Assisti ao filme 12 Anos de Escravidão em casa, acredito que umas três semanas atrás, mais, talvez, comecei esta resenha não sei quando, mas já faz um bom tempo. Em condições normais, eu assistiria ao filme no cinema, na verdade, estaria assistindo todos os filmes que pudesse no cinema. Infelizmente, não posso, assim, ou baixo da internet, ou só vou assistir ao filme sei lá quando. Espero que a informação não lhe incomode ao ponto de não ler o meu texto. Também, já vou me desculpando, porque vou transbordar para outras obras e personagens, afinal, não tem como não fazer referência à Escrava Isaura, a Luís Gama, ao filme Band of Angels e à E o Vento Levou. É preciso dialogar com eles para que eu consiga falar de 12 Anos de Escravidão. Dito isso tudo, vamos lá!
Fiquei sabendo da produção do filme 12 Anos de Escravidão há vários meses, acredito que tenha sido por causa do Benedict Cumberbatch, algum site de fãs do ator falou da produção. Fiquei interessada prontamente, e a história de Solomon Northup me pareceu digna de ser filmada. Como não tinham pensado nisso antes? Em resumo, sua história é a seguinte, o protagonista nasceu livre, filho de um escravo alforriado e de uma negra livre. Northup era capinteiro competente e constantemente contratado para tocar violino em festividades diversas. Casado com uma cozinheira de renome, residia em Saratoga com a esposa e dois filhos. Um dia, em 1842, quando a esposa estava fora da cidade a trabalho, Northup aceita fazer o mesmo, iria até Washington, capital dos EUA, trabalhar como músico por duas semanas. Chegando lá, seus dois contratantes o drogam e o vendem como escravo. Sim, simples assim.
Quando acorda, Northup ainda está em Washington, mas, agora, era parte do enorme grupo homens e mulheres negras traficados dentro dos EUA, gente que tinha sua identidade mudada, que, de repente, se tornava propriedade de alguém. Não adiantava dizer que era livre, não havia a quem recorrer e cada negativa da condição de escravo era retribuída com surras atrozes. Enviado para nova Orleans, espancado repetidas vezes, tem seu nome confiscado e é transformado em Platt, um escravo fugitivo da Georgia. A partir daí, ele terá vários senhores, do “bondoso” William Ford (Benedict Cumberbatch) até os doentios John Tibeats (Paul Dano) e Edwin Epps (Michael Fassbender). Na fazenda de Epps, Northup conhece Patsey (Lupita Nyong'o), a melhor catadora de algodão da propriedade, e vítima do assédio sexual do patrão e do ciúme doentio de sua esposa (Sarah Paulson). Northup sofre toda sorte de humilhações e violências até que encontra alguém que ouça a sua história, um carpinteiro canadense abolicionista (Brad Pitt), e seja resgatado da escravidão.
12 Anos de Escravidão mereceu o Oscar de melhor filme. Não vi os outros concorrentes, talvez algum deles, ou vários, merecessem o mesmo prêmio com toda justiça. Não se trata, portanto, de um Oscar para contornar uma acusação de racismo, embora possa ser usado para isso. Trata-se de um filme que se sustenta por si mesmo. Só que quem acompanha o Oscar ao longo dos anos sabe bem que alguns filmes são negligenciados, caso de Malcolm X, diretores e diretoras não recebem indicações merecidas, como Spike Lee e Barbra Streisand, e filmes medíocres e/ou reacionários são premiados. Ao premiarem 12 Anos de Escravidão, a Academia fez justiça, mas, também, um pouco de média, reconhecendo um enorme vazio.
Concordo com o diretor, Steve McQueen, quando ele afirma que Hollywood fala muito pouco da escravidão negra, de uma mácula de 400 anos. Naturaliza-se a escravidão negra, como um mal necessário, algo que, bem, ajudou no progresso de várias nações. Culpa-se a escravidão, e os negros e negras por tabela, pela Guerra de Secessão que dividiu uma nação. É nessa linha muitas obras do grande cinema americano operam. mas é exagero dizer que o tema não foi abordado. Há até filmes dos anos 1930 e 1940 que colocam abolicionistas como agitadores, gente que acabou com a beleza do Velho Sul. Querem ver? Dêem uma olhada em Santa Fe Trail (A Estrada de Santa Fé/1940) e They Died with Their Boots On (O Intrépido General Custer/1941). ambos com Errol Flynn, o primeiro ainda tem Ronald Reagan no elenco.
