Domingo passado, assisti a última filmagem de Anna Karenina – um dos livros campeões de adaptação para o cinema – dirigida por Joe Wright (Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação) com roteiro de Tom Stoppard (Shakespeare Apaixonado, Parade’s End). Eu queria ter visto no cinema, mas não consegui. Infelizmente, a locadora não comprou o Bluray, mas o DVD simples, porque, bem, não é um filme para todo mundo... Sei... Sei... Enfim, mais uma vez, Joe Wright escalou Keira Knightley, sua musa, para o papel da protagonista. E, bem, ainda não me decidi sobre quem estava mais fora do lugar, se ela, ou Jude Law, que deveria ser e parecer um ancião. De qualquer forma, o filme é lindo de se ver e Joe Wright se mostra cada vez mais competente na composição do espetáculo visual, mas superficial e sem a densidade dramática que Anna Karenina exigia. Enfim, vamos lá:
Anna Karenina é considerado por muitos o melhor romance de Tolstoi, por outros, o melhor romance do realismo russo, e há ainda especialistas que o reputam como o maior romance do gênero já escrito no mundo. Daí, vocês já tiram o peso da obra dentro da literatura mundial. Na tentativa de resumir um livro gigantesco, há duas histórias que correm paralelas no filme, a mais importante conta como Anna Karenina (Keira Knightley), mulher de seus trinta anos, moralmente inatacável, e casada com um homem vinte anos mais velho (Jude Law), cai em desgraça ao se apaixonar pelo jovem oficial Vronsky (Aaron Taylor-Johnson) e decidir assumir publicamente seu romance. A outra história fala sobre o amor do virtuoso Levin (Domhnall Gleeson), amigo do irmão de Karenina, Stiva (Matthew Macfadyen), pela jovem Kitty (Alicia Vikander), no início da história apaixonada por Vronsky, e os percalços enfrentados por ambos até que finalmente conseguem ser felizes juntos.
Primeira conclusão óbvia: é impossível adaptar razoavelmente um livro como Anna Karenina em duas horas, ainda mais tentando costurar as duas tramas principais ao mesmo tempo. Segunda coisa, podem me chamar de (pre)conceituosa, mas Keira Knightley com seu riso fácil, seu jeito coquete e abusado com o marido, não consegue convencer como uma mulher virtuosa e séria em nenhum momento, ela sempre me soa falsa, fora do lugar, da mesma forma que me pareceu em Orgulho e Preconceito. Não a considero uma má atriz, mas ela é tão superestimada, que é difícil vê-la produzindo uma interpretação convincente, especialmente, em filmes de época. Terceiro, Jude Law nem com a maquiagem consegue convencer como um homem vinte anos mais velho que Keira Knightley. Deveriam ter escalado um ator mais velho, ou fazê-la parecer, também, mais jovem. Sinceramente? Não funcionou.
Onde o filme pontua alto é no visual. É bonito, é elegante, e a opção por tentar fazer parecer que tudo se passava dentro de um palco, com cenários se montando e desmontando, com as cenas se desdobrando uma das outras, ficou muito legal. Só que, a partir de um determinado momento, parece que a idéia foi abandonada ou negligenciada. Será que não prestei atenção? O recurso do palco é usado durante toda a primeira parte, mas, depois, vai se perdendo. Houve também o uso de certas estratégias já vistas em outros filmes do diretor, como o casal apaixonado que parece aos nossos olhos dançar sozinho no salão. Outro recurso, este usado à exaustão, é o do congelamento do elenco em passagens mais densas, com somente os protagonistas se mexendo. É uma idéia que me agrada, mas deve ser usada com parcimônia.
Dos filmes que vi do Joe Wright, Anna Karenina é o mais bonito e chamativo, mas o melhor executado de longe é Desejo e Reparação. Enfim, essa nova adaptação foi feita focando em um público jovem, bem mais jovem que eu, e reforça a idéia de que o visual deve prevalecer sobre a força da história e das interpretações. Além disso, ao tentar combinar comédia – vejam a forma como Matthew Macfadyen interpreta Stiva – e tragédia, consegue se sair melhor no primeiro gênero do que no segundo, que daria o tom à história de Anna Karenina.
Fora isso, o filme apresenta muito bem a dupla moral que rege o patriarcado. Ainda que tenhamos um Alexei Karenin – marido da protagonista – capaz de perdoar e esquecer, porque, bem, ele tem o direito de exercitar a sua magnanimidade e ama a esposa, Anna é impiedosamente condenada pela sociedade. Anna e o irmão cometem o mesmo crime/pecado, afinal, tudo começa com Karenina tentando reconciliar Stiva e a esposa, Dolly, depois que esta descobre que ele a traiu com a governanta da casa. Como “a família vem em primeiro lugar”, a esposa cede e termina se acomodando ao fato de Stiva continuar a traí-la em bases regulares. Ele não consegue resistir, não se trata de paixão, é simplesmente uma expressão do seu privilégio de macho. Já quando Karenina, arrastada pela paixão, decide viver com o amante, mesmo o irmão lhe fecha as portas de sua casa. Não existe reciprocidade no tratamento. Há inclusive uma (ex) amiga da protagonista que diz para Vronsky que se Karenina tivesse cometido um crime, as portas de sua casa estariam abertas para ela, mas ela feriu os costumes, isto é, saiu de casa para morar com o amante e acredita que pode continuar convivendo na boa sociedade.
