Terminei de assistir Amor (Amour), filme que concorre merecidamente ao Oscar como Melhor Filme e melhor Filme Estrangeiro. Não pretendo me alongar muito, o filme me deixou exaurida e depressiva. Agora, uns dez minutos passados do final do filme, estou sentindo um forte impulso de me debulhar em lágrimas. Os filmes que mais me tocam, geralmente me provocam choro retardado... Enfim, não me lembro de ter visto nenhum filme de Michael Haneke, renomado diretor austríaco, e ele também escreveu o roteiro original. Segundo o IMDB, parte da situação central do filme é inspirada no processo de morte de uma tia dele. O filme foi amplamente aclamado, recebeu a Palma de Ouro em Cannes e melhor filme estrangeiro no BAFTA e em outras premiações.
A história central do filme é fácil de descrever: Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) são dois professores de música aposentados. Casados há muito tempo, ambos estão na casa dos oitenta anos e parecem saudáveis e felizes. Sua única filha (Isabelle Huppert), que é músicista, tem uma carreira internacional bem sucedida e vive sempre viajando. Um belo dia, Anne tem um derrame e sua saúde vai deteriorando ao longo do filme. Seu marido se esforça para cuidar dela e dar-lhe apoio, mas o amor dos dois é colocado em teste devido à situação limite.
Amor é mais um daqueles filmes de um novo filão que tende a se tornar cada vez mais presente e que eu chamo de cinema geriátrico. Com o envelhecimento da população na maioria dos países desenvolvidos e emergentes, como o Brasil, os dramas dos idosos, sua vida cotidiana, sua busca por dignidade e autonomia, seus amores, devem se tornar foco de muitos filmes nessa década em que estamos. Poderia listar vários que estrearam no cinema recentemente ou estão para estrear, como O Exótico Hotel Marigold, E se Vivêssemos Todos Juntos?, e Quartet. Amor talvez seja somente o mais denso de todos eles, aquele que se propõe a mostrar uma faceta pouco feliz da velhice, ainda que derrames possam acontecer com qualquer um de nós.
A interpretação dos protagonistas, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, é tocante. embora ela tenha sido mais indicada do que ele, o papel do marido que se torna prisioneiro da doença da esposa foi excepcionalmente desempenhado. Várias cenas são muito tocantes, como o primeiro derrame, quando Anne perde a consciência e a retoma depois sem lembrar de nada. O pesadelo de Georges também é aterrorizador. E as múltiplas seqüências que expõem a debilidade de Anne destroem qualquer um. no início também fica claro o quão dependente da esposa o marido era. E, por fim, quando Georges começa a imaginar Anne bem, tocando piano ou lavando louça... Prestem atenção no café da manhã, quando Anne levanta-se duas vezes - que eu me lembre - para pegar coisas para o marido. Depois, ele tem que assumir a função. E vejam bem, nossa sociedade (*patriarcal*) culturalmente adestra as mulheres para servir, um homem na mesma função nem sempre consegue se sair bem, mesmo amando muito, caso de Georges. E não estou querendo culpar a personagem, estou somente constatando e lamentando. E digo mais, não queria estar na pele dele.
O amor compartilhado entre os dois, a angústia de parte a parte por causa da doença da esposa, o desgaste emocional, a vontade que tudo termine. Contardo Calligaris escreveu semanas atrás sobre o filme (*ou sobre a temática do suicídio*) para a Folha de São Paulo e fez quatro perguntas: “1) Será que o outro que nós amávamos, se ele pudesse escolher, toparia viver como ele está agora?; 2) Será que o ser do qual cuidamos hoje é o mesmo que nós amávamos antes do acidente, da invalidez ou da demência? Se ele não for o mesmo, será que esse "novo" ser não tem seus próprios critérios do que é uma vida que valha a pena de ser vivida - critérios diferentes dos do nosso amado de antes?; 3) Difícil continuar amando alguém que não nos reconhece mais. Mas será que por isso o deixaríamos morrer - por ele não ser mais aquele ou aquela que amávamos?; 4) Por que sempre chega um dia em que ninguém aguenta mais cuidar? É porque o custo (em todos os sentidos) é excessivo e queremos recuperar nossas vidas? Ou é porque é quase impossível fazer o luto de um amado que já se foi, mas continua de corpo presente?”
É angustiante ver uma pessoa que amamos se desfazendo diante dos nossos olhos. A interpretação de Emmanuelle Riva – que precisa sair com o Oscar hoje – me lembrou em alguns momentos o drama do meu tio. A dor, a vontade de morrer, o tratamento infantilizado dos cuidadores ao redor. É algo terrível. Ao mesmo tempo, o filme foca no principal cuidador, o marido, que tenta levar até o fim a promessa de não internar a esposa. Eu não sei, acho que jamais prometeria. Em vários momentos do filme me perguntei por qual motivo não havia uma enfermeira na casa. O esforço de fazer tudo a seu modo só tornou as coisas mais difíceis. Quando finalmente temos a enfermeira, e depois duas até, a situação já era insustentável. Na verdade, enquanto pode o casal tentou resolver tudo sozinho, a dor e a humilhação da incapacitação física afastando todos para longe, inclusive a filha, que não foi negligente, que fique claro. Ela é impedida pelo pai de participar mais ativamente, já que, quando ainda lúcida, a mãe não queria que ela a visse em situação tão humilhante.
Enfim, Amor não é um filme para todos. Não sugeriria de forma alguma para quem passou por situação semelhante, para quem está depressivo, para quem teme a velhice ou a incapacitação. Não sei nem se deveria ter visto este filme, certamente, ele não me fez bem, só que precisava conferir a obra, ver com meus próprios olhos se todos os elogios ao elenco e diretor eram merecidos. Sim, são. Então, se você quer ver um filme que questiona o quão resistente é o amor quando submetido á condições limites, assista este filme. Acredito que ele tenha chances não somente de receber o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, algo mais que garantido, não de levar pelo menos um dos mais três aos quais concorre: Diretor, Roteiro Original e Melhor Atriz. Daqui a pouco, a gente confere.
2 pessoas comentaram:
Eu não vi o filme, mas conheço a experiência de ver alguém morrer vagarosamente ao longo de anos – e sinceramente, é devastadora. Para todos.
Obrigado pelo post.
Amor (2012)
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