terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Comentando Les Adieux à la Reine (Adeus, minha Rainha, 2012)



Demorei uns três dias para terminar de assistir Les Adieux à la Reine, filme francês estrelado por Léa Seydoux e Diane Krüger, que abriu o Festival de Berlim do ano passado.  Quando soube do filme, criei grandes expectativas a seu respeito, ao assisti-lo, no entanto, não consegui me empolgar tanto assim com ele.  Se comparado com A Royal Affair, trata-se de um filme muito inferior, ainda que tenha seus momentos e seja visualmente muito bonito.  Talvez o ponto de maior destaque da película seja conseguir apresentar de forma elegante e não-ofensiva (*explico mais a frente*) uma Maria Antonieta lésbica.

Sidonie Laborde (Léa Seydoux) é leitora adjunta da Rainha Maria Antonieta (Diane Krüger) e através dos seus olhos acompanhamos os dias subseqüentes ao 14 de julho e a Queda da Bastilha.  Enquanto tudo desmorona ao redor, a Rainha Maria Antonieta planeja a fuga da família real para Metz.  Sidonie não acredita no que está acontecendo e teme pela vida de sua adorada soberana, especialmente, quando o Rei decide ficar em Versalhes.  Por fim, a moça recebe uma ordem da Rainha: tomar o lugar da Duquesa de Polignac (Virginie Ledoyen), e ajudar a criar um engodo que permita a fuga da predileta da Rainha, uma das mulheres mais odiadas da França, para a Suíça.  Sidonie não tem outra opção a não ser obedecer e dizer adeus para a Rainha com a certeza de que nunca mais voltará a vê-la.


Les Adieux à la Reine é um filme de poucas personagens, muitas cenas internas e centrado nas mulheres e seus sentimentos e ações.  O figurino é um dos pontos altos da película com lindíssimas e variadas roupas com o mais diferente grau de formalidade e beleza. É possível observar, por exemplo, o que a Rainha usava em seus momentos íntimos e a pesada roupa de corte que exigia, também, uma pesada maquiagem. Considero este o grande trunfo de um filme que nunca consegue empolgar, ainda que tenha algumas boas cenas.  Léa Seydoux faz uma personagem discreta, que apaixonada pela Rainha, dedica-lhe aquilo que nos animes e mangás é chamado de akogare (*adoração, veneração*), sabendo que nunca será correspondida.  Independente disso, ela está disposta a morrer por Maria Antonieta e se recusa a acreditar nas críticas que são feitas à soberana.  Sidonie parece oscilar entre a timidez e a tristeza.  Curiosamente, a atriz, muito bonita, tem um ar melancólico mesmo em fotos da estréia do filme.

Diane Krüger faz uma excelente Maria Antonieta, talvez a melhor que eu tenha visto.  A atriz alemã oscila entre uma frivolidade, que funciona como fuga da realidade, afinal, a Rainha sabia que o mundo ao seu redor estava ruindo, e uma postura arrogante, que reafirmava a todo momento os privilégios reais, o direito divino dos reis e rainhas.  A atriz também conseguiu incorporar o carisma da rainha que conseguia inspirar fidelidade e carinho em seus servidores.  Agora, as cenas mais tocantes são aquelas em que Antonieta declara seu amor pela favorita, Madame Polignac.  Não se trata ali, e o filme não nos tenta enganar, de declaração de amizade somente, mas de um amor – que envolvia muito provavelmente o sexual – e que não podia se concretizar plenamente.  Sidonie, que funciona como confidente, fecha os olhos e, muito provavelmente, imagina como seria bom se ela pudesse despertar tal afeto na soberana.


Só que o objeto do sentimento extremado é a Polignac. No filme, todos, menos a Rainha e, no início, Sidonie, parecem odiar a mulher que era identificada como uma das razões da impopularidade de Antonieta.  Virginie Ledoyen, que interpreta a personagem, passa uma imagem fria mesmo na cenas em que demonstra afeto pela Rainha.  Eu realmente não gostei do tom da interpretação.  Se bem me lembro das leituras de Antonia Fraser, Polignac era interesseira, mas tinha devoção pela Rainha e não queria partir.  No filme, Polignac parece fingir afeto e amizade, quando recebe autorização da Rainha para fugir (*Antonieta a obriga a ir*), ela o faz com uma leveza muito grande.  A Polignac de Les Adieux à la Reine lembra a fria e interesseira vilã da Rosa de Versalhes.

Uma das questões que despertou algumas críticas ao filme – uma das mais fortes da historiadora  Évelyne Lever - é a homossexualidade da Rainha.  Que Antonieta não tinha paixão pelo Rei, é fato mais que sabido e os historiadores e historiadoras não perdem tempo discutindo a questão.  Ela era fiel ao Rei, na medida em que não o abandona depois da Queda da Bastilha.  O Rei se recusa a fugir, a Rainha, odiada por boa parte do povo, não foge e, para piorar, os filhos ficam, também.  Bem sabemos que a fuga poderia ter preservado sua vida e de seus filhos.  O único caso extra-conjugal  de Antonieta que parece ter indícios suficientes é o com o Conde Fersen, personagem que nem aparece ou é citado no filme.  Évelyne Lever afirma em sua biografia da rainha, que eu li e não gostei, que é algo indiscutível; Antonia Fraser, que é muito mais justa com Antonieta, afirma que é difícil afirmar, já que as cartas de Fersen foram censuradas antes da publicação.  


