segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sobre a demonização de Isis Valverde ou Tem Gente que ainda acredita em Serpente e Paraíso Perdido


 Estou sem tempo para postar... na verdade, é raro ter um tempinho para me concentrar no blog esses dias.  Só que queria comentar esta nota  que saiu na Folha de São Paulo:
A Globo está preocupada com a repercussão da minissérie "Amores Roubados", que estreia em janeiro.  Não param de chegar e-mails na emissora criticando Isis Valverde, protagonista da trama. Ela é apontada como o pivô da separação de Cauã, que também está na produção, e Grazi Massafera. Há sugestões para que a Globo troque o nome da minissérie.
Para quem não sabe, Grazi Massafera e Cauã Raimond se separaram.  O colunista de fofocas do Jornal O Dia, Leo Dias, tinha comentado isso no meio do ano.  Sim, eu leio um monte de inutilidades, porque esses e tantos outros discursos nos ajudam a entender os mecanismos que movem a sociedade em que vivemos.  Só não comento, salvo se necessário... Pois bem, a história fio veementemente negada pelo galã, mas a confirmação veio à tona em outubro.  O suposto pivô da separação é a também atriz global Isis Valverde.  Ela era uma das queridinhas do momento, mas, de repente, virou a destruidora de lares, a serpente traiçoeira que destruiu um casamento perfeito.  Eu realmente acredito que a Globo esteja preocupada com a audiência, aliás, é uma preocupação permanente da emissora hoje, mas duvido que o desempenho da série seja inferior a outras no mês do BBB.  Se a tal minissérie render mal, culpem o BBB que prejudica o horário da programação em janeiro.



Mas vamos ao causo principal, a demonização da Isis Valverde e somente ela nessa história.  Em primeiro lugar, não tenho simpatia por quem trai.  Salvo em relacionamentos abertos, está em erro quem deliberadamente se envolve com alguém que tem um compromisso.  Mas não é crime e não torna você um monstro.  Outra coisa, se você está em um relacionamento fechado e trai, ele não está lhe satisfazendo, há algo faltando.  Seria mais adulto e respeitoso abrir o jogo, pesar se vale a pena continuar, ou pular fora.  Não estou dizendo que é fácil, mas, sim, que seria o mais digno a fazer. 

Segundo, tem mais responsabilidade a meus olhos quem está casado, ou tem um compromisso, e trai.  Até hoje me lembro quando eu era criança, uns 9, 10 anos, e minha mãe demorou muito a chegar em casa.  Quando voltou, contou que estava tentando acalmar uma moça, uma desconhecida, que ela encontrara em prantos no ponto de ônibus.  A menina era noiva, estava de casamento marcado e pegou o futuro marido com outra.  Segundo minha mãe, a moça sentia-se culpada porque tinha cometido uma violência.  “Contra a outra?”, perguntou minha mãe.  “Não!  Bati no meu noivo.”, respondeu a garota.  “Fez bem!  Bateu na pessoa certa!  Era ele que tinha compromisso com você.”, foi a resposta da minha mãe e eu guardei como lição.  Claro, que a coisa pode ser mais complexa que isso, caso a/o amante seja uma pessoa próxima, amiga.  Deve doer muito mais.  ´



É curioso como em nossa sociedade machista, a grande responsável pela traição seja a amante, a sedutora.  Somos jogadas umas contra as outras, porque, bem, meu homem é minha vida... E isso vale para quem depende economicamente, ou não.  São papéis de gênero reiterados, assim, a boa mulher perdoa, é amável, aceita o arrependimento do traidor, seja por sentimento ou interesse.  Não raro, também, a mulher traída é levada a se sentir culpada ou envergonhada.  Será que ela desagradou o amado?  Não foi atenciosa o suficiente?  Exigiu demais?  Relaxou nos cuidados com ele ou com si mesma (*engordou/envelheceu/peito caiu, etc.*)?  Será que o sexo (*quando vem ao caso*) não é bom para ele?  E por aí vai... qualquer revista feminina mensal elencaria outras razões.

O tempo passa e não percebemos o quanto somos levadas, nós mulheres, a odiar outras mulheres.  Lembro do caso da Sheila Carvalho, traída pelo marido publicamente, enquanto estava na Fazenda.  Quando saiu, ela perdoou o sujeito – direito dela, aliás – e está processando a amante do cara.  Não digo que não tenha motivo, a moça disse um monte de bobagens, mas veja como a história se encaminhou.  Sheila foi xingada de “corna” e várias outras coisas em portais e redes sociais.  Uma das questões que os comentaristas sempre levantavam era o fato dela, supostamente, sustentar o marido. Mulher não sustenta marido e, se o faz, é motivo de chacota, ainda mais quando perdoa uma traição... 



Curiosamente, vejo nos mesmos meios o apelo para que Grazi perdoe o marido e volte com ele ou para ele ou o aceite de volta, sei lá... Não sei se ela seria xingada, também, caso reatasse,  acredito que, sim, só que eles são um casal modelo, e com a filhinha, eram a perfeita família margarina.  Sério!  Eu até me comovi com a propaganda de tinta que os dois fizeram... E chegamos a um ponto importante: eles têm vários contratos comerciais como casal, assim, sua (suposta) felicidade conjugal é um produto.  Talvez, a separação gere até multas para ele, ou ambos.  Mas eis que se ligarmos a TV, vemos Cauã Raimond estrelando sozinho a campanha de uma grande marca...