Assim, discordo do diretor quando ele diz que fala-se pouco da escravidão. O problema é como se fala e que nenhum grande filme tocou no assunto pelo ponto de vista do escravo, a questão era sempre apresentada a partir do olhar do homem ou da mulher branca, da ação do herói libertador (Lincoln), da apresentação da fratricida Guerra de Secessão. Mesmo Tempos de Glória, filme que considero obrigatório, tinha como protagonista não os negros soldados, ainda que Denzel Washington tenha levado seu Oscar para casa (*Vídeo aqui*), mas dois oficiais brancos. Mais inédito, é colocar como protagonista alguém que foi colocado em regime de escravidão sem ser escravo, legalmente falando.
Concordo com o diretor, Steve McQueen, quando ele afirma que Hollywood fala muito pouco da escravidão negra, de uma mácula de 400 anos. Naturaliza-se a escravidão negra, como um mal necessário, algo que, bem, ajudou no progresso de várias nações. Culpa-se a escravidão, e os negros e negras por tabela, pela Guerra de Secessão que dividiu uma nação. É nessa linha muitas obras do grande cinema americano operam. mas é exagero dizer que o tema não foi abordado. Há até filmes dos anos 1930 e 1940 que colocam abolicionistas como agitadores, gente que acabou com a beleza do Velho Sul. Querem ver? Dêem uma olhada em Santa Fe Trail (A Estrada de Santa Fé/1940) e They Died with Their Boots On (O Intrépido General Custer/1941). ambos com Errol Flynn, o primeiro ainda tem Ronald Reagan no elenco.
Assim, discordo do diretor quando ele diz que fala-se pouco da escravidão. O problema é como se fala e que nenhum grande filme tocou no assunto pelo ponto de vista do escravo, a questão era sempre apresentada a partir do olhar do homem ou da mulher branca, da ação do herói libertador (Lincoln), da apresentação da fratricida Guerra de Secessão. Mesmo Tempos de Glória, filme que considero obrigatório, tinha como protagonista não os negros soldados, ainda que Denzel Washington tenha levado seu Oscar para casa (*Vídeo aqui*), mas dois oficiais brancos. Mais inédito, é colocar como protagonista alguém que foi colocado em regime de escravidão sem ser escravo, legalmente falando.
Sim, é mais fácil imaginarmos a África até o século XIX como um passivo “depósito” de escravos (*em potencial*), muita gente encara a coisa desse jeitinho. Agora, assusta saber que homens e mulheres livres, nascidos assim, inclusive, podiam ser reduzidos tão facilmente a esta condição. Já tive mais de um aluno que perguntou “por que um escravo não fugia?” ou “quem ia saber que aquele homem ou mulher era escravo?”. Alguns fugiam, claro, e se saiam muito bem, mas via de regra era a pessoa negra que tinha que levar consigo as provas de que era livre. E mais, alguém ainda poderia tentar ignorá-las ou destruí-las. Eis aí o caso de Northup e do nosso Luís Gama para provar.
Talvez você conheça este importante abolicionista, escritor, jornalista e rábula (*advogado prático*), talvez, não. Enfim, não vou dar muitos detalhes, mas a vida de Gama é filme ou minissérie pronta, basta escalar o Lázaro Ramos para o papel. Luís Gama nasceu livre; sua mãe era forra e participou da Revolta dos Malés; seu pai branco, o vendeu o filho para pagar suas dívidas. Simples assim. O caso de Northup deveria ser mais comum do que imaginamos, a questão é que ele sobreviveu para contar e sua história virou filme e este filme levou o Oscar e será lembrado.
