Quando ficamos sabendo do novo adiamento do anime de Sailor Moon (美少女戦士セーラームーン), algo que já era esperado, comentei rapidamente no Shoujo Café. Já a Erica, do Yuricon e do Okazu, fez um excelente texto tocando em questões que eu costumo levantar quando o assunto é adaptação de shoujo mangá para animação e, também, ponderou sobre os perigos de tentar fazer uma adaptação muito presa ao original, já que a idéia é de reboot e, não, de uma adaptação do anime. Enfim, vou citar um trechinho do texto da Erica e, em seguida, fazer algumas ponderações:
“Mais importante, aqueles que estava por aqui no final de 1990 lembram de Takeuchi-sensei dizendo que ela nunca ficou realmente feliz com o anime. O staff era predominantemente masculino, eles reescreveram muito [*da história*], e simplesmente geralmente arrastaram sua história para um estilo de série infantil ainda mais formulaica do que ela era no mangá. A coisa que mais a chateou, e a muito fãs, também, foi o tratamento dado às Starlights. (...) Ela insistia que elas eram mulheres cross-dressing e o anime as tornou em pessoas que trocavam de sexo [ao se transformarem]. Seja lá o que escolherem para o novo anime, alguém ficará desapontado. Nossa sensação inicial é que esse reboot será mais fiel ao mangá – o que é em si mesmo, uma espada de dois gumes. Nós passamos menos tempo com os vilões no mangá, (...) O mangá tem alguns sérios problemas, incluindo um final muito confuso. E o anime tem bons elementos, assim, uma adaptação que siga estritamente o mangá pode não ser o que esperamos ou desejamos.”
Eu realmente não sabia que Naoko Takeuchi não gostava do anime de Sailor Moon, mas já tinha lido entrevista de Ryoko Ikeda dizendo que não gostou da adaptação da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) para a TV. Eu entendo perfeitamente essas autoras, especialmente quando pegamos o original e comparamos com a adaptação feita. O que já escrevi aqui, e repito, é que os shoujo anime eram, e continuam sendo, uma releitura masculina de um produto feito por mulheres para meninas e mulheres. O sujeito pega o produto e quer deixar sua marca, sua visão.
Osamu Dezaki, diretor genial, verdade, mas machistão, fez várias escolhas erradas no anime da Rosa de Versalhes e modificou o último anime de Genji Monogatari desprezando a importância de Waki Yamato, cuja obra, Asakiyumemishi (あさきゆめみし), deveria servir de base para a adaptação. Já Sailor Moon, teve uma excelente primeira temporada, mas, depois, é cheia de altos e baixos. O pior deles é resetarem a Usagi/Serena a cada temporada, ou seja, ao invés de amadurecer, como no mangá, ela segue sendo infantilizada e emburrecida. Aliás, esta é minha crítica ao anime de Fushigi Yuugi (ふしぎ遊戯), por exemplo. Miaka, que era somente uma adolescente normal, tornou-se burra no anime. Trata-se de recurso sempre utilizado em adaptações de shoujo mangá para animação. A garota, que era a menina mediana, facilitando a identificação das leitoras, torna-se burra, chorona, desastrada e tudo mais que pudermos somar... Se as autoras não criaram as personagens desse jeito, a quem interessa esse esqueminha bobo e ofensivo? Como muita gente não vai ler o mangá, esse tipo de representação passa a ser o padrão da protagonista de shoujo para muitas pessoas.
Voltando ao caso da Rosa de Versalhes, o anime é muito bom, um clássico, além de ter importância na minha trajetória de vida, mas só quem conhece o mangá original e as discussões feministas dos anos 1970, entende porque a série fracassou em audiência no Japão. Trata-se de uma leitura backlash (*retrocesso*), quando pensamos na forma como a protagonista é apresentada. Oscar passa a ser empurrada pelos homens de sua vida (*o pai, Fersen, André*), logo, as decisões não são suas. Oscar se torna soldado para atender a vontade do pai, adere à Revolução Francesa por causa de André e assim vamos. A importância da mãe na vida da personagem é diminuída, também. Oscar, no anime, é filha do pai, a mãe é jogada nas sombras pelos homens que dirigiram a série. Até se cria a ridícula situação do médico dizendo que ela está tuberculosa por causa do seu “estilo de vida”, ou seja, no século XVIII, somente mulheres transgressoras pegavam a doença... Talvez, a razão, fosse sua debilidade física.
