quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Homofobia ganha voz e rosto em rede nacional



Eu não iria assistir ao debate do dia 28, mas Júlia acordou, eu a atendi, e acabei sentando no computador bem em tempo de assistir uma das falas mais lamentáveis que já vi na TV em relação aos LGBT.  Levy Fidelix, que a maioria considerava o candidato folclórico do aerotrem, que nos memes estava associado à figura do Seu Barriga do seriado Chaves, foi interpelado por Luciana Genro sobre a questão das uniões homoafetivas, “por que as pessoas que defendem tanto a família se recusam a defender como família um casal do mesmo sexo?”.  Perguntar algo assim para um nanico do tipo de Fidélix é meio que perda de tempo, mas a resposta foi pior do que qualquer um poderia imaginar:

Resposta (90 segundos):"Jogou pesado agora, hein. Nessa aí você jamais deveria entrar, economia tudo bem. Olha, minha filha, tenho 62 anos, pelo que eu vi na vida dois iguais não fazem filho. E digo mais, desculpe, mas aparelho excretor não reproduz. É feio dizer isso, mas não podemos jamais, gente, eu que sou um pai de família, um avô, deixar que tenhamos esses que aí estão achacando a gente do dia a dia, querendo escorar essa minoria, à maioria do povo brasileiro. Como é que pode um pai de família, uma avô, ficar aqui escorado porque tem medo de perder voto? Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô, que tem vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto. E vou acabar com essa historinha. Eu vi agora o santo padre, o Papa, expurgar, fez muito bem, do Vaticano um pedófilo. Está certo. Nós tratamos a vida toda com a religiosidade pra que nossos filhos possam encontrar, realmente, um bom caminho familiar. Então, Luciana, eu lamento muito. Que façam bom proveito se querem fazer e continuar como estão, mas eu, presidente da República, não vou estimular. Se está na lei, que fique como está, mas estimular jamais a união homoafetiva". 
Réplica (30 segundos):"Luciana, você já imaginou que o Brasil tem 200 milhões de habitantes. Se começarmos a estimular isso aí daqui a pouquinho vai reduzir pra 100. Vai pra Paulista e anda lá e vê, é feio o negócio, né. Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. vamos enfrentar, não ter medo de dizer que sou pai, mamãe, vovô. E o mais importante é que esses, que têm esses problemas, realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo mas bem longe da gente, bem longe mesmo por aqui não dá".

Fidelix não somente assumiu em rede nacional a sua ignorância, afinal, as pessoas – homens e mulheres, heteros e gays, cis e trans – se unem não somente para procriar ou porque podem procriar; mas destilou o seu ódio contra os LGBT associando homossexualidade ao crime (pedofilia); sugerindo a procura de tratamento psicológico, como se a homossexualidade fosse doença;  e estimulando a “resistência” da maioria – “(...) mas não podemos jamais, gente, eu que sou um pai de família, um avô, deixar que tenhamos esses que aí estão achacando a gente do dia a dia, querendo escorar essa minoria, à maioria do povo brasileiro” e “(...) Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. vamos enfrentar, (...)” – do povo brasileiro.  Pergunto, que tipo de resistência, contra as agressões imaginárias, seria esta.  Talvez, mais ataques aos LGBTs, mais sangue, mais morte, mais bullying, mais humilhações diversas. A fala de Fidelix convidou para uma guerra, legitimou em rede nacional a violência que já acontece cotidianamente.  E mais, nenhum chefe de Estado, salvo alguém que tenha sonhos totalitários, pode se dar ao direito de excluir parcela da população, nem criminosos, coisa que os LGBT não são, podem ser excluídos, simplesmente.  Dois exemplos para quem não entendeu: Hitler e Khmer Vermelho.