Não sei, entretanto, se colocar um homem livre reduzido à escravidão vá fazer com que as pessoas que se consideram brancas se coloquem em seu lugar. Algumas, talvez, mas, para muita gente, negro e escravo ainda são quase sinônimos. É até curioso falar em escravidão romana para adolescentes e vê-los franzindo o cenho, porque, bem, é difícil aceitar que ao longo de boa parte da História humana, escravidão não teve cor, ainda que pudesse ter alguns povos a ela mais associados. Daí, eu entendo a força de A Escrava Isaura. O livro é profundamente bem intencionado e joga muito bem com o racismo da sociedade ao apresentar uma mulher branca, como o marfim das teclas do piano, prendada, gentil e, ainda assim, escrava por nascimento. Mas será que se Isaura fosse tão negra quanto os outros escravos a comoção seria tão grande? Claro que uma das coisas revoltantes em 12 Anos de Escravidão é ver um sujeito culto recebendo ordens e sendo humilhado por boçais, como Epps e Tibeats, (mal)tratado como um animal, encarado como uma besta sem raciocínio.
Talvez, se pensarmos 12 Anos de Escravidão associado ao tráfico de pessoas em nossos dias, algo que o diretor enfatizou em seu discurso ao receber o Oscar, a mensagem chegue mais forte. Afinal, trata-se de um drama contemporâneo, exposto em outros filmes e até novelas, vide Salve Jorge. Falando no diretor, não conhecia o diretor Steve McQueen, não assisti nada dele além de 12 Anos de Escravidão, mas ver o nome de Brad Pitt na produção era indício de que se tratava de um filme engajado politicamente, neste caso, em expor toda a violência da escravidão. Temos muitas cenas de espancamento e a nudez que enfatiza a redução de seres humanos, homens, mulheres, crianças, à condição de gado. A força e a fraqueza de 12 Anos de Escravidão repousam exatamente aí, na sua militância.
Dentre os exageros de 12 Anos de Escravidão, cito como exemplo, o assassinato do escravo que tentou defender uma companheira de infortúnio do estupro. Um marinheiro não desperdiçaria uma mercadoria tão preciosa, devemos lembrar que o Tráfico Atlântico estava condenado naquele momento, e que, além de tudo, não era sua. Uma punição exemplar, seria mais coerente, ou a cena poderia ter sido cortada. Seu objetivo, no entanto, é enfatizar a violência e a forma como os negros eram tratados. Mensagem entendida, ainda que pouco razoável.
Li na Wikipedia que o filme também foi acusado de mostrar o Cristianismo sob uma ótica negativa, enfatizando somente o uso da Bíblia pelos senhores para justificar a escravidão. Segundo a crítica, os abolicionistas eram igualmente cristãos. Sim, e há um filme excelente sobre os primórdios desse movimento, Amazing Grace, que eu resenhei aqui. Ainda que eu concorde que o foco seja negativo, é preciso recordar que o filme não é sobre a militância pró e contra a escravidão, que tinha brancos e brancas como principais protagonistas, mas sobre um homem livre transformado em escravo e sua experiência dentro do sistema. Dito isso, não considero o filme como anti-cristão, ainda que pudesse ser mais equilibrado nesse aspecto, é claro.
Li na Wikipedia que o filme também foi acusado de mostrar o Cristianismo sob uma ótica negativa, enfatizando somente o uso da Bíblia pelos senhores para justificar a escravidão. Segundo a crítica, os abolicionistas eram igualmente cristãos. Sim, e há um filme excelente sobre os primórdios desse movimento, Amazing Grace, que eu resenhei aqui. Ainda que eu concorde que o foco seja negativo, é preciso recordar que o filme não é sobre a militância pró e contra a escravidão, que tinha brancos e brancas como principais protagonistas, mas sobre um homem livre transformado em escravo e sua experiência dentro do sistema. Dito isso, não considero o filme como anti-cristão, ainda que pudesse ser mais equilibrado nesse aspecto, é claro.