Para concluir, não creio que esse escândalo vá arranhar a carreira de Isis Valverde.  E ela é muito talentosa e carismática.  Ela vai carregar a má fama, mas isso nunca foi de grande problema no meio artístico brasileiro.  A carreira de Cauã Raimond nem se fala.  Ele está muito bem, se a minissérie fracassar não será por sua culpa e, talvez, as novas campanhas paguem o prejuízo que ele deve ter tomado.  Grazi Massafera, de quem eu gosto muito, tem a imagem ideal para ocupar o lugar da mulher-vítima-virtuosa: loura, linda, com uma filhinha.  Ser morena pesa contra Isis, acreditem.   Morenice pode ser tomada como um dos códigos da sedução. Mas ainda há quem jogue, alguns poucos machistas que têm coragem de colocar por escrito essa velha ladainha, “será que Grazi não mereceu?”.  Nenhuma mulher é integralmente vítima... Obviamente, ela precisa manter o luto por algum tempo, pois se aparecer com outro amor, será apedrejada.  Afinal, “mulher direita” sofre, se isola, só com muito custo retoma a vida amorosa... 



Lamentável é que em pleno século XXI ainda tenhamos esses papéis vendidos pelos meios de comunicação e tão marcados no imaginário coletivo: a mulher má, sedutora, destruidora de lares; o homem seduzido pela mulher predadora, mas que mostra ter bom gosto e ser viril ao trair; e a mulher vítima, traída, virtuosa, mas sobre quem pesa sempre a suspeita... Depois, ainda vem gente dizer que não precisamos mais do feminismo... 

4 pessoas comentaram:

Essas situações de demonização são bizarras mesmo. Como se o cara tivesse traído apenas por conta da sedução da 'outra' e não porque queria. Afinal o que ela é? Uma súcubo? Uma sereia?
Engraçado é que, caso a moça realmente tivesse tentado seduzir o rapaz e ele recusasse, provavelmente seria criticado por não 'aproveitar', e talvez até surgissem dúvidas sobre sua masculinidade.
Como falta educação pra esse povo.

Concordo muito com a sua visão sobre o papel da mídia e suas inutlidades. Sobre esse caso em especial é interessante como a mídia finge agir com condescencia, mas ao mesmo tempo critica e joga o público contra.
Vejo muito isso com a Bruna Marquezine, por exemplo. Em todo canto enchem de matérias fúteis sobre ela, o que só faz o público a destestar cada vez mais. De uma atriz que todo mundo achava talentosa, hoje é uma vagabunda golpista.
Sobre a Ísis,vejo noscomentários dos grandes portais o velho machismo de sempre contra ela, mas tem muitas vozes discordantes tbm. Só que o tipo de notícia que sai influencia muito na hora de empatizar com alguém. Ex:"após escandalo, Isis é vista se divertindo...se beijando com outro e tals". Um julgamento que é vendido de forma sutil e envenena os outros.
Aliás, a própria Ísis já foi criticada por sustentar o ex namorado, que teria largado o emprego e mudado de estado para ficar perto dela.
Eu fico com pena da Ísis que já foi muito chingada em suas redes sociais e até em um shopping! Queria entender o que motiva as pessoas a se incomodarem tanto com a vida dos outros e se meter!

Valéria, que excelente análise sobre o caso em comento! Interessante e triste o estigma da mulher nessas situações, bem como o papel (aliás, o que deixa de fazer) da mídia que dita regras e a sociedade tudo aceita sem reagir (inclusive, as próprias vítimas, aposto que muitas mulheres lêem a fofoca - isso, se a fofoca procede, não sabemos ao certo - e culpam somente a Isis).

É por isso que sempre que surge a discussão sobre a igualdade entre homens e mulheres nas conversas e alguém quer, a todo custo, afirmar que hoje existe essa igualdade, eu me lembro de cada post que você escreve comentando esse tipo de coisa. Aliás, o caso da Isis me lembra o da Kristen Stewart que você comentou outrora.

Patético, retrógrado, previsível e um tanto quanto comum, infelizmente.

Imagino como foi para a protagonista de "Crepúsculo" estar em uma situação ainda "embaraçosa" para os padrões morais de hoje em dia, como "a que traiu". Também desaprovo sem pestanejar a traição, até porque sou casado e com certeza não saberia lidar racionalmente com a situação - se me conheço seria, seria quase que exclusivamente Passional... Mas referente à situação de Isis Valverde,o que me intriga ainda mais, é como essa história pode afetar um de seus trabalhos. O brasileiro ri quando ouve a letra de um funk que fala sobre traição. O brasileiro (o homem, em sua maioria, e muitas mulheres, claro) acha engraçadinho e instigante esse tipo de assunto em rodas de bares, festas de empresa, e afins...mas aí quando ocorre com atores globais, a comoção causada pela opinião pública preocupa a emissora, por causa da porcaria do ibope. A mesma emissora que inúmeras vezes apresenta obras com esse tipo de conteúdo, com a narrativa muitas vezes justificando a traição da "mulher mal amada", do "homem realizado x a esposa desleixada", ou da "ninfeta misteriosa e deslumbrante".E todos que atacam pedras nessa moça - e em qualquer outra, aqui do Brasil ou de outros países - consomem esse tipo de material.

É doentio e sinceramente só me deixa ainda mais entediado com a sociedade em geral.

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