Queria escrever algumas linhas – não é uma resenha, porque só li dois capítulos até o momento – sobre o livro Quadrinhos: História Moderna de uma Arte Global, de Dan Mazur e Alexander Danner. O título original, Comics: A Global History, 1968 to the Present, explicita bem o objetivo da obra, que é fazer uma história dos quadrinhos sem limites geográficos e com um recorte temporal bem específico, os últimos 50 anos. É um livro novo, recém-lançado em nosso país, e é positivo que tenha chegado por aqui tão rápido.
Quando vi o livro á venda na editora Leitura, observei o índice e fiquei muito curiosa. Trata-se de uma obra corajosa, pois tenta abranger o underground e o mainstream e traçar um panorama dos quadrinhos norte americanos, japoneses, europeus e além. Com meus conhecimentos limitados, certamente terei que pesquisar para além do livro para melhor compreender algumas questões, e, bem, dialogar com várias obras é uma coisa que eu adoro fazer.
Falando especificamente de mangá – foram as partes que peguei para ler primeiro – temos cinco capítulos ao todo. Um sobre Tezuka, um sobre a revista alternativa Garo, os outros sobre as demografias, as revoluções e as novas perspectivas. Cinco capítulos falando de mangá em um livro não específico é muito mais do que eu poderia esperar. Mas eis que surge a questão, o que está escrito vale a pena?
Li o capítulo sobre a Garo e o sobre mangá mainstream, isto é, as demografias mais antigas, shounen, shoujo e seinen. O capítulo da Garo em qualquer livro sempre me parece a louvação sem nenhuma crítica. Há um grande deslumbramento em relação a esta revista alternativa. Como de material da Garo eu só vi um pouco de Kamui, não vou comentar, pois acho que não consigo mesmo captar a grandeza que os autores costumam ver na garo. O das demografias foi curioso, a começar pelo fato dele falar mais de shoujo do que de shounen.
Mazur e Danner se destacam por não serem descritivos, eles se posicionam, dão opiniões, a gente pode discordar, claro, mas eles vão fazer o leitor ou leitora pensar. Por exemplo, na parte de shounen, eles defendem que Leiji Matsumoto trouxe características dos mangás shoujo para a demografia. Segundo eles, Matsumoto faz obras introspectivas, nem sempre marcadas pela ação, e que isso seria característica do shoujo mangá. Será mesmo? Imagino o que Leiji Matsumoto diria a respeito...
Senti muita falta, no entanto, de uma menção ao clássico dos mangás de esporte, Kyojin no Hoshi (巨人の星). Foi um silêncio incomodo já que ali foi estabelecido o fundamento dos mangás shounen de esporte e levados aos limites os valores defendidos nas revistas para garotos, amizade, perseverança, vitória e, neste caso, sacrifício. Quando falam de Ashita no Joe (あしたのジョー), e não dá para não falar, é para discutir questões referentes à estética, construção da protagonista, impacto social da obra, não do esporte em si.
Senti muita falta, no entanto, de uma menção ao clássico dos mangás de esporte, Kyojin no Hoshi (巨人の星). Foi um silêncio incomodo já que ali foi estabelecido o fundamento dos mangás shounen de esporte e levados aos limites os valores defendidos nas revistas para garotos, amizade, perseverança, vitória e, neste caso, sacrifício. Quando falam de Ashita no Joe (あしたのジョー), e não dá para não falar, é para discutir questões referentes à estética, construção da protagonista, impacto social da obra, não do esporte em si.
A parte de shoujo é boa, não se compara ao que o Paul Gravett fez em Mangá, o que, aliás, não é demérito, pois não se trata de uma obra específica como a do inglês. é preciso ressaltar que um dos pontos positivos de Quadrinhos: História Moderna de uma Arte Global é a sua autonomia em relação a trabalhos consagrados, como os de Frederik Schodt, por exemplo. Voltando a parte de shoujo mangá, os autores reconhecem a importância do grupo de 24, falam da demanda por novas autoras, das inovações temáticas, do nascimento do BL. Eu realmente senti falta de um parágrafo ou frase destacando a importância de Machiko Satonaka, mas é só. É o ponto mais baixo do capítulo.
Os autores também listam entre as mangá-kas em atividade nos anos 1950, Chieko Hosokawa destacando que ela era a mais importante entre todas. O correto seria dizer que ela se tornou a mais importante pelos trabalhos que faria nos anos 1970, afinal, ela debutou em 1959. Só que eles não explicam o motivo da sua importância, e olha que foi ela a primeira mangá-ka shoujo a construir uma série - Attention Please (アテンション・プリーズ) - na qual a protagonista tivesse como objetivo ter uma profissão. Aliás, Hosokawa está viva e produzindo até hoje. Outra coisa curiosa e mal explicada pelos autores é a história de "sexo quase explícito" em Fire! (ファイヤー!), de Hideko Mizuno. Sim, o mangá é um marco; sim, temos ali a primeira cena de sexo em um shoujo mangá; mas não passam de silhuetas. Talvez por estarem acostumados com os comics, essas silhuetas possam ser quase explícitas para os autores, mas, sem dúvida, trata-se de um exagero.
