Faz tempo que eu estava querendo escrever um post tentando criar uma tipologia das personagens femininas – protagonistas e nem tanto – que aparecem nos shoujo mangá. Quando tive a idéia, o objetivo era fazer uma comparação entre protagonistas como a Misao, de Black Bird, e a Shurei, de Saiunkoku Monogatari. Ontem, gravei um podcast sobre Sakamichi no Apollon e senti que precisava pensar antes sobre os “tipos ideais” e tentar defini-los em linhas gerais. Lembrando de três coisas:
1. Personagens tipos como a “amiga de infância yamato nadeshiko” [1] e a tsundere podem aparecer nos shoujo contemporâneos, mas eles vieram dos shounen mangá ou de outros materiais para o público masculino. A Juliana no guestpost sobre Tonari no Kaibutsu-kun escreveu que a Shizuru é uma tsundere. Talvez seja, talvez, não, mas eu não rotularia tão rápido. As tsundere [2] são presença quase obrigatória em material moe feito para o público otaku, mas nos shoujo... Já a amiga de infância perfeita, cujo modelo melhor acabado é a Minami de Touch, clássico de Mitsuru Adachi, teve uma encarnação muito marcante em Sakamichi no Apollon. Ritsuko é exatamente este tipo de personagem: simpática, amorosa, prendada, sempre pronta a servir... Dado o sucesso de personagens assim no Japão, elas parecem povoar os sonhos de muitos japoneses.
2. Nenhum tipo é puro.[3] Seguindo a idéia de Max Weber, eles são meros instrumentos de análise. O que isso quer dizer? Que efetivamente, as coisas podem se misturar, especialmente conforme uma personagem vai involuindo ou evoluindo. 3. Não vou falar diretamente de josei. Não tive acesso a tantos mangás josei e imagino que existam personagens tipo mais específicas, já que em material para mulheres adultas temos muito mais forte o mundo do trabalho, o casamento, a maternidade, etc. O post é sobre shoujo mesmo, especialmente os contemporâneos e com personagens adolescentes, mesmo que eu cite um josei aqui ou ali.
As Personagens Femininas Tipo dos Shoujo Mangá:
- A Garota Comum – Normalmente desenhada com cabelos escuros, é a garota que não é particularmente inteligente, ou bonita, mas, normalmente, imbuída de grande força de vontade e persistência. É assim que é apresentada a Maya de Glass Mask. Essa força de vontade normalmente é aplicada a duas coisas, que não necessariamente se excluem, conseguir ficar com garoto que ama ou atingir um objetivo escolar/profissional. Algumas dessas protagonistas estão passando pelo “inferno dos exames”, ou seja, as provas de entrada no colegial. Como elas não são muito brilhantes, mas geralmente não são burras, como os animes as pintam, elas precisam estudar muito. Exemplo disso é a Miaka de Fushigi Yuugi. Ela poderia entrar para outra escola qualquer, mas a mãe quer que ela vá para uma escola de elite, daí todo o drama da personagem. Esse é o tipo de personagem possível, que serve de modelo para meninas da mesma idade. Normalmente, compartilha vários dos dramas, desejos, ansiedades e inseguranças das adolescentes japonesas típicas. Em vários casos recentes, como o esforço da protagonista é para ficar com o garoto que ama, isso pode ser confundido com subserviência e aceitação de várias humilhações, se se trata de um mangá com forte conteúdo sexual, temos a garota comum virando a protagonista refém e até escrava sexual. Vide a Hatsumi de Hot Gimmick. Nesse mesmo tipo de mangá, como a garota comum normalmente é inocente e virgem, ela pode ser facilmente ludibriada, seduzida e mesmo constrangida pelo garoto que é seu interesse romântico.
- Tomboy – Antes que