domingo, 7 de dezembro de 2014

16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres: Algumas palavras sobre Misandria



Este ano, e acredito que no ano passado, também, não pude fazer uma série de posts durante os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, evento iniciado no dia 25 de novembro.  Poderia facilmente pinçar uma série de notícias nacionais e internacionais mostrando o quanto nós mulheres sofremos toda sorte de agressão ao redor do mundo.  Sim, NÓS, porque meu feminismo me obriga a encarar todas as mulheres como minhas irmãs e o sistema patriarcal como prevalente em menor ou maior grau em todos os países neste planetinha Terra e em nossa linha temporal-espacial.  Se houver outros universos paralelos, quem sabe, mas no meu, pelo menos, não existe igualdade, nem justiça, há muito pelo que se lutar, e, claro, a violência parte de todos os lados.

Fazia tempo que eu queria comentar sobre certas questões, uma delas a incômoda discussão sobre “protagonismo” nos movimentos sociais que parece ter virado febre na internet.  Estava na minha cabeça, principalmente, a coluna do Gregório Duvivier (*Empatia é quase amor*) na qual ele relata as críticas feitas por algumas feministas ao fato dele ter aparecido na capa da TPM, ou em uma delas, se bem me lembro, defendendo o direito de aborto.  Ele foi acusado de roubar o protagonismo das mulheres, como se para mudar as leis e as cabeças não precisemos, também, do auxílio dos homens, especialmente, em um assunto como o aborto.  Aliás, são homens ainda que decidem as leis do nosso e de muitos países; mais ainda, ninguém engravida sem a participação de um homem, nem que seja um doador de esperma. Essa animosidade, porque falar de invisibilidade das mulheres, da falta de espaço e voz nos meios de comunicação, é legítimo e necessário, só atrapalha a nossa luta.


Por este parágrafo vocês já sabem que eu acredito e defendo que homens podem ser nossos aliados nas lutas feministas.  Sim, afinal, o feminismo que eu professo é aquele que percebe que o machismo e o patriarcado não fazem bem para ninguém, nem para aqueles que gozam, sim, de privilégios dentro do sistema.  Assim, o meu feminismo me informa que um mundo feminista seria um mundo melhor para todos e todas.  Só que o meu feminismo, como se trata de um movimento plural, não é o único feminismo.  Por conta disso, me espanta que no pouco que vi das discussões recentes na internet (*a maioria relacionadas ao caso de um professor de esquerda famoso e influente que é acusado de assediar mulheres utilizando-se de seu lugar de fala e poder simbólico, enviando, inclusive quando não solicitado, fotos do seu pênis para algumas mulheres -> Posts da Lola: 1, 2, 3; Resposta do Professor*) algumas feministas estejam acusando umas às outras de misandria.

Tenho me mantido à margem dos grupos feministas da internet e fico sabendo de alguns conflitos e disputas à distância.  Não tenho vontade, nem tempo, e muito menos idade para perder tempo em certas discussões.  Minha veia autoritária se acentua com a velhice e gosto de falar sozinha, por isso, minha TL no Facebook não é muro de pichação e mantenho este blog com seus comentários moderados.  Direito meu, quem não gosta que abra seu próprio blog ou reclame na sua TL.  Sei, entretanto, da transfobia de algumas feministas e só tenho que lamentá-la, afinal, aos meus olhos o feminismo deve acolher e mulheres trans são tão mulheres quanto eu.  Aliás, guardem esta informação para o texto daqui por diante, já que é fundamental para entender o que estou escrevendo.  No entanto, defendo que é direito das mesmas feministas criarem seus espaços para que mulheres discutam entre si, convivam entre si, sem a presença de homens.  Se elas não admitem mulheres trans, lamento por elas, entretanto, há outros grupos feministas mais abertos que não negam às mulheres trans e mesmo aos homens o espaço para participação e voz.  Esses espaços, aliás, são bem mais numerosos, influentes e, talvez, ricos nas suas discussões e práticas.  


A violência, mesmo que restrita ao campo das palavras, continua  existindo, e é preciso, sim, denunciá-la – vide o caso dos banheiros da UNICAMP – mas não posso dizer que elas não são feministas, ainda que não seja o meu feminismo; e não permitirei jamais que sejam enxovalhadas, porque, bem, não gosto de parte do que defendem.  Aliás, quando permito que sejam reduzidas ao termo misândricas, como se elas tivessem uma grande influência, ou que a tal misandria estivesse equiparada á misoginia que campeia solta há séculos, eu enfraqueço o feminismo como um todo.  Criticar certas idéias, não é excluir quem as professa, e, principalmente, não é perder de vista contra o que lutamos, isto é, um sistema que oprime e exclue as mulheres.  E gostaria de perguntar, quantos homens o feminismo (*de qualquer matiz ou tendência*) matou? O machismo mata todos os dias. Não se deixem enganar por um falso problema que só serve para jogar as feministas umas contra as outras.