Inventaram muito, infantilizaram a primeira metade da série, e cortaram muita coisa importante. E as fãs, autora incluída, não gostaram. No anime, Oscar se tornou séria, densa demais, como se carregasse o peso do mundo nas costas. No mangá, ela sorri, faz piada, enche a cara e briga em botequim. O anime limou tudo ou quase tudo. Dezaki também fez lambança na única outra obra de Ikeda que virou anime, Oniisama E... (おにいさまへ…) Nesta série, que com 3 volumes rendeu 39 episódios, ser lésbica é arroubo juvenil que passa com um namorado, e casamento e maternidade curam câncer de personagem tomboy. Estou falando de animes e mangás que são meus favoritos. Sim, ambos, o mangá e o anime. É possível criticar sem desqualificar, jogar tudo no lixo. Daí, entramos na segunda parte da reflexão da Erica. Adaptações de mangás para a animação podem, sim, sanar problemas e criar momentos mágicos. Exemplos nas mesmas duas obras que citei acima.
Todos os homens jovens de grande relevância do mangá da Rosa de Versalhes, menos Fersen, claro, são apaixonados por Oscar. É um clichê do qual Ikeda não foge, ela abraça. Daí, há uma sequência altamente desnecessária no mangá em que Allain beija Oscar à força. Isso foi cortado do anime. Fez falta? Não, nem fazia diferença no mangá. O anime criou, também, sequências belíssimas. O suicídio de Charlotte ganhou proporções dramáticas muito maiores na TV. E, claro, há a cena do quadro... A versão do mangá é infinitamente inferior. No anime, a gente sente a dor de André, cego, e incapaz de ver o quadro, mas, ainda assim, descrevendo-o do fundo de seu coração... Eu tenho vontade de chorar só de lembrar a cena...
Da mesma forma, Oniisama E... teve sequências espetaculares, algumas delas em clara referência à Rosa de Versalhes. Que se dane o fato de não estar no mangá original, a analogia entre a derrocada de Miya-sama e de Maria Antonieta, ficou fantástica no anime. E há outras cenas. O relógio da torre do colégio, inventado por Dezaki e sua equipe para Ace Wo Nerae (エースをねらえ!) – outro dos meus top favoritos – foi trazido para Oniisama E... como lugar de encontros de Nanako e Saint-Just. Não perdoo Dezaki por várias coisas, e odeio a arte de Akio Sugino em muitos momentos, especialmente na segunda parte da Rosa de Versalhes e no movie de Ace Wo Nerae, mas eles criaram momentos mágicos. :)
Em uma adaptação, e está aí a palavra a-dap-ta-ção, é necessário liberdade para mexer em algumas coisas. A gente pode não gostar, claro. Sinto-me no dever de apontar questões como a da representação da protagonista, afinal, meu olhar feminista me puxa para essas discussões, mas não vou dizer que quanto mais literal melhor. Em alguns casos, a adaptação muito amarrada ao original pode prejudicar o produto, obviamente, certos aspectos do original precisam estar na adaptação, ou o resultante será outro. E, bem, esse é o tipo de coisa que realmente me aborrece, especialmente, quando o alvo da mudança são as personalidades, o caráter das personagens. Exceções existem, claro!
Considero Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ), a série de TV, muito superior ao mangá. No anime são introduzidas personagens novas e a personalidade de algumas delas é mudada. Chiho Saito é bem convencional, deliciosamente convencional, eu diria, em muitas coisas. Se o Touga seguisse o mangá seria o ouji-sama (*príncipe*), que se redimiu de um início meio pecador. No anime, não houve redenção, ele segue canalha, e mais até que o vilão, Akio, até o fim. Se seguissem o mangá, Juri não seria lésbica, nem teria sua história própria, ficaria orbitando os homens da história. A mudança foi muito bem-vinda. E teve Nanami, que no mangá era simplesmente uma menina em uma foto... Agradecimentos ao Kunihiko Ikuhara.
É possível ainda, gostar tanto da adaptação quanto do original. Para isso, saio do mangá e cito o clássico do cinema E o Vento Levou... Eu amo o livro original, queria uma nova adaptação em formato minissérie que fosse mais justa com algumas personagens, no entanto, que adaptação fantástica! Essencialmente, está tudo ali. E colocar em um filme um livrão enorme e cheio de detalhes não é para qualquer um, não! Há perda, mas há compensações que só o cinema pode dar. Leia o livro e veja o filme. Se quiser o melhor de dois mundos, pegue o mangá de E o Vento Levou..., Kate to Tomo ni Sarinu (風と共に去りぬ), de Tsukumo Mutsumi. A autora usou o livro que integralmente e a referência visual do filme. Só falta a música, mas você pode folhear ouvindo a trilha sonora original. ^_^
De resto, lembro-me de uma discussão em uma lista americana, vários anos atrás, na qual alguém estava reclamando que somente os mangás mais surtados de Chiho Saito tinham saído nos EUA. Diziam que, em Shoujo Kakumei Utena, o Kunihiko Ikuhara – que dirige as versões animadas e participou da criação do mangá – estava sob controle, tomando drogas leves, mas que em S to M no Sekai (SとMの世界), e eu diria nas fases finais de Sailor Moon que ele dirigiu, ele estava tomando umas coisas realmente pesadas. Resumindo, basta ter bom senso e o novo anime de Sailor Moon, se sair mesmo, pode ser muito bom. Exemplos de reboot de qualidade existem, o melhor deles é o novo Patrulha Estelar (宇宙戦艦ヤマト), que deu às mulheres na série muito mais espaço e dignidade. Sim, rompeu-se o complexo de smurfette e ficamos todos felizes. Agora, é esperar.