Senti-me aviltada.  Houvesse uma lei contra a homofobia, aquela que não tivemos coragem de aprovar no Congresso ainda, falas de ódio como essas, de deixar Malafaia e Feliciano com invejinha, fariam com que esse senhor tivesse que se explicar na delegacia.  Agora, algo que me decepcionou muito, e nem vou citar os risinhos abafados da plateia, foi a não resposta dos candidatos.  Luciana Genro deveria ter passado uma descompostura em Fidelix na mesma medida que passou em Aécio quando o assunto foi corrupção.  Ela, que terá meu voto no 1º turno, meio que desconversou e tentou seguir adiante.  Os outros candidatos nas suas ponderações finais preocuparam-se em fazer sua propaganda.  Nenhuma palavra.  Esse silêncio me deixou envergonhada, e não fui somente eu.  E não acredito que ficaram todos chocados e sem palavras, simplesmente preferiram não polemizar em rede nacional.  Medo de perder votos?  Urgência em atender sua própria agenda?  O fato é que o alcance das redes sociais – e quase todos se pronunciaram indignados no Twitter e/ou no Facebook – é muito menor que o da TV.



Sei que bater palma para maluco dançar nunca é bom.  Fidelix, assim como Everaldo, envergonham a direita séria, porque, sim, ela existe.  Posso não apoiar os discursos liberais, mas há os que são bem articulados e trazem uma visão sobre o mundo político e econômico que pode, sim, ajudar a pensar a realidade e transformá-la para algo melhor.  Não se deve jogar a água suja fora com a criança dentro, diz o ditado.  No entanto, esses dois são incapazes de articular propostas ou críticas com coerência, exemplo disso foi o constrangedor bate-bola sobre os BRICS.  Enfim, e poderia ter ficado só nisso, seria a medida da insignificância dos dois, não fosse a pergunta de Genro e a homofobia desmedida de Fidelix.  E quem acha que ele só disse de forma exagerada que "não gosta de gays" e é seu direito é tão homofóbico quanto ele, além de ser ou cínico, ou burro.  Sim, sem meias palavras aqui.

Em todos os anos que acompanho eleições, e lembro que a primeira foi em 1982, nunca vi tantos candidatos se apresentando com o jargão “Sou a favor da família” ou “Em defesa da família”.  Alguns ainda dizem “família tradicional” para ressaltar que só é verdadeira aquela ficção papai-mamãe-filhinhos (*o cachorro fica de fora, mas ele aparece nas propagandas de margarina*).  Os que têm mais tempo começam a enumerar o que fizeram pela tal família, não raro iniciam falando que impediram o avanço da descriminalização do aborto... Enquanto isso, Jandyras  e Elizângelas, e outras mulheres anônimas, morrem nas clínicas de aborto clandestinas, movidas pelo desespero e pelo abandono.



Quando penso em defender a família, imagino proposições na área de saúde e educação; creches públicas e em grandes empresas com muitas mulheres como funcionárias; transporte público para que pais e mães de família possam ter mais tempo com seus filhos e filhas; lazer acessível para todos; segurança para ir e vir.  E público não quer dizer “de graça”, quer dizer que foi pago com o meu e o seu imposto, aquele mesmo que é utilizado para corrupção, para pagar juros da dívida externa, para sustentar legendas de aluguel.  Sim, eu fui ler sobre fundo político partidário e me choquei.  O PRTB, partido de Fidelix, só conseguiu alguma expressividade eleitoral no Estado de Alagoas, quando Collor estava em suas fileiras.  Ele foi o puxador dos votos e precisava de um partido qualquer para reiniciar-se na vida pública.  Aliás, ele mudou de partido tão logo foi eleito, assim como os dois deputados federais que a legenda conseguiu eleger em toda a sua história.  E quanto o partido do Sr. Fidelix, que nunca se elegeu para nada, recebeu no ano passado do tal fundo?  Mais de 1 milhão de reais!  E há quem acredite que o problema é o bolsa família... 