Agora, é fato que só existem maus senhores de escravos. Mesmo o “bondoso” Mr. Ford é incapaz de pensar um mundo sem escravos, ou de imaginar que pode ter comprado mercadoria de fonte ilícita, algo plenamente possível naquele contexto, e se esquiva de ouvir Northup. Ford é, pelo menos na forma como é apresentado, um fraco. Alguém que se deixa levar pelo sistema, sem grandes questionamentos. Segundo a Wikipedia, eu não li o livro para confirmar, Northup elogia Fod o tempo todo. Ele é pintado como um homem bom e um bom cristão, isso não é evidente no filme, pelo menos, para mim. Uma das cenas mais fortes de 12 Anos de Escravidão, a mais cruel, talvez, é a que Northup fica pendurado na corda, por um fio de ser enforcado, por horas e horas, sem que ninguém faça nada. Esperavam ou que ele se cansasse e morresse, ou que Mr. Ford aparecesse. E ele apareceu... Uma cena interessante da seqüência é quando a esposa de Ford aparece na varanda, essa mulher, quase uma sombra no filme, ela tem duas falas se muito, mas que dizem muita coisa sobre a condição das mulheres, mas volto a isso daqui a pouco.
12 Anos é um bom painel para vermos como a escravidão nos EUA era plural e que a vida dos escravos não era nada singela como os filmes dos anos 1930 e 1940, normalmente centrados nas belas damas sulistas, pintavam. Além da violência constante, da comida pouca e ruim, das longas jornadas de trabalho, do abuso sexual constante, o filme mostra formas diferenciadas de posse de escravos. Ford e John Tibeats (Paul Dano) eram donos de Northup. É isso, aliás, que salva o escravo da morte, porque Tibeats era um homem cruel e vingativo, mas pobre e semi-dependente do grande proprietário. Mais adiante, vemos que Epps, novo dono de Northup, precisa alugar seus escravos para um outro senhor quando a praga destrói sua plantação. é mostrado, também, que muitos dos escravos traficados eram realmente escravos de alguém, mas roubados. Um deles é resgatado pelo dono logo no início do filme. Ressalta-se ali o tratamento paternalista do dono. o escravo se derrama em lágrimas, agradece, e é tratado, pelo menos naquela cena, como uma criancinha ou um bichinho de estimação. O filme enfoca a infantilização dos negros e negras, sua bestialização, em várias cenas. As de violência não são as úncias.
Falando em Epps, interpretado brilhantemente por Michael Fassbender, indicado ao Oscar de coadjuvante, ele parece um sujeito no limiar da loucura, alcoólatra, e, não, alguém que tivesse plena consciência de seus atos. Em alguns momentos, inclusive, ele é conduzido a vilanias pela esposa, e a vítima é sempre Patsey. Talvez, Fassbender tenha dado à personagem uma fragilidade que consegue, pelo menos em mim, diluir o nojo e horror que ele inspira. Trata-se de um louco? Será? O fato, e isso, sim, me causou certo incomodo, é a forma como as mulheres brancas são retratadas.
As duas esposas, a de Ford e a de Epps, meio que conduzem seus maridos. Ambas são frias, cruéis com os escravos, manipuladoras, falsamente submissas, talvez. A de Ford, interpretada por Liza J. Bennett , não tem nome, ela é simplesmente “Mistress Ford”. Só que é ela, por exemplo, que demonstra desprezo pela escrava que é trazida para a fazenda junto com Northup. A mulher foi separada de seus filhos, chora por eles, é depressiva; a senhora diz primeiro que ela “logo esquecerá deles”, como se, por ser escrava, a mulher não tivesse apego ou sentimento por sua prole. Mais adiante, ela manobra para que ela seja mandada embora, afinal, o choro constante da escrava a irritava... Já Mary Epps parece vítima do marido, humilhada e traída, mas consegue conduzi-lo sem que ele perceba. É assim que ela se vinga de Patsey repetidas vezes... Ela também percebe que Platt, ou melhor, Northup, é um homem culto, mas se cala e parece não se importar, assim como Mistress Ford não se importa de ver Northup pendurado na corda. Saber ler e escrever poderia significar a morte de um escravo. Northup sabe que ela tem sua vida nas mãos.