Considero Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ), a série de TV, muito superior ao mangá. No anime são introduzidas personagens novas e a personalidade de algumas delas é mudada. Chiho Saito é bem convencional, deliciosamente convencional, eu diria, em muitas coisas. Se o Touga seguisse o mangá seria o ouji-sama (*príncipe*), que se redimiu de um início meio pecador. No anime, não houve redenção, ele segue canalha, e mais até que o vilão, Akio, até o fim. Se seguissem o mangá, Juri não seria lésbica, nem teria sua história própria, ficaria orbitando os homens da história. A mudança foi muito bem-vinda. E teve Nanami, que no mangá era simplesmente uma menina em uma foto... Agradecimentos ao Kunihiko Ikuhara.
É possível ainda, gostar tanto da adaptação quanto do original. Para isso, saio do mangá e cito o clássico do cinema E o Vento Levou... Eu amo o livro original, queria uma nova adaptação em formato minissérie que fosse mais justa com algumas personagens, no entanto, que adaptação fantástica! Essencialmente, está tudo ali. E colocar em um filme um livrão enorme e cheio de detalhes não é para qualquer um, não! Há perda, mas há compensações que só o cinema pode dar. Leia o livro e veja o filme. Se quiser o melhor de dois mundos, pegue o mangá de E o Vento Levou..., Kate to Tomo ni Sarinu (風と共に去りぬ), de Tsukumo Mutsumi. A autora usou o livro que integralmente e a referência visual do filme. Só falta a música, mas você pode folhear ouvindo a trilha sonora original. ^_^
De resto, lembro-me de uma discussão em uma lista americana, vários anos atrás, na qual alguém estava reclamando que somente os mangás mais surtados de Chiho Saito tinham saído nos EUA. Diziam que, em Shoujo Kakumei Utena, o Kunihiko Ikuhara – que dirige as versões animadas e participou da criação do mangá – estava sob controle, tomando drogas leves, mas que em S to M no Sekai (SとMの世界), e eu diria nas fases finais de Sailor Moon que ele dirigiu, ele estava tomando umas coisas realmente pesadas. Resumindo, basta ter bom senso e o novo anime de Sailor Moon, se sair mesmo, pode ser muito bom. Exemplos de reboot de qualidade existem, o melhor deles é o novo Patrulha Estelar (宇宙戦艦ヤマト), que deu às mulheres na série muito mais espaço e dignidade. Sim, rompeu-se o complexo de smurfette e ficamos todos felizes. Agora, é esperar.
1 pessoas comentaram:
Essa é uma questão muito polêmica. Não vou dizer quem foi quem me falou isso, porque ela trabalha com quadrinhos e volta e meia está na mídia – mas ela detesta o anime de Utena por achá-lo rodriguiano e gosta bastante do mangá.
Então vou ficar no meu terreno: de um lado, eu gostei bastante do novo Patrulha Estelar – talvez seja uma aula de como se fazer um remake (e sim, gostei do emprego das mulheres; poderia ter sido algo como o questionável reboot do galactica, que mudava personagens de gênero sem critério; pode reparar que as mulheres, aqui, nasceram da "desesmurfettização" da Yuki/Lola, nascendo de suas funções na maioria dos casos), mas do outro houve um esvaziamento medonho da figura do Desslar/Desslok que pesou contra a série. Não se dá ideia do porque ele era um grande vilão; virou um personagem blasé (só nos últimos episódios que ele aparece ele perdeu o ranço bishonen no character design que prejudicava sua atitude) e suas atitudes se tornaram questionáveis. A própria remoção da motivação básica de Desslok – o fato de que Gamilon (e por tabela Iscandar) estava para ser destruída – prejudicou muito o personagem.
Por outro lado, isso não prejudicou a qualidade do material como um todo, que de modo geral, conseguiu jogar o que era água suja sem jogar o bebê fora, como você costuma dizer.
Mas remakes e adaptações sempre, SEMPRE vão ser polêmicos.
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