Por isso mesmo, permitam-me um palavrão, cuidar da família nunca tem a ver na fala desses candidatos com saúde e/ou educação, mas com fiscalizar o cu alheio ou o útero das mulheres.  Sim, e pode ser político de direita ou esquerda, a gente encontra este discurso do controle sobre os corpos, a vida, as afetividades na boca de vários deles.  Uma moça no twitter disse que seu corpo ninguém fiscaliza.  Bom para ela, mas como a lei existe, e ela proíbe que as mulheres possam, por exemplo, abortar com segurança e em tempo adequado, caso desejem, somos, sim, fiscalizadas e podemos, sim, ser punidas.  Fora os projetos para cercear os direitos dos gays e limitar o conceito de família a união homem+mulher=filhos.  Famílias monoparentais, gente que opta por não procriar ou não pode fazê-lo por vias naturais, estão todos à margem desse modelo.  São menos família?  



Fidelix nunca irá se eleger, mesmo dando voz ao que de pior há no (*ironia mode on*) pensamento (*ironia mode off*) reacionário, ele só vai arrecadar uns poucos votos.  De repente, por conta da repercussão, ele cisme de se candidatar a vereador em São Paulo.  Quem sabe? Não, não... Aí ele teria que trabalhar, nem que fosse um tiquinho.  Enfim, Fidelix, ou qualquer pessoa, não pode sair por aí falando o que quiser sem assumir as conseqüências.  Liberdade de expressão implica, pelo menos nos países sérios, a possibilidade de arcar com as penas da lei.  No Brasil, entretanto, virou moda argumentar quando se é chamado à responsabilidade que está sendo patrulhado, perseguido.  É o agressor que oprime, que tenta calar e intimidar.  Há a certeza da impunidade.  Apesar das denúncias ao Ministério Público e da ação de entidades como a OAB, não acredito na impugnação da candidatura de Fidelix.  E, por casa de falas como a de Fidelix e outros, gente morre.  Aliás, fecho o texto com a seguinte notícia: Abraço de irmãos acaba em ataque homofóbico e morte na Bahia.  Sim, é preciso reagir contra essa minoria, não é mesmo? Um dos moços morreu.  Quem vai devolver-lhe a vida?

Quando for votar, pense bem em quem está colocando principalmente no Congresso.  Presidente não governa sem deputados e senadores.  Por mais progressista que seu candidato possa parecer, um Congresso conservador ou inepto pode impedir que as propostas do eleito ou eleita sigam adiante.  Pois é lá que são feitas leis que podem, sim, garantir que todos nós tenhamos acesso aos direitos básicos.  É dentro do Congresso que tem se encastelado os piores grupos.  Muitos são corruptos que dizem pertencer à bancadas que lutam "pela vida" e "pela família".  De quem, não sei.  Podem acreditar até nas suas agendas de ódio e desprezo pelas minorias, mas creio mesmo é que estejam felizes com o valor dos seus contracheques e benefícios diversos.



P.S.: Texto atrasado, eu sei, mas eu não tenho controle sobre meu tempo, e estou produzindo o que posso e quando posso.  Espero que o Shoujo Café não morra no processo.

3 pessoas comentaram:

Muito obrigada pelo texto Valeria. Longo, nem sei como teve tempo, e valeu cada palavra lida.

Nunca é tarde para discutir nossa política, ou ao menos até o dia 5 de outubro. Por muitas vezes falei que a escolha de deputados é o que mais me preocupa. Minha antiga professora de História falou isso uma vez no ensino médio, que é preciso atenção redobrada na escolha para vereador e deputado, mas eu não entendi na época. Só fui pegar com essas notícias de aprovações de leis nada úteis pra sociedade brasileira e reflexos das negociações com as bancadas. Sobre Levy Fidélix, prefiro nem pensar nessa criatura. Só espero que a declaração dele mostre o lado absurdo e cruel de pessoas que pensam (?) como ele, e que ele responda na justiça pela fala. Pelo menos eleito ele não será, graças!

Excelente texto Valéria! Obrigada por arrumar tempo para escrever sua opinião.

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