O problema é que a homossexualidade da Rainha estava ligada aos infames panfletos pornográficos que visavam desqualificar a soberana alvejando também suas amigas mais íntimas, Polignac e a Princesa De Lamballe.  Há quem veja nas amizades femininas um perigo, quem acredite que o natural das mulheres é se odiarem e brigarem entre si.  Maria Antonieta era muito efusiva em suas amizades íntimas e alvo preferencial das críticas que levaram à Revolução.  Quem leu o mangá, ou assistiu o anime da Rosa de Versalhes, deve lembrar de quando Jeanne acusa Oscar de ser amante da Rainha.

Esses panfletos são os únicos documentos de época que parecem tocar na questão e, pela sua própria natureza, apontam muito mais para o ódio contra a Rainha estrangeira e o desprezo pela homossexualidade feminina, encarada como pecado e falha de caráter.  O mérito do filme, e isso está no romance original de  Chantal Thomas, é que a questão aparece de forma tão humana, tão terna, graças à interpretação de Diane Krüger e de  Léa Seydoux, que comove.  Já Virginie Ledoyen faz uma Polignac tão antipática que eu acabei pensando “Antonieta, ela não merece seu amor”.   De qualquer forma, o mérito do filme é colocar a questão, que na sua época foi usada de forma vil e cruel, de forma delicada e simpática.  Não passei a ver Maria Antonieta como homossexual, nem imaginar que os panfletos tinham algum fundo de verdade, mas admiro a forma como o filme reinventou a questão e a inseriu historicamente sem ferir a imagem da Rainha.


Outro mérito do filme é mostrar a desagregação da monarquia a partir de Versalhes e isso em um espaço de tempo de poucos dias.  Aliás, o palácio no filme parece um grande cortiço no qual se amontoavam e se misturavam pessoas dos mais diferentes níveis, da nobreza ao mais baixo estrato da criadagem.  Isso não é historicamente impreciso, aliás, mas nunca vi um filme que representasse a coisa tão bem.  A fuga da nobreza, a retirada de bens e jóias, a deserção dos criados, a liberdade de criticar que os lacaios passam a exibir em relação aos seus superiores, tudo isso é bem apresentado pelo filme.  Algumas cenas poderiam ser usadas para dar aulas sem problema.  Só que no todo, o filme me pareceu frio, e até um tanto desarticulado.

Além das três personagens citadas, há várias outras, como o livreiro de Versalhes, uma espécie de amigo e tutor de Sidonie, Honorine (Julie-Marie Parmentier), uma criada que é o que mais próximo de uma amiga a protagonista tem.  Há o gondoleiro Paolo (Vladimir Consigny), que não tem muita função no filme e ainda tem uma cena de quase sexo com Sidonie que pouco se articula ao roteiro e condiz com a personalidade da moça.  Lembrou um pouco uma cena semelhante em A Moça com o Brinco de Pérola, mas sem estar concatenada com a história como um todo.


Dentre as outras personagens femininas, os maiores destaques são a primeira dama de quarto da Rainha, Madame Campan (Noémie Lvovsky), e a estilista de Antonieta, Rose Bertin (Anne Benoît).  Madam Campan, que é colocada muito mais velha no filme, foi uma das companheiras mais fiéis da Rainha, ficando ao seu lado enquanto pode, tornando-se uma das grandes fontes sobre os últimos dias da soberana.  Na película, Campan se mostra zelosa e ciumenta em relação á Antonieta e é visível seu desprezo pela Polignac, que ela percebe como uma das razões da desgraça de sua senhora.  Bertin está no filme para alimentar os momentos de frivolidade da Rainha e tentar explorar Sidonie.  O filme, nem preciso dizer, cumpre bem a Bedchel Rule.  Os assuntos principais das mulehres do filme são a Revolução e a Rainha.

É isso.  Não sei quando e se o filme estreará no Brasil.  A Royal Affair estreou semana passda, mas vem carimbado por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.  Les Adieux à la Reine deve ir direto para vídeo, ainda que possa ter sido exibido em algum festival, duvido muito que estreie no grande circuito.  Recomendado para quem gosta de filmes históricos (*ainda que não seja dos melhores*), para quem quer uma abordagem sensível das relações lesbianas e para quem gosta de observar a moda das vésperas da Revolução Francesa.  Eu daria um 6,5 para Les Adieux à la Reine.  para quem quiser um bom livro sobre Maria Antonieta, recomendo a biografia escrita por Antonia Fraser, está esgotada, mas pode ser encontrada em sebos.

1 pessoas comentaram:

Excelente crítica, vi hoje o filme, que foi integrado, cá em Portugal, na Festa do Cinema Francês, passando numa iniciativa complementar da televisão generalista. Concordo em vários pontos com a sua análise, pois o filme, embora tenha alguns pormenores interessantes, esmorece no conjunto, não havendo propriamente um climax nem grande cativação para o público enquanto o vê. Gostei, no entanto, do papel da Léa que é bastante misterioso e quase incompreensível tamanha dedicação, mesmo que reforçada pelo tal amor secreto que tem pela Rainha. Da Diane Kruger, admito que não gostei tanto, achei a personagem um pouco distante do imaginário que tenho da Antoinette, mas talvez esteja minada pela construída no filme da Sophia Coppola. Já Ledoyne partilho da opinião que é uma personagem hostil, desprovidade de grande profundidade ou qualquer mostra de admiração ou preocupação pela Rainha, dando mais a ideia de a desprezar ou usar para os seus fins.

Interessante espaço, virei mais vezes no futuro.
Deixo também o endereço do meu: www.cinemaschallenge.com

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