Hoje, a Folha de São Paulo trouxe uma matéria muito interessante sobre a maior participação de negros e negras nas telenovelas. Isso é muito importante, porque são esses os produtos televisivos de maior visibilidade do Brasil no exterior. E não se trata, neste caso, de participação nos papéis subalternos tradicionais – empregada doméstica, faxineira, arrumadeira, porteiro, motorista, etc. – mas com personagens que, em alguns casos recentes, têm família, não estão sozinhos na trama. Aliás, esta era uma das críticas mais pertinentes do Joel Zito Araújo, autor do livro (*sua tese de doutorado*) e documentário A Negação do Brasil, sobre o papel nos negros nas telenovelas. Ele é um dos que têm fala nessa matéria.
No entanto, essa inclusão, ou “cotas”, como a matéria coloca, não são fruto de uma tomada de consciência por parte da Rede Globo – é dela que estão falando – mas de uma nova realidade socioeconômica propiciada pelo Governo Lula: parte considerável da chamada nova classe média é negra ou mestiça. Conforme diz a matéria: “Pelo cálculo do Datapopular – que considera raça a partir de autodeclaração –, os negros movimentam hoje R$ 673 bilhões por ano no país. A renda dos negros que compõem a nova classe média cresceu 123,2% nos últimos dez anos.”. Ignorar consumidores em potencial, não é nada inteligente (*ainda que aconteça, vide o mercado de comics norte americano e sua relação com as mulheres*), essas pessoas querem se ver na TV e a Rede Globo – seus autores e autoras de novela, na verdade – lentamente estão acordando. Vem aí Suburbia, minissérie com 90% de elenco formado por negros e negras. E, sim, estou devendo um post sobre Lado a Lado. Ele virá esta semana, eu prometo.
Enfim, mas não se enganem, racismo é algo profundo e o caso do Mendi-gato de Curitiba, moço bonito – já que branco, de olhos claros, “bom porte” – que comoveu e moveu o país é exemplo disso. Eu tenho pena do moço, o achei bonito, também, mas sabemos, basta olhar para os lugares certos em qualquer grande cidade, que a miséria tem cor e ela é negra. Mas é fácil virar a cara para um mendigo negro, difícil é esquecer os olhos azuis do mendi-gato de Curitiba... Curiosamente, os dois diplomatas negros – que são minoria, ainda que as políticas do Instituto Rio Branco sejam bem consistentes (*eu recebi proposta de bolsa de preparação para o concurso vários anos atrás*) – que foram barrados no Supremo pelos seguranças na posse do primeiro presidente negro da casa, mal foram comentados. Chocante, não? Sim, o racismo existe, ele é muito pesado. Serão anos de trabalho para tentar mudar corações e mentes, tanto dos que se acham superiores, quanto dos que foram adestrados para se ver como inferiores.
A matéria também traz entrevista com a bela e competente Taís Araújo. Essa parte, eu coloco aqui na íntegra. O resto da matéria – que é só para assinantes – pode ser lida aqui. Taís Araújo toca em vários pontos fundamentais, como o desejo de se ver na TV, o elogio aos atores e atrizes que vieram antes dela, a discriminação que sofreu na Manchete, mas falha em um único ponto. Por conta de Avenida Brasil, virou moda elogiar o autor da novela. Criar um senador negro corrupto não é avanço por questionar o “politicamente correto”. Só seria avanço se fosse comum vermos na tela tantos negros, negras, pessoas que não seriam consideradas socialmente brancas, nas nossas telas. Primeiro, precisamos, sim, de modelos positivos, que representem virtudes que nossos meninos e meninas possam admirar e perseguir. Não estou falando de maniqueísmos, mas um vilão ou vilã negra em novela quando temos tão poucas personagens, não é avanço, pode ser desserviço. Segue a entrevista:
'Temos de seguir em frente', diz Taís Araújo
DE SÃO PAULO
Atriz há 17 anos, Taís Araújo, 33, fala da evolução do negro na TV. (APJ)
Folha - A TV tem aberto mais espaço para o negro?
*Taís Araújo - Sim e é uma conquista que vem da história do movimento negro. De atores como Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Léa Garcia etc.
Também existe um interesse comercial?
Claro. Você ligava a TV e era uma enxurrada de pessoas que não pareciam conosco. A publicidade e a dramaturgia estão respeitando a classe C como consumidora, e o consumidor quer se ver mais.
Como vê a evolução do negro na teledramaturgia?
Conseguimos papéis importantes, mas existia o pudor do politicamente correto. Em 'A Favorita', o João Emanuel Carneiro rompeu com isso. Precisamos de liberdade artística.
Já sofreu preconceito?
Sim, na TV Manchete. Fiz teste para 'Tocaia Grandre', passei, mas antes de começar a gravar, o diretor me trocou de papel, porque 'ele não podia ser de uma negra. Era importante na história'. A personagem era uma baiana...
Como vê o plano de editais para produtores negros?
Temos poucos roteiristas e diretores negros. A classe C crescendo, vai estudar. A maioria é negra, daí podem vir escritores.
E ser a primeira protagonista negra em novela das 21h?
Quando acabou 'Viver a Vida', não queria mais ser primeira em nada. Cansei. É uma besteira, não é para comemorar. Temos de seguir em frente, trabalhar.
3 pessoas comentaram:
Não tinha ouvido falar dessa série de elenco majoritariamente negro, mas espero que seja um avanço na conquista de uma melhor representação da sociedade brasileira.
Também não tinha ouvido falar desse caso dos diplomatas, mas não duvido nada da motivação racista na sociedade da "boa aparência" nos classificados.
A novela "Viver a Vida" foi uma vergonha. Venderam a novela como se fosse a primeira trama das nove com uma protagonista negra, mas na verdade deram à Taís Araújo uma personagem sem história e sem possibilidades de crescer, apenas para a personagem da Alinne Moraes se destacar e ser de fato a protagonista da novela.
Estamos avançando sim mas ainda existe o preconceito sim, agora, como os negros estão assumindo papéis cada vez mais importantes o preconceito contra eles se camufla ou é levado para outra classe ainda em "menor" númeração, é triste mas é isso, como já vi você escrever antes, o pior do Brasil deve realmente ser o brasileiro, mas isso não é só aqui, é mundo a fora, o ser humano tem a capacidade de ser idiota ao extremo!
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