Não queria ter que comentar o causo, mas não posso me furtar de algumas palavras. Pelo título, você, que acompanha as notícias nacionais, já sabe do que se trata. Ontem, no aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi também publicado o relatório final da Comissão da Verdade, responsável por tentar devassar os crimes de Estado cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-85). Como não poderia deixar de ser, houve conflito no Congresso Nacional entre aqueles que defendem o regime militar partiram para o ataque, porque, bem, falar do passado incomoda muitíssimo esses senhores, mesmo sabendo que aqui, no Brasil, há pouca possibilidade dos crimes cometidos por alguns deles – torturas, seqüestros, assassinatos, estupros, etc. – serem punidos. Há inclusive um consenso de que nãos e mexe na Lei de Anistia e até o Chile já passou a nossa frente.
Enfim, estou situando a questão, porque o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), abordou uma colega, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), com as seguintes palavras: “Não saia não, Maria do Rosário, fica aí. Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, ‘tu’ me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui para ouvir!”. Tentem esquecer quem são as personagens e somente pense em como é surreal e ofensivo colocar na mesma frase “merecer” e “estuprar” como se a violência sexual contra uma mulher, qualquer uma, fosse algum elogio a sua beleza. Mais tarde, só para confirmar que não tinha acontecido mal entendido, o deputado deu entrevista para o Jornal Zero Hora e disparou: "– Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria – disse, por telefone, Bolsonaro.".
Não somente persiste no erro central, acreditar que a mulher estuprada é alguém que recebeu um elogio pela sua beleza e graça, mas admite – está no texto aí em cima, não estou inventando – de que poderia, sim, estuprar uma mulher se a achasse atraente. A coisa extrapola qualquer conflito entre ele e Maria do Rosário nesta legislatura ou em qualquer outra, porque eu sei que alguém vai acusar a deputada de ter chamado Bolsonaro de estuprador em 2003 (*poucos dias...*). O vídeo está aqui, e em outros mil lugares no Youtube, e tentei aguçar os ouvidos para pescar a frase acusativa da deputada de que o colega seria um estuprador. O que ouvi foi uma acusação de que, com seu discurso de ódio, ele patrocina a violência.
Bolsonaro estava defendendo a redução da maioridade penal no auge a discussão do caso Liana Friedenbach e Felipe Caffé, dois jovens torturados e assassinados por Champinha e seus companheiros. A moça foi estuprada por vários dias e por todo o bando antes de ser trucidada. Na época, como agora, a questão da maioridade penal foi colocada em discussão. Champinha, o menor de idade, era paciente psiquiátrico, foi apontado por seus comparsas - adultos, maiores, estupradores e assassinos igualmente - de ser o líder, não foi libertado até hoje. Está preso e assim permanecerá, a não ser que receba um laudo médico em contrário e um juiz assine a sua liberação, por ser considerado incapaz de voltar a sociedade. É um caso exemplar; em 2003, temia-se, com justiça, que ele fosse libertado ao completar 18 anos. Nunca teremos os dois jovens de volta, mas este não é o assunto do texto, voltemos ao caso Bolsonaro.
11 anos depois, o deputado aborda Maria do Rosário com essa questão do estupro. Na época, 2003, está no vídeo e em bom som, ele a chamou de vagabunda. Nada lhe aconteceu, nada acontecerá agora. Eu não tenho dúvidas. Partidos que se movem pedindo que Bolsonaro seja punido são os mesmos de sempre – PT, PC do B, PSOL e PSB – onde estão os outros? O PDT, pelo menos. O PV... A ofensa, caros leitores e leitoras, a ameaça, não foi feita somente à deputada Maria do Rosário, mas a todas as mulheres e meninas, bebês inclusive, esses seres estupráveis se forem bonitas e/ou atraentes, porque violência sexual é elogio. Não, não é. Seguindo a entrevista da Zero Hora, Bolsonaro enfatiza, o quanto despreza direitos trabalhistas e, especialmente, os direitos trabalhistas das mulheres. Ele nos despreza, a não ser que estejamos ao seu serviço. Mulheres ajudaram a eleger Bolsonaro. Será que elas se sentem elogiadas e protegidas por ele?
Fora isso, ao que parece, as pessoas não se informam sobre as atividades legislativas do seu deputado, porque, bem, se concordam com suas idéias fascistas, devem pelo menos esperar que ele defenda os direitos dos militares – melhores salários, condições de trabalho, armas e armamentos, etc. – mas o que ele defende é a memória da ditadura. Enfim, enquanto não houver tomada de consciência dos partidos de esquerda de que os militares são cidadãos e que a maioria dos que estão nos quartéis hoje sequer eram nascidos durante a ditadura, a classe, que não tem direito a sindicato, greve, partido, ficará à mercê de um ou mais Bolsonaros.
Hoje, o Deutsche Welle em português trouxe uma matéria sobre a violência contra as mulheres no Brasil, abre falando de Bolsonaro, claro. E deixo duas citações da matéria, a primeira, que “De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 35% das mulheres no mundo foram vítimas de violência física ou sexual em 2013. Em alguns países, essa realidade atinge 70% da população feminina.”. Mulheres sofrem violência por serem mulheres, daí, crimes de gênero serem, também, crimes de ódio. Segunda citação, "As causas para a discriminação e a violência contra a mulher são as tradições enraizadas de que a mulher não possui os mesmos direitos que os homens, tradições de que as mulheres são consideradas seres humanos de segunda classe e tratada quase como propriedade dos homens". Sim, somos o outro, daí, podermos ser estupradas ou privadas de salários dignos, ou únicas responsáveis por uma gravidez – desejada, ou não – ou o cuidado com filhos e filhas.
De novo, repito, a ofensa de Bolsonaro não foi somente contra a deputada Maria do Rosário. Não foi um deslize lingüístico, um mal entendido, foi a confissão de um desprezo pelos direitos das mulheres, por sua humanidade. Termino aqui. Cumprimento o site Sensacionalista por não fazer humor com o caso. Já admirava o humor de vocês, agora admiro ainda mais. E se alguém quiser comentar, aviso, nada em apoio a este homem será publicado. Usem os espaços que vocês já têm para defendê-lo e elogiá-lo. Este é um espaço feminista, contra os discursos de ódio e em defesa dos direitos humanos das mulheres e de todos os outros humanos, para quem não entendeu ainda o X da questão.
P.S.: Para quem não entendeu os "16 dias", favor checar este outro post.
2 pessoas comentaram:
Os partidos mais de direita não se manifestam porque infelizmente eles tem patrocinado esse tipo de comportamento noviço, algo que pode e aparenta já estar se voltando contra eles. Noblat pode servir de exemplo disso.
E como você mencionou tem mulheres que defendem. Aquela Rachel Scheherazade foi uma que saiu em defesa do Bolsonaro (e inventando mentiras como argumentos), mesmo ela ano passado tendo processado um homem que a ameaçou justamente de estupro.
Eu não sei qual é a causa disso tudo, dessa onda de conservadorismo doido, por isso também não faço ideia se existe alguma solução. Campanhas de conscientização sobre tudo existem, mas não adiantam. Os dois exemplos que deu parecem indicar que, ou vêem essas coisas como corretas ou que não vai atingir eles, e que alguns merecem ser atingidos.
Então, como proceder?
Triste, fim dos tempos.
Parece que tudo isso vem ainda mais incitando o odio nas redes sociais - como foram as eleições neste ano. Deste ano para cá qualquer coisa que vc fale desse ou daquele partido parece que vc esta xingando a mãe de alguém, dai vem esse tipo de declaração descabida desse senhor e ainda tem gente (inclusive mulheres) que o defendem.
Enfim... e para emendar mais um fato que vc citou sobre os direitos das mulheres, onde eu trabalho um cara que era um simples operador de maquinas passou para Supervisor de Producao, so porque comecou a cursar uma faculdade o ano passado, mas largou no mesmo ano. Enquanto que eu como outras mulheres tem uma ate duas faculdades e varios cursos de extensao e nao temos a mesma oportunidade. O mesmo sujeito chegou em mim e disse "Que adianta ter duas faculdades e esse monte de conhecimento, hj eu ganho o dobro do que vcs ganham e nem fiz o primeiro ano de um curso superior". É, em pleno século XXI temos muito que ralar para termos um lugar ao Sol.
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