O que vejo com maus olhos uma campanha persecutória e difamatória, que só divide e enfraquece os feminismos, de colocar em alguns grupos o rótulo de misândrico para desqualificá-lo.  Me indigna ainda mais quando esse rótulo é colocado por homens de esquerda, pseudo-aliados e pseudo-feministas, e muitas de nós estejamos mordendo a isca.  E, pelo menos neste caso, vale a questão do protagonismo.  Eu, Valéria, não admito, e acredito que não admitirei jamais, que homens ditem o que é ou não é feminismo e quem são as legítimas feministas, ou não.  E a mulherada – pelo menos algumas mulheres – se sentem o máximo quando recebem esse selinho de garantia de um homem.  Oba!  Na época do Orkut, quando eu moderava uma comunidade feminista e perdia muito tempo por lá, não comprei uma nem duas brigas por causa disso.  Então, vamos lá:

Olhe bem, gatinha, eu não dou a mínima para o que você pensa.
Se eu digo que eu sou feminista, então, por Deus, eu sou um feminista!
1. Não existe o feminismo, trata-se de um movimento plural, que tenta apontar lá na frente para a construção de um mundo melhor. 
2. Os homens não têm o direito de ditar nada nos movimentos feministas.  Eles já possuem espaços de fala e de poder suficientes para expressar suas idéias e garantir seus privilégios.  Tê-los como aliados, portanto, não é, nessa fase de luta, dar-lhes poder sobre nós.  Aí, sim, o protagonismo deve ser nosso e exclusivamente nosso. 
3. Feministas que estão mais preocupadas em não chocar ou agradar os machos, sim, uso este termo, porque estou me referindo a manutenção de um discurso dócil e acolhedor, porque ainda submetido à premissas patriarcais, têm problemas sérios a resolver.  Cansei de ver feministas tentando explicar que “nós não somos lésbicas”, “nós gostamos de homem”, “nós...”.  Nós somos também lésbicas, nos somos também hetero, também bissexuais, também assexuais, e tantas outras orientações sexuais possíveis, o que não podemos ficar é perdendo tempo tentando passar a mensagem que apesar de feministas nossos corpos continuam disponíveis e que os homens não precisam ter medo de nós.   
4. Sim, receber foto de pênis sem pedir ou consentir, é agressão, e não importa que você goste, ou não goste, do negócio.  Fora de um jogo de sedução, é assédio.  Aliás, ai vale todo o caráter simbólico do falo em uma sociedade que é falocêntrica e falogocêntrica.  E se este falo é de um homem de esquerda ou de direita, pouco importa; se é de um sujeito com nível de fundamental de instrução ou de um intelectual renomado, idem; se é de um negro ou de um branco, também; se é de um pobre ou de um rico, dá na mesma; etc. 
5. Ser de esquerda não santifica ninguém.  O tempo passou e ainda há gente que acredita que ser de esquerda confere caráter e valores, que eleva o sujeito a feminista honorário.  Desculpe, você está enganada.  Os espaços de esquerda, mesmo os mais democráticos e progressistas, ainda são dominados por homens ou por um discurso masculino que nega o protagonismo às mulheres e relega ao segundo ou terceiro plano discussões de gênero.  Os esquerdistas mais conservadores continuam repetindo que o feminismo – assim mesmo, no singular – é um movimento liberal e que superadas as desigualdades de classe, as entre homens e mulheres se resolveriam em um passe de mágica.  Os exemplos de socialismo real estão aí para mostrar que o buraco é mais embaixo.  Não se deve, portanto, generalizar as coisas.


Por fim, a charge do Latuff – que continuo considerando um dos melhores artistas do ramo independente deste exemplo – expressa o quanto os homens de esquerda compreendem mal o que é feminismo, ou melhor, o quanto eles se comportam como grupo quando consideram que um dos seus membros está sob ataque.    A "Classe dos homens", que foi muito bem definida por Christine Delphy se defende. E não tem problema ser de esquerda ou de direita, eles se unem e se defendem.  Mas o que é essa classe, afinal?  Delphy teorizou utilizando-se de categorias marxistas, e concluiu que para além da classe social, havia duas classes de humanos que reproduziam, também, as regras de opressão e dominação.  Assim, quando ameaçados, os homens – de direita, esquerda, centro, de Marte ou do Inferno – tendem a se unir, especialmente, quando desprovidos de um olhar crítico, ou concitados por suas afinidades.  Prevalece, então, a solidariedade entre eles, perde-se a empatia pelas mulheres.  Entretanto, seria muito feio admitir isso e a maioria não tem mesmo consciência do que está acontecendo, daí, a culpa é das feministas misândricas que não gostam de ninguém que tenha pênis.

Por favor, não caiam nessa!  Trata-se de uma falácia sem limites.  De novo, quantos homens o feminismo matou?  Mais uma vez, qual o poder que as feministas que excluem homens de seus círculos e coletivos têm para confiscar direitos aos homens?  E mais ainda, qual o direito que um homem tem – qualquer homem – de vir dizer quem são as verdadeiras feministas, ou não?  A charge e alguns discursos que vi circulando por aí, visam dividir e domesticar as feministas.  Trata-se de violência contra as mulheres, sim.  E não pensem, se é que a coisa não foi clarificada, que eu defenda a tal leitura da sororidade – outro termo muito em voga na internet – que obriga as mulheres a apoiarem qualquer ato de outra mulher, quem me conhece sabe que não penso assim, mas sempre tento avaliar os vários ângulos e perceber quando querem nos manipular para continuar nos calando e dividindo.  


É isso. Há muito que construir nos espaços feministas, não devemos crer, também, em uma falsa simetria entre nós mulheres.  Mulheres negras, mulheres pobres, mulheres trans, muitas vezes tem sua voz cerceada dentro do movimento.  Ainda assim, algo nos une que é o fato de sermos socialmente vistas como mulheres e, sim, há uma agenda que permite que estejamos juntas na luta.  Não percamos isso de vista com esse papo falso de misandria, pois ele só se presta a reforçar os privilégios masculinos (*pensados, claro, dentro de um sistema, não como expressão de um coletivo tomado pelo mal*), um deles o de nos assediar e termos que gostar disso. Estava com algumas coisas entaladas aqui. 

P.S.: Houve uma retratação do Latuff, isso, claro, depois de hostilizar e tripudiar sobre várias feministas lá no Facebook, mas eis o link aqui.  Tem charge, também, espero que ele realmente tenha repensado todo o caso e não somente a sua primeira charge infeliz.

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