É verdade que as mulheres dos plantadores tinham muito poder. Há trabalhos de historiadores norte americanos sobre isso e a força dessas mulheres está bem representada na mãe de Scarlett O’Hara no livro E o Vento Levou..., o filme dilui um pouco a coisa, só que o poder dessas damas era delegado por seus homens. Algo que me incomodou um pouco em 12 Anos de Escravidão é não ver nas mulheres brancas, especialmente na esposa de Ford, a humanidade que é mostrada nos homens. Elas aparecem menos e são pintadas de forma muito dura. Sim, Tibeats é mau sem apelação, mas temos outros homens para contrabalançar as coisas. Para as duas damas não há possibilidade de simpatia.
A terceira mulher branca não aparece em tela, trata-se da filha do dono de Eliza (Adepero Oduye), a escrava que foi companheira de infortúnio de Northup. Esta mulher foi capaz de vender não somente a amante do pai, mas, também, sua meia-irmã, Emily (Storm Reid). E, de novo, meio que se releva o papel do senhor, afinal, parece que sua filha pode fazer o que bem entender com a propriedade do pai. O drama de Eliza e Emily (*há um menino, também, mas ele parece não ser filho do senhor*) lembra um pouco a trama de Band of Angels (Meu Pecado foi Nascer/1957), que foi produzido já no final do gênero Southern movies da Era de Ouro do Cinema americano. Este filme, que é narrado do ponto de vista de uma mulher, tem como protagonista uma típica dama sulista que descobre, após a morte do pai, que é escrava e termina vendida pela madrasta. Seu destino fica bem claro, como é mestiça, quase branca, seria mandada para a prostituição. É o destino da menina Emily, para quem não entendeu direito o motivo dela ser tão cara.
Outro ponto importante do drama de Eliza e seus filhos é mostrar que mesmo um escravo com privilégios, ela era amante do senhor, foi servida por outros escravos, tinha do bom e do melhor, continuava propriedade e sua situação confortável sempre estava por um fio. E, sim, uma das coisas que 12 Anos de Escravidão derruba como um trator é o discurso “nós não somos uma nação mestiça” que é muito usado pelos racistas americanos. Muita gente, aliás, acredita nessa falácia, como se somente portugueses e espanhóis fossem dados à luxúria, mantivessem relacionamentos afetivos com mulheres não-brancas, e estuprassem índias e negras. Franceses, ingleses, holandeses, etc., também, faziam isso. Ser protestante não os isentava de prostituir negras, de cometerem adultério, de abusar sexualmente de suas escravas e por aí vai.
Uma das faces violentas da escravidão é o estupro sistemático das mulheres. Há quem queira ver tudo como afeto trocado, mas não existe troca entre seres em situação de tamanha desigualdade. Só que, para os americanos, a coisa ainda ganha outro tom, um artigo da revista Ms. fala que a Mammy, a versão americana da mãe-preta, a escrava gorducha, assexuada, que dá bronca na sinhazinha, mas faz tudo por ela, é uma fantasia e Patsey, a verdade. Eu diria que ambas são reais, a diferença é que a Mammy é mostrada madura e, não, uma mocinha atraente. Fora, que é meio complicado querer comparar 12 Anos de Escravidão com E o Vento Levou ou outros Southern movies clássicos protagonizados por mulheres. Eles eram produtos que tinham como objetivo vender o Sul como uma espécie de paraíso antes da guerra, só que para quem? Nem mesmo para as suas mocinhas. Vide a minha resenha de Jezebel. Um dia, espero fazer uma de E o Vento Levou. Nesses filmes, salvo em Band of Angels que tem um furioso e lindo Sidney Poitier, parece que felizes, de verdade, só os escravos...
Uma das faces violentas da escravidão é o estupro sistemático das mulheres. Há quem queira ver tudo como afeto trocado, mas não existe troca entre seres em situação de tamanha desigualdade. Só que, para os americanos, a coisa ainda ganha outro tom, um artigo da revista Ms. fala que a Mammy, a versão americana da mãe-preta, a escrava gorducha, assexuada, que dá bronca na sinhazinha, mas faz tudo por ela, é uma fantasia e Patsey, a verdade. Eu diria que ambas são reais, a diferença é que a Mammy é mostrada madura e, não, uma mocinha atraente. Fora, que é meio complicado querer comparar 12 Anos de Escravidão com E o Vento Levou ou outros Southern movies clássicos protagonizados por mulheres. Eles eram produtos que tinham como objetivo vender o Sul como uma espécie de paraíso antes da guerra, só que para quem? Nem mesmo para as suas mocinhas. Vide a minha resenha de Jezebel. Um dia, espero fazer uma de E o Vento Levou. Nesses filmes, salvo em Band of Angels que tem um furioso e lindo Sidney Poitier, parece que felizes, de verdade, só os escravos...
