Quinta-feira passada, assisti o filme Bel-Ami filme protagonizado por Robert Pattinson, projetado como ídolo adolescente pela série Crepúsculo. Lembro que, no ano passado, queria ter podido assistir no cinema. Gosto de filmes de época e, embora não leve fé alguma em Pattinson, queria poder prestigiar o trabalho de Christina Ricci, Uma Thurman e Kristin Scott Thomas, que são três grandes atrizes, cada uma a sua maneira e com uma trajetória muito pessoal. Como não tinha lido o livro original de 1885, escrito por Guy de Maupassant, só conhecia a história em linhas muito gerais e nem tinha ido muito atrás de informações mais profundas. Fiz isso somente depois de ver o filme e para tentar compreender algumas dúvidas. Nem todas foram sanadas, aliás. Meu veredito é que se trata de um filme mediano, que só não é ruim, por conta da interpretação das atrizes citadas acima. Mas vamos para uma sinopse rápida.
O filme começa em 1890, com um miserável Georges Duroy (Robert Pattinson) reencontrando um antigo companheiro de exército, Charles Forestier (Philip Glenister). Este mostra alguma compaixão por Duroy e o introduz ao seu seleto círculo de amizades. Com a ajuda da brilhante esposa de Forestier, Madeleine (Uma Thurman), o semi-analfabeto Duroy começa a escrever artigos sobre sua experiência no Marrocos para o importante jornal La Vie Française. Madeleine percebe que Duroy quer seduzi-la, mas se recusa a ter qualquer contato físico com ele e lhe dá uma dica preciosa “As pessoas mais importantes de Paris não são os homens, mas suas esposas”. Duroy se aproxima e seduz Clotilde de Marelle (Christina Ricci). A mulher, casada com um homem quase sempre ausente, ajuda a reforçar a auto-estima de Duroy. Mais tarde, com a morte de Forestier, o protagonista se casa com Madeleine que exige uma relação pautada pela liberdade, igualdade e nenhum surto de ciúme por parte de Duroy.
Casado com uma mulher astuta e politicamente influente, ele, filho de uma família de camponeses pobres, ascende rapidamente. Antes, o jovem só escrevia artigos leves e sobre fofocas pescadas nas conversas com as mulheres, mas Madeleine tenta torná-lo um jornalista “de verdade”, que escreve sobre política e outros assuntos “sérios”. Só que Duroy se sente diminuído, já que a esposa guarda certos segredos, entre eles qual a sua real relação com o Conde de Vaudrec (Anthony Higgins), que sempre visita Madeleine na sua ausência e mal lhe dirige a palavra. Excluído de um negócio vantajoso – que envolvia a invasão de tropas francesas ao Norte da África – Duroy é ridicularizado e ofendido pelo seu chefe, Monsieur Rousset (Colm Meaney), e por sua esposa Madeleine, ambos deixam claro que ele é um idiota com um rosto bonito e nada mais. Ferido no seu orgulho, Duroy inicia um plano de vingança que inclui tomar a esposa do chefe, Madame Rousset (Kristin Scott Thomas), conseguir informações cada vez mais vantajosas e humilhar todos aqueles que se consideravam (*ou eram*) superiores a ele em riqueza, berço ou inteligência.
A primeira coisa a dizer é que o filme Bel-Ami poderia ser muito interessante se tivesse um ator mais competente como protagonista e se fosse um pouco mais longo. A incapacidade de Robert Pattinson para viver um sedutor – que se vê como um prostituto, já que se envolve com mulheres que não aguçam seu desejo para obter vantagens materiais – é patente desde o início. Seu repertório de expressões faciais é restrito e, boa parte do tempo, passa a sensação de desinteresse, quando Bel-Ami deveria enredar as mulheres com seu charme. Quando se envolve com a personagem de Kristin Scott Thomas – uma mulher bem mais velha e que nunca tinha traído o marido – ele passa a idéia de nojo mesmo. Não, depois, quando a humilha e grita que “ele é que era o fodido” na relação estabelecida entre os dois, mas no início. A situação é muito, muito falsa. Aliás, é muito complicado aceitar que Pattinson iria conseguir seduzir Christina Ricci, Uma Thurman e Kristin Scott Thomas de uma tacada só.
Outra coisa que me saltou aos olhos foi a grande diferença de idade entre os atores que interpretaram Forestier e Duroy, afinal, eles eram companheiros de tropa e, não, comandante mais velho e subalterno. Tentei achar na internet alguma referência às idades das personagens no livro, não achei. Mas consegui dar uma olhada na última adaptação francesa e nela Forestier e Duroy são interpretados por atores que aparentam ter a mesma idade. E a minha impressão é que Pattinson era jovem demais para o papel ou parecia jovem demais. O que coloca outra questão, Uma Thurman é muito mais velha que Pattinson e, ao que parece, no livro não deveria ser bem assim. É claro que o filme foi um veículo para a promoção do ator. Só que me parece meio que o tiro que saiu pela culatra, já que Bel-Ami é tudo menos uma história romântica ou que mostre a personagem de Pattinson como um galã. Aliás, ele não transmite emoção nas cenas românticas ou de sexo, nenhuma mesmo. Achei engraçado quando li a crítica escrita com uma moça rasgando elogios para a interpretação de Pattinson e um cretino comentando que não iria perder seu tempo com “histórias água com açúcar”. Bem, bem, Bel-Ami é tudo menos uma história doce.