Os autores também listam entre as mangá-kas em atividade nos anos 1950, Chieko Hosokawa destacando que ela era a mais importante entre todas. O correto seria dizer que ela se tornou a mais importante pelos trabalhos que faria nos anos 1970, afinal, ela debutou em 1959. Só que eles não explicam o motivo da sua importância, e olha que foi ela a primeira mangá-ka shoujo a construir uma série - Attention Please (アテンション・プリーズ) - na qual a protagonista tivesse como objetivo ter uma profissão. Aliás, Hosokawa está viva e produzindo até hoje. Outra coisa curiosa e mal explicada pelos autores é a história de "sexo quase explícito" em Fire! (ファイヤー!), de Hideko Mizuno. Sim, o mangá é um marco; sim, temos ali a primeira cena de sexo em um shoujo mangá; mas não passam de silhuetas. Talvez por estarem acostumados com os comics, essas silhuetas possam ser quase explícitas para os autores, mas, sem dúvida, trata-se de um exagero.
O texto deixa evidente, também, a predileção dos autores pelo trabalho de Yumiko Ooshima, uma das autoras do Grupo de 24 (Nijūyo-nen Gumi). Não somente elogiam a ousadia na escolha dos temas, citando como exemplo seu mangá Tanjou! (誕生!), que abordou gravidez na adolescência e aborto em 1970, como o seu traço minimalista em comparação com o de suas contemporâneas. Os autores inclusive criticam os excessos do resto do grupo de 24, Riyoko Ikeda entre elas, chamando a arte das autoras de “jóia falsa” em comparação com o estilo de Ooshima. O objetivo é reforçar a importância do trabalho de Ooshima, mas é o tipo de afirmação, pelo menos da forma que foi feita, parece mais coisa de fã. O trabalho de Ooshima, sua genialidade,sustenta-se sem a necessidade desse tipo de comparação.
Ainda assim, o maior problema dos dois capítulos e, provavelmente, do livro inteiro, repousa na revisão final. Vamos lá! Acredito que o texto original – sim, ler coisa traduzida é algo que pode colocar a perder muita coisa – os autores tenham optado por colocar o nome em japonês da série e uma tradução para a língua inglesa. A partir do momento que a tradução estava dada, ela passa a ser usada regularmente no texto. Esse é o padrão, por isso, reforço que deve ter vindo do texto original. Não gosto desse tipo de escolha, mas é uma escolha, desde que se mantenha a regra e, aí, começa o problema.
Alguns mangás só aparecem com o título traduzido, como 11-gatsu no Gymnasium (11月のギムナジウム). As traduções mais correntes do título são O Ginásio/Colégio em Novembro. O livro traduz como O Ginasial em Novembro. Será que ambas são traduções possíveis do japonês? Não sei, mas a que está no livro, nunca vi. Já outros títulos, caso de Shiroi no Heya no Futari (白い部屋のふたり), primeiro shoujo mangá yuri, e que poderia ser traduzido como O par/casal do Quarto Branco, só aparece com seu título em japonês. Em um livro ou trabalho acadêmico, a uniformização é algo obrigatório.
E chegamos a um problema que certamente é de tradução/revisão, porque não acredito mesmo que tenha sido coisa do original. Candy♥Candy (キャンディ♥キャンデ) virou um mangá sobre um garoto órfão. Sim! Garoto! Já Oniisama E... (おにいさまへ…) virou um mangá sobre bullying e lesbianismo, claro, em uma faculdade com alunos e alunas... A série se passa em um colégio particular e elitista para meninas. Foram dois erros gritantes, mas será que são os únicos do tipo? Sei que um revisor técnico – e conheço a competência do responsável por este livro – não pode conhecer tudo em profundidade, ainda mais um livro com uma proposta desse tipo, mas ficou muito feio.
Tão ruim, ou pior, é ter a grafia do nome de um autor escrita de maneiras diferentes no mesmo parágrafo. Uma está certa, a outra escapou e ficou. Vejam bem, o livro é um produto e, neste caso, deslizes assim comprometem a qualidade do material, acaba convidando o/a leitor/a a sair catando erros. E é algo muito, muito comum no mercado editorial no Brasil que este tipo de erro de digitação não seja corrigida. Só que se é um livro de 10, 20 reais, a coisa dói muito menos do que eu um que custa quase 89 reais. Eu paguei 30 reais a menos na FNAC, mas, ainda assim, é um livro caro.
Pergunto-me se ainda verei o mercado editorial brasileiro – e vale para tudo, inclusive mangás – superar esses percalços e oferecer a qualidade que os preços altos parecem sinalizar. É por conta dessas coisas que, quando posso, opto pelo material original. Enganos como os que escrevi, erros grosseiros, ou cacos de edição roubam um pouco do brilho de um bom livro, caso de Quadrinhos: História Moderna de uma Arte Global, e não podem continuar sendo a regra, precisam ser a exceção da exceção.
1 pessoas comentaram:
impressão minha ou os "especialistas" em HQ não tem interesse em abordar seriamente o mangá ??
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