12 Anos de Escravidão mostra bem o quanto as relações entre senhores e escravas eram pautadas pela violência sexual. Eliza foi amante até ser rejeitada e vendida, Patsey foi repetidamente estuprada e torturada por Epps, só Mistress Harriet Shaw (Alfre Woodard) parece ter virado a mesa. Apesar de ser rápida a sua aparição, Mistress Shaw é uma personagem curiosa, lembra um pouco Chica da Silva. Não sei se é ex-escrava, ou ainda cativa, não lembro se o filme diz, mas ocupa o lugar de dona da casa e esposa do seu senhor. Tem escravos, ou, pelo menos, utiliza sua força de trabalho, e, ao mesmo tempo, toma chá com Patsey e Northup. Sim, eles tinham um dia de folga. Sim, eles podiam fazer visitas e outras coisas que muita gente não imagina. Sim, eles não fugiam ou a maioria nunca tentava. Motivo? Lembrem da cena dos dois escravos fugitivos e da milícia. Não sei se mulheres como Mistress Shaw eram comuns no Sul dos EUA antes da Guerra (*depois então...*), acredito que não eram, mas o que o filme erode é essa idéia de que homens brancos sulistas não tinham interesse pelas mulheres negras para além do seu trabalho.
E, sim, é preciso falar de Lupita, a vencedora do Oscar de Melhor Coadjuvante. Se o protagonista é Chiwetel Ejiofor, foi ela que conquistou corações com sua sofrida Patsey. Depois da cena da forca, acredito que a maioria das cenas mais fortes foram com ela. Não que Northup não tenha grandes momentos, é que Patsey sofre tanto e brilha tanto que ela rouba muito da atenção. Há também o fato de várias de suas cenas serem com Northup, inclusive aquela que fala da suprema fuga do escravo, o suicídio.
Patsey quer morrer, que saída tem? Northup quer viver, quer voltar para os seus, e abomina a idéia. Não se discute a condenação cristã, dá-se a entender que é convicção pessoal do protagonista. Enfim, se fugir era quase impossível, o recurso do suicídio estava lá para os que tivessem coragem. Patsey não tem, ela precisa de ajuda e não a recebe. Enquanto para Northup há esperança, para Patsey há o desespero, a dor e a humilhação. Realmente não sei se 12 Anos de Escravidão cumpre a Bechdel Rule, mas isso importa pouco, já que oferece personagens femininas de grande riqueza e força dentro da história.
Patsey quer morrer, que saída tem? Northup quer viver, quer voltar para os seus, e abomina a idéia. Não se discute a condenação cristã, dá-se a entender que é convicção pessoal do protagonista. Enfim, se fugir era quase impossível, o recurso do suicídio estava lá para os que tivessem coragem. Patsey não tem, ela precisa de ajuda e não a recebe. Enquanto para Northup há esperança, para Patsey há o desespero, a dor e a humilhação. Realmente não sei se 12 Anos de Escravidão cumpre a Bechdel Rule, mas isso importa pouco, já que oferece personagens femininas de grande riqueza e força dentro da história.
E há Brad Pitt, que faz o papel do salvador de Northup. Ele bancou a idéia do filme, sem ele, 12 anos de Escravidão continuaria só no papel. Agora, com três Oscars, contando com o de Melhor Filme, filme independente triunfa e entra para a História. Não sei se outros filmes sobre a escravidão pelo ponto de vista do escravo virão, espero que venham, mas já é reconfortante ver este filme, que não é perfeito, claro, sendo incluídos no currículo das escolas americanas. Talvez, no futuro, tenhamos mais material cinematográfico para discutir a escravidão, não somente nos EUA, mas aqui no Brasil.
1 pessoas comentaram:
Parabéns pela resenha. Fiquei com vontade de assistir o filme e, com certeza, irei.
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