguezinho... Sangue o suficiente para fazer o vilão vomitar. Valentine reage muito mal quando vê sangue. ^_^
O vilão é um ecoterrorista frustrado por não conseguir salvar o planeta. Ele acredita nas teses do cientista interpretado por Mark Hamil (*Luke Skywalker*), a principal é que a humanidade é o único parasita que não acredita que pode matar o seu hospedeiro, neste caso, a Terra. A idéia de Valentine é promover um mega genocídio, salvando somente uns escolhidos, gente “diferenciada”, por assim dizer, e celebridades e personalidades que ele sequestra e mantém prisioneira em seu bunker até que aconteça o apocalipse. Para levar adiante o seu plano, ele faz a proposta de implantar chips em todos os que desejassem. Quem aceitasse teria internet e outros serviços gratuitos, pois Valentine tinha fama de filantropo além de gênio da informática. Muita gente implanta o tal chip e, ao comando de Valentine, se tornariam assassinos.
O filme escolhe duas cidades para mostrar a matança, Londres e Rio de Janeiro. Curiosamente, é um Rio de Janeiro branquinho como novela da Globo. E, bem, era pouquinha gente na praia para um dia tão ensolarado. Um arrastão causaria maior estrago... Enfim, mas antes do fim, houve testes. Um deles, um genocídio em Ruanda... O final seria durante um culto em uma igreja fundamentalista no sul dos EUA. É a melhor seqüência do filme, muito superior a das cabeças explodindo, que só conseguiu ser ridícula mesmo, já que se estendeu em demasia.
Na cena da igreja, a personagem de Colin Firth, que tinha sido chipado sem saber, participa de uma grande matança. Tudo é muito bem coreografado, um trabalho de direção e câmera excepcional, as mortes são absurdamente violentas e, ao mesmo tempo, soam cômicas, como a expressão da personagem de Firth que não sabe o que está fazendo... Falando em Colin Firth, seu agente Hart é muito bom, mas comete uns errinhos que são fatais...
Falando dos candidatos agora, bem, eles são bem estereotipados. Rapazes ingleses ricos e esnobes que desprezam as classes inferiores e são machistas. Eles acham que Eggsy pode ser um deles, apesar de não ter vindo de Oxford ou Cambridge, até isso é uma piada batida, quem sabe não veio de uma das universidades escocesas? Depois, ao descobrirem que ele é “plebeu” mesmo, começam a falar de cotas para pobres e mulheres. Sim, são nove candidatos e duas somente são mulheres, Amelia (Fiona Hampton) e Roxy. Só que a primeira é eliminada logo na prova inicial, reforçando que aquele não era o seu lugar.
Estou tocando nessa questão, porque apesar de Eggsy e Roxy não formarem um casal, algo positivo dentro desse tipo de filme, um Kingsman parece ser naturalmente um homem e cavalheiro. Roxy fica com a vaga, sim, desculpem o spoiler, mas preciso dele para discutir o papel das mulheres no filme, mas só o faz porque Eggsy a apóia em momento de crise. Outra questão é que enquanto os homens hostilizam Eggsy, as duas candidatas o acolhem com uma gentileza sem limites, reforçando como as mulheres são maduras, por um lado, já que os caras fazem um bullying nível quarta série, mas, também, o quanto as mulheres são gentis e cordiais, mesmo as aristocratas estão dispostas a acolher um plebeu em seu meio. Se você assiste Downton Abbey, tente imaginar Lady Mary (Michelle Dockery) oferecendo colinho e sendo um docinho com os inferiores, nem com os superiores, aliás...
Daí, vocês podem estar se perguntando se o filme cumpre a Bedchel Rule... Acredito que, sim, temos quatro mulheres com nome no filme, Amelia, Roxy, a princesa Tilde (Hanna Alström), Michelle Unwin (Samantha Womack), mãe de Eggsy, e Gazelle (Sofia Boutella). Roxy e a mãe de Eggsy conversam entre si e não é sobre o rapaz, mas sobre a segurança dela e de sua filhinha. Está cumprida a regra, no entanto, isso não torna o filme feminista.