Curiosamente, as portas das grandes famílias continuam abertas para Vronsky, ainda que sua mãe, a Condessa Vronskaya (Olivia Williams), lhe chame a atenção para o papel ridículo que está fazendo. Afinal, é elegante que um rapaz complete sua educação tomando como amante uma mulher casada, mas, não, que decida transformá-la em companheira. Está claro que, a partir do momento que ele abandonar Karenina, seu espaço na boa sociedade está garantido. Falando em Vronsky, Aaron Taylor-Johnson está bem no papel e convence, mas o filme tira dele a carga trágica. Por exemplo, sua tentativa de suicídio quando o marido de Karenina o perdoa é omitida. Também existe um esforço de torná-lo um amante mais que dedicado, mesmo quando Karenina mergulha na paranóia de que está sendo traída e no vício pela morfina. Enfim, o pior é assistir ao filme e ver que praticamente todos os atrizes e atores, mesmo os que estão em papéis minúsculos, como Holliday Grainger, que faz uma baronesa devassa anônima, convencem em sua interpretação, enquanto o calcanhar de Aquiles da produção parece ser Keira Knightley.
Em nenhum momento, ela me passa dúvida quando tentada a trair, a atriz parece interpretar o papel sem a gravidade e tragicidade necessárias. Karenina parece sempre insolente e desprovida de qualquer remorso. As afrontas que faz ao marido, a forma como ela decide ir ao teatro a despeito do pedido de Vronsky, tudo a torna muito antipática. Lembro de uma das versões que vi criança, acredito que a com Vivien Leigh, mas não tenho certeza, fazia com que eu tivesse pena da protagonista, ainda que não gostasse dela, por ser privada de ver seu filho. Me recordo da personagem batendo em vão nas portas fechadas e do suicídio dramático. Afinal, ao romper com o marido, ela fizera uma escolha. Neste novo Anna Karenina, mesmo esta questão parece de menor importância. O chato é que Michelle Dockery (*Lady Mary de Downton Abbey*) ou Ruth Wilson (*Jane Eyre de 2006 com um terrível visual platinado*) com certeza fariam uma Anna Karenina muito mais competente que Keira Knightley, mas estão no filme somente para lhe servir de escada. Falando em excelentes atrizes, Alicia Vikander, de A Royal Affair, consegue ser uma das melhores coisas do filme. Ela tem futuro.
Enfim, este Anna Karenina cumpre a Bechdel Rule? Acho que não. Temos várias personagens femininas com nomes e que conversam entre si, mas o teor dessas conversas sempre parece ser algum homem, filho, amante ou marido. Talvez, eu esteja sendo injusta na avaliação, mas, no geral, foi um filme bem decepcionante. Reforço que é difícil adaptar um livro tão grande para duas horas, ainda assim, Stoppard e Wright poderiam fazer melhor. De qualquer forma, acho que agora achei um Karenina que me convença de verdade, pois, graças ao filme, fui atrás da minissérie da BBC de 1977. Nicola Pagett é a primeira Karenina que me convence tanto como a mulher virtuosa, quanto como a pecadora. Competente, elegante e bonita ao mesmo tempo. Essa minissérie da BBC é considerada a melhor adaptação do livro, com a vantagem, claro, de ter dez episódios para contar a história. É isso. Assista Anna Karenina com Keira Knightley por sua conta e risco, pois o filme poderia, sim, ser muito melhor realizado.
3 pessoas comentaram:
Querida Valéria,
quase nunca comento, mas acompanho o Shoujo Café há um tempo já, no início, meu interesse principal era o tema dos mangás. Hoje, o que mais me interessa e cativa no site são as discussões sobre o papel da mulher na sociedade e as suas resenhas sobre filmes e séries, que amo. Você consegue resumir muito bem a história de forma objetiva, ao mesmo tempo que aponta impressões pessoais, mas pertinentes que raramente vejo em outras resenhas. Gosto tanto das suas resenhas, que leio praticamente todas, mesmo de títulos que aparentemente não tinha interesse algum. Ah, por causa de você, no final de todo filme que eu assisto, analiso o mesmo sob a "Bechdel's Rule" =)
Um abraço, Isabela.
Quase assisti essa versão de Anna Karenina, pelo amor que tenho pelo livro.Mas o que mais me desanimava era a escolha da Keira Knightley pro papel da Anna.Não acho que ela seja uma boa atriz.Enfim, depois da sua resenha, não vou mesmo ver...
Valéria, vc já assistiu o filme de 1997?Tem baixa classificação no IMDB, mas a atuação da Sophie Marceau como a Karenina é ótima!
Eu me senti completamente envolvida pelo Vronsky interpretado pelo Aaron, eu gosto muito do ator e acho que ele conseguiu ser bem expressivo ao longo do filme.
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