Ao que parece, o filme foi o primeiro da dupla Declan Donnellan e Nick Ormerod, que vieram do teatro. Talvez, a falta de experiência com o cinema possa ter influído na pressa que senti na primeira metade do filme. É preciso contar rápido a história de como um matuto ingênuo, mas avarento e ambicioso, se torna um sujeito capaz de tudo para se vingar e se dar bem na vida. Uns 15 minutos a mais de filme, ajudariam, permitiriam tratar melhor algumas questões. No entanto, com o protagonista que o filme tem, vai se saber? E não é por falta de atores britânicos competentes, mas uma predileção por um astro adolescente que parece que se acha melhor em cena do que realmente é. Mas aí é falha da direção, já que poderiam, sim, extrair mais de Pattinson. Salva-se o figurino e as atuações femininas.
Tudo o que eu pesquei do livro aponta para uma obra cínica escrita por um autor que estava desencantado com o mundo, ou aquele mundo das intrigas e traições. A obra também é rotulada de Naturalista e eu fico em guarda quando leio essa palavra, pois lembro dos nossos naturalistas aqui e, bem, livros dessa escola tendem a ser ácidos, cruéis. O filme não deixa de mostrar esse foco, está bem marcado na narrativa. Fora, claro, que a história lembra de imediato outra que gosto muito, Ligações Perigosas. Mas o que me chamou mais a atenção foi a personagem de Uma Thurman, porque através dela é possível perceber o quão miserável era a condição das mulheres, mesmo as ricas.
Vejam bem, Madeleine é a personagem mais inteligente do filme, e com o figurino mais bonito, também. Ela lê muito, é bem informada sobre política e economia, é rica, mas é mulher. Ela não pode votar ou ser votada, ela não pode sequer ter propriedades em seu nome sem permissão do marido, ela não teria seus artigos aceitos nos jornais se assinasse com nome feminino. Ah, mas ela disse que as mulheres são mais poderosas que os homens! Disse mesmo, mas só se se mantiverem nas sombras. Madeleine pode até aconselhar o dono do jornal, conversar com ministros, só que ela não pode ser um deles, daí, ela precisa de um homem ao seu lado para falar por ela, entrar em certos círculos. Duroy com sua bela estampa parece perfeito, mas não é. Uma das melhores cenas do filme é quando Duroy confronta Madeleine sobre a questão do Norte da África e os lucros envolvidos e ela diz que ele deveria saber, afinal, ela, Madeleine, não joga bilhar, não participa das rodas de carteado e ele, sim. A personagem de Patinson circula nas rodas de mulheres – pois é belo e sedutor (*a personagem deveria ser*) – e nas dos homens, mas é incapaz de captar as nuances do discurso. Se Madeleine fosse homem, ou se a legislação fosse diferente, ela não precisaria de Forestier ou de Duroy. Para se ter uma idéia, mulheres francesas só ganharam direito a voto na República depois da II Guerra. A cidadania das mulheres na França era mais restrita que em muitos países, ainda mais depois do Código Napoleônico.
Há, também, a questão da prostituição. A personagem de Pattinson se sente e é, um prostituto. Isso o humilha, porque, bem, mulheres se prostituem, homens não deveriam ter que fazer isso. No entanto, ele não tem muito a oferecer no início a não ser seu belo rosto e corpo. O peso dos papéis de gênero, desiguais, que colocam mulheres à serviço dos homens e, não, o contrário, rebaixam a auto-estima da personagem. Mulheres devem se vender, isso é aceitável socialmente, reforçado pela falácia da “mais velha profissão do mundo”, homens deveriam ser só consumidores de mulheres colocadas no mercado sexual. A postura de Madeleine, tão superior a ele em inteligência e sagacidade, mais interessada em trabalho do que em sexo (*com ele*), o ofende, rebaixa. Ter que fazer sexo com a personagem de Kristin Scott Thomas causa repulsa, nojo. Fica fácil imaginar como a mulher que é prostituída ou se prostitui se sente, só que Duroy consegue virar a mesa e rir por último. Ao mesmo tempo, o amor não é suficiente. A personagem parece – ou deveria parecer, mas Pattinson não ajuda – amar Clotilde (Christina Ricci), mas diz que para quem nasceu pobre, amar não é suficiente. Ela sofre, mas entende. Queria mais detalhes sobre a personagem dela, queria mesmo, mas o filme me oferece pouco.
Enfim, vale assistir Bel-Ami? Se você é fã de Robert Pattinson, a resposta é óbvia. Se você quer, como eu, observar figurino e como as questões de gênero são abordadas, também vale. Entretanto, é preciso deixar claro que como filme, Bel-Ami está longe, muito longe de ser uma obra memorável. É desperdício de grandes atrizes em um filme que poderia, com um protagonista masculino forte, ter rendido um espetáculo muito mais interessante. Recomendo a resenha do New York Times sobre o filme, ela ficou bem melhor que a minha aqui. E por mais personagens femininas interessantes que tenha, Bel-Ami não cumpre a Bechdel Rule, passa perto, mas não cumpre, se bem me lembro. E só digo uma coisa, ainda bem que não gastei dinheiro com a entrada de cinema. Ainda bem!
2 pessoas comentaram:
É uma pena! Robert Pattinson está sendo super valorizado, mas não tem essa banca toda. Acho que a produção apostou apenas em um rosto bonito, inglês e badalado, não se preocupando muito com a atuação. Não sei se verei o filme, tem muitos outros mais interessantes que preciso ver...
Li o livro quando era adolescente. É muito bom. Mas na boa, não tem como um filme que coloca esse papel nas costas do Pattinson ser bom, sem meias palavras.
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