Roxy não me parece uma personagem forte, sua competência parece aquém da de alguns dos outros candidatos, alguém que está no filme para cumprir cotas mesmo. Não conheço o quadrinho que deu origem ao filme, mas desconfio que ela não deveria estar nele... Aliás, Roxy não está nem no cartaz principal do filme e isso sinaliza bem a sua importância dentro do elenco. A mulher mais importante é Gazelle e, de ponto positivo, temos o fato dela ser homem no quadrinho e mulher no filme.
Gazelle é a personagem de ação e quem passa confiança de sua competência em cada uma de suas cenas. Inteligente, braço direito do vilão, assassina cruel que tem lâminas no lugar de suas pernas amputadas abaixo dos joelhos. Ela não parece ser amante de Valentine e ele nada faz sem ela. A graça é que ela é outra citação aos assistentes de vilões dos filmes de James Bond, sujeitos com chapéus assassinos ou dentes de aço... Talvez, por ser uma dançarina, a atriz tenha uma plasticidade e elegância muito grande. Suas cenas de luta são das melhores do filme.
Já a mãe de Eggsy e a princesa... Enfim, a mãe do protagonista é a mulher assujeitada, dependente, que se submete aos desejos de um marido marginal que a explora, e agride. Uma mulher que não passava essa mensagem lá na sua primeira cena. Ela permite, inclusive, que o marido prejudique seu filho. Sofre, mas não é capaz de largar o agressor...
Já a princesa é uma das celebridades aprisionadas por Valentine e protagoniza a única cena dispensável e indiscutivelmente machista do filme. Não precisávamos de um close da sua bunda nua, da objetificação da personagem, não em um filme que, em nenhum momento, mostrou qualquer insinuação de sexo ou nudez... A mensagem passada é a de que as suecas são liberais, tanto que saem pulando em cima do primeiro agente que passa na sua porta, ainda mais depois de tanto tempo de confinamento... Sei... Sei...
Apesar do que pontuei o filme é muito legal, só que não poderia deixar de pontuar essas questões de gênero. Trata-se de um filme sobre homens, sobre discípulo e mestre, sobre resgate, blá-blá-blá, envolvido em uma capa de espionagem, comédia e hiperviolência. Um filme cheio de cenas absurdas em que quase tudo dá absolutamente certo. Talento de quem? Diretor, roteiristas e atores. Muita gente se surpreendeu com a veia para comédia de Colin Firth. Para mim, surpresa nenhuma, ele é que vinha sendo mal aproveitado em comediotas americanas. Já vi filmes de sátira bem promissores que não conseguiram alcançar um ponto de equilíbrio e foram um fiasco, Kingsman é certeiro. E só perdeu nas bilheterias para 50 Tons de Cinza, aqui no Brasil e nos EUA. E, bem, foi um filme com muito menos investimento em marketing.
Vai ter continuação? Acho difícil já que algumas personagens não poderão retornar, mas material existe, e, claro, as vendas da HQ de Dave Gibbons e Mark Millar serão catapultadas. Engraçado é que, ao contrário de outros filmes derivados de HQ que assisti, não tive vontade de ler o quadrinho original. Tenho a impressão de que o material de origem é muito diferente do filme e que o é em questões que eu amei na película. De qualquer forma, se tiver chance, assista Kingsman vale cada minuto e cada centavo.
2 pessoas comentaram:
ADOREI O FILME KIGSMAN E CONCORDO COM VC EM RELAÇÃO A CENA DA PRINCESA, FICAMOS SEM ENTENDER............ O FILME TODO FOI MUITO BOM, TIRANDO ESSA CENA QUE ERA DESNECESSARIA..........
Também concordo
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