Ashley é uma garota normal. Ela tem duas mães amorosas, um irmãozinho, estuda em uma boa escola, é bonita, inteligente, no entanto, ela tem um problema. Aos sete anos, Ashley descobriu que era diferente, que ao invés de gostar de garotas ela se interessava por meninos. Pior de tudo, seus colegas de escola descobriram e ela passou a sofrer bullying. Sem apoio dos adultos na escola e na família, por quanto tempo Ashley poderia aguentar em um mundo no qual ser gay é a norma e os heteros são vistos como pervertidos, pecadores ou doentes pela maioria das pessoas?
Não lembro como cheguei ao filme Love Is All You Need?, não lembro mesmo. Mas assisti ao filme anteontem e ele é bem interessante. Eu nunca fui de assistir curta metragens e fico surpresa de ver como alguns diretores e roteiristas conseguem passar a mensagem em poucos minutos. Love Is All You Need? tem cerca de 19 minutos. Assim como o filme Majorité Opprimée, que comentei aqui no blog esta semana, o filme inverte a nossa ordem social mostrando um mundo no qual ser hetero é um problema. No mundo do filme, heterofobia, essa fantasia criada pelos setores mais reacionários de nossa sociedade, é uma dura realidade. Ashley, a menina protagonista, é perseguida por ser hetero; sua mãe a tira da aula de teatro, porque o professor é heterossexual e militante dos direitos iguais; especulam que Shakespeare teve que esconder sua heterossexualidade, e por aí vai.
Falando dos pontos positivos, Love Is All You Need? Foi um dos melhores materiais sobre bullying que eu já assisti. De forma muito eficaz, ele mostra todo o processo de destruição que o bullying faz na vida de uma criança, especialmente, quando ela tem que enfrentar o problema sozinha. Na escola, os adultos acreditam que a culpa da perseguição é da vítima, afinal, quem mandou ser diferente? Em meus vinte anos de sala de aula, já vi educadores justificando o bullying, dizendo que a vítima precisava da pressão do grupo para “se consertar”. Não raro, a vítima em questão era o menino “efeminado” que “precisava aprender a ser homem”.
No caso de Ashley, ela também não tem apoio em casa. Suas mães não conseguem perceber que ela é diferente e fecham os olhos para a violência que a menina sofre, como se fosse algo que “vai passar”. Uma de suas mães, Karen, despreza os heterossexuais e diz para Ashley que seu professor é um pervertido. Ela quer a menina no time de futebol (americano) e faz questão de dizer que teatro é coisa de menino... Enfim, nem preciso dizer que a história termina em tragédia.
Curiosamente, apesar de discutir bem a questão do bullying e a opressão do grupo sobre o indivíduo, Love Is All You Need? falhou em criar um mundo homonormativo que parecesse convincente. Ao contrário de Majorité Opprimée, que se centra no drama de um indivíduo para mostrar a sociedade, em Love Is All You Need? existe o interesse em falar do drama de Ashley e desse mundo no qual ser gay é a norma.
Aí, o que temos? Ashley tem duas mães, uma é dona de casa, a outra sai para trabalhar. É a reprodução perfeita dos papéis de gênero mais estereotipados. Esse tipo de arranjo me incomoda muito, seja na nossa realidade, ou nessa sociedade imaginária. A mãe trabalhadora de Ashley parece desprezar não somente os hetero, mas, também, o masculino, como se houvesse uma hierarquia entre homens e mulheres e estas últimas ocupassem um papel dominante. Quer dizer então que o mundo de Love Is All You Need? não é somente homonormativo, mas dominado pelas mulheres? Bem, não é o que parece.
Entre as crianças não fica claro que as meninas sejam “machonas” e os meninos “efeminados”, todos agem da mesma forma, sem que os papéis de gênero fiquem caracterizados. Aliás, o que transparece boa parte do tempo é essa neutralidade dos papéis de gênero, e o elemento coercitivo parece ser a própria família de Ashley. Já o irmão do menino que Ashley ama e seus amigos, que são bem mais velhos, parecem playboys machistinhas, agressivos e musculosos... Percebem como é confuso?
Houve, também, a tentativa de explicar a reprodução. O relacionamento heterossexual é mal visto, mas homens e mulheres precisam procriar. Como não é um ambiente de ficção científica, ao que parece, homens e mulheres precisam copular para isso. Dentro da lógica da sociedade homonormativa, em que homens amam homens e mulheres amam mulheres, essa idéia me parece muito violenta. Como superar a repulsa? Quais seriam os mecanismos de convencimento? Não há explicações e a idéia é jogada duas vezes, uma delas em ambiente religioso, enunciada em um templo católico (*é falado em Santa Madre Igreja*) por uma mulher padre. Sei que o intuito é mostrar todos os discursos normativos em ação, mas falta informação sobre essa sociedade gay.
Enfim, a página oficial do filme é esta aqui. Ele está disponível no Youtube sem legendas. Assim como aconteceu com Majorité Opprimée, imagino que alguém legende. E eu diria que vale a pena, não pela representação da sociedade em si, que ficou capenga mesmo, mas pela abordagem profunda da questão do bullying. Mesmo que você não compre esse mundo gay, você vai sentir o drama de Ashley, pois este drama é o de milhares ou milhões de pessoas que sofrem por parecerem ou serem diferentes da norma. Quando se trata da questão da homossexualidade, a pressão e a violência ganham proporções ainda mais dramáticas, e não raro vemos adolescentes e até crianças tentando o suicídio. Se você quiser assistir, o filme está aí embaixo.
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