Ontem assisti o filme As Vantagens de Ser Invisível ou The Perks of Being a Wallflower, no original. Eu decidi ver o filme pautada em poucas referências e críticas positivas que tinha lido sobre ele. Primeiro, sabia que a Emma Watson estava no elenco. Também fiquei sabendo que o filme era adaptado de livro, mas nem fui procurar informações sobre o original. Que o protagonista era um garoto solitário, que conseguia dois amigos, uma menina (Emma Watson) e um garoto homossexual (Ezra Miller de Precisamos Falar Sobre Kevin). No entanto, ficava parecendo que seria um filme sobre bullying, ou um drama adolescente banal. Enfim, As Vantagens de Ser Invisível não é um filme sobre bullying, é um filme sobre amadurecimento (*coming of age*), superação de traumas e timidez, um filme sobre amizade. Um belo filme, com drama, humor, e que deve falar muito para os adolescentes, mas pode tocar os adultos, também.
O protagonista do filme é Charlie (Logan Lerman), um garoto de 16 anos, prestes a iniciar o colegial. Ele deseja ser escritor e escreve cartas para um amigo imaginário relatando o seu dia-a-dia. O garoto esteve internado no último ano do ginásio e isso parece tê-lo afastado dos colegas de escola, além disso, sofre de alucinações e apagamentos, precisando de acompanhamento psiquiátrico. Talvez a doença do menino tenha a ver com a perda do melhor amigo, que cometeu suicídio, mas outra perda parece atormentá-lo mais, a morte de sua tia Helen (Melanie Lynskey, a Rose de Two and a Half Man), quando ele tinha sete anos. Charlie não consegue ver no pai, na mãe, nos irmãos, o apoio que precisa. Se sente solitário e ansioso. Enfim, deslocado em sua própria casa.
Charlie vai para o colégio disposto a ser invisível (a wallflower), evitando assim sofrer qualquer sorte de bullying e contando os dias que faltam até a formatura. Logo de cara percebe que sua irmã, que é formanda, não senta com ele para almoçar e o evita em público; uma antiga colega de ginásio o ignora; e um jogador do time de futebol, amigo de seu irmão mais velho que está na faculdade, finge que não o conhece. Só o professor de inglês (Paul Rudd) parece ver qualidades nele, até que Charlie conhece, vence um pouco a timidez e consegue fazer amizade com dois veteranos Patrick (Ezra Miller) e Sam (Emma Watson). A partir daí, um mundo novo – de gente interessante, música, drogas, sexo, sonhos de carreira, etc. – se abre para ele e Charlie começa a crescer e confrontar o seu passado.
Agora, ao longo do filme podemos perceber que o significado (1) também se aplica à Charlie “um tipo solitário, aparentemente tímido, que as pessoas realmente não conhecem. Com freqüência são pessoas muito interessantes quando alguém realmente se dispõe a conversar com elas”. Eu acabei de descobrir que fui uma wallflower durante boa parte da minha vida escolar... Meu marido também se identificou com Charlie, quando o garoto chega no colégio e fala que faltam mil e sei lá quantos dias até a formatura. Meu marido disse que fez o mesmo quando chegou ao Colégio Técnico da Universidade Rural do Rio de Janeiro... Só que ele escapou antes...
Na verdade, o filme acerta em quase tudo. Todas as personagens são simpáticas e críveis. Ninguém é estereotipado a ponto de não parecer com alguém que você poderia realmente conhecer no colégio ou na faculdade. Apesar de outsiders, rebeldes, questionadores (*cada um da sua forma*), são todos estudiosos, ou, pelo menos, interessados em seguir uma carreira. Não existe a apologia do “nada melhor do que a cidadezinha do interior”, muito comum aos filmes americanos. Eles querem voar e voar alto e para longe... Uma personagem curiosa é Mary Elizabeth (Mae Whitman), a moça gordinha, punk, budista, vegana, fanzineira e autoritária, que se apaixona por Charlie. É constrangedora e muito realista a cena na qual os pais de Charlie recebem a moça e batem foto dos dois indo para o baile, afinal, é o primeiro encontro do rapaz... Apaixonado por Sam, Charlie não consegue recusar e magoar a moça que é apaixonada por ele... Quer dizer, não imediatamente... E isso quase torna Charlie um wallflower de novo nas acepções 2 e 4 do termo. Já a angustia em relação à Sam permanece e é compreensível o travamento do menino...
A questão das drogas é apresentada sem julgamentos morais. Alguns dos novos amigos usam de forma recreativa. Charlie prova maconha e LSD, a primeira, sem que saiba, a segunda por vontade própria. Não sou favorável ao uso de drogas, mas a narrativa naturalista não está disposta a rotular nem de bom, nem de mal a experiência do rapaz. É somente mais uma experiência. E é preciso dizer que nem todo usuário eventual se torna um viciado. E drogas, assim como sexo são parte da vida de muitos adolescentes. Outra questão tratada de forma muito natural é a homossexualidade de Patrick. E que menino fofo é o Ezra Miller! Eu nunca o tinha visto atuando. Enfim, ele tem um namorado, um jogador de futebol americano. E paira sobre os dois a ameaça de que se o pai do garoto descobrir, ele pode terminar morto. Sim, o pai descobre e espanca o rapaz a ponto de quebrar-lhe o nariz. O garoto não tem coragem de desafiar o pai e, claro, parte o coração de Patrick...
Só que depois de chorar suas mágoas, ou apesar de, Patrick segue em frente. Afinal, a vida é longa e existem outras pessoas por aí. Eu tive muito mais pena do rapaz que agredido e acuado, vai continuar vivendo uma mentira. A situação é realista. Já Patrick é uma personagem tão solar que não se deixa abater na sua auto-estima. Aliás, essa é uma das questões. “Você ama quem acha que merece amar”, ou algo assim, é dito pelo professor. Várias personagens estão envolvidas em relacionamentos abusivos simplesmente porque se acham pequenas demais, insignificantes demais. Charlie não consegue rejeitar Mary Elizabeth e se declarar para Sam. Já a jovem, até consegue superar o estigma de porra-loca que não vai para uma boa faculdade com a ajuda de Charlie, mas está envolvida em um romance com um cara mais velho que não a trata como ela merece. Já a irmã de Charlie apanha do namorado...
A questão do abuso de crianças e mulheres está presente na história. Uma das angustias de Charlie é não poder ajudar a irmã, como não conseguiu ajudar a tia... Mas não se aflijam! O filme não vai te jogar para baixo nesse aspecto. Realista, sim, mas ele não te leva nem perto do inferno e mesmo passando por vales sombrios, não te deixa lá. Não se trata de filme militante, nem mesmo feminista, mas é um filme carregado de bons sentimentos e realista sem ser depressivo. Isso é importante. E, de novo, passa mensagens positivas para os adolescentes sem fazer julgamentos morais ou melodrama. Pena que as legendas - como tem se tornado costume - sejam tão ruins. Eu estava acompanhando de ouvido e em vários momentos ou as legendas estavam erradas, ou não apareciam. O preço do cinema é alto, mas as distribuidoras não estão nem aí para a qualidade. Dublagem e legendagem no Brasil podem dar o braço de tão ruins.
Antes de terminar, é preciso dizer se o filme cumpre ou não a Bechdel Rule. Sim, ele cumpre. Temos várias personagens femininas com nomes e que conversam entre si. Que falam de música, de filmes, da faculdade, do colégio. São personagens variadas e que são importantes para a história. Sam, apesar do efeito sobre o protagonista, não é “a musa”, é uma moça de carne e osso, com desejos, contradições, traumas, arrependimentos, e que toma as decisões certas... Emma Watson, eu já sabia, é a única que deve ter uma carreira sólida para além de Harry Potter dos três protagonistas da série.
É isso, se puder, dê uma olhada em The Perks of Being a Wallflower. Se você foi adolescente nos anos 1980 ou início dos anos 1990, como eu, vai se identificar com o filme. Se é professora, como eu sou, vai admirar Mr. Anderson. Se for adolescente hoje, vai se sentir tocado pelas experiências de Charlie e seus amigos. Se for adulto, pai ou mãe, talvez, talvez seja levado a refletir sobre a necessidade de apoiar ou compreender melhor seus filhos e filhas. As Vantagens de Ser Invisível é um pequeno grande filme, valeu a pena ir assisti-lo. E fiquei com vontade de dar uma olhada no livro de Stephen Chbosky. Talvez, eu acabe lendo mesmo. E, claro, agora entendi por qual motivo o mangá Yamato Nadeshiko Shichi Henge (ヤマトナデシコ七変化) se chama The Wallflower em inglês.
9 pessoas comentaram:
Quero muito assistir esse filme, parece ser lindo! Seus comentários só reforçaram tudo que eu já li sobre o filme!
(ah, o nome da atriz está errado, é a Emma Watson)
Ainda não tive oportunidade de ver o filme, mas o livro é algo incrível.
Gostei bastante dos seus comentários e me deixou com mais vontade de assistir.
Eu adorei esse filme e o livro também. A música que passa no trailer, 'It's Time' da banda Imagine Dragons também é uma bela escolha para o filme. Adorei sua resenha!
Valéria se você adorou o ator Ezra Miller, você deveria assistir "Precisamos falar sobre Kevin", um ótimo filme com uma atuação sem palavras.
A critica esta excelente, mas só um ponto que não concordo. Pelo que entendi ele não ficou aflito por não ter conseguido ajudar a tia, mas sim porque ela abusava sexualmente dele quando era criança e isso foi um trauma que ele carregou. Em todo resto eu concordo, e o filme realmente é maravilhoso.
Vi que indicaram "Precisamos falar sobre Kevin" nos comentários, e preciso dizer que vale muuito a pena assistir!
Tive o mesmo entendimento que você Alessandra,ela abusava dele e ele apagou isso da memória até que algo (um toque) trouxe de volta à memória.
Concordo Alessandra,
A tia abusava sexualmente dele quando criança.
O melhor filme que ja vi em minha vida, tenho 16 anos e me identifiquei com o Charlie fiquei tocada com o filme, achei interessante e lindo, nunca tinha visto um filme que me relatasse tão bem , aconcelho a todos assistir ❤
Dois pontos me chamam atenção, quando charlie fala pra sam que os dois passaram pela mesma situação pode estar se referindo ao fato de que ela foi abusada pelo chefe do pai aos 11 anos fazendo alusão a sua memória reprimida, porém outro ponto é que no final do filme charlie diz a irmã que é culpado pela morte da tia, pois ela havia saido pra comprar seu presente de aniversário. Ou seja ele pode ter trauma por ter sido abusado sexualmente pela tia ou se culpar todos esses anos pela sua morte, o filme deixa isso no ar de forma dúbia propositalmente pra gerar reflexão, não li o livro e talvez lá seja mais sucinta a divergencia trauma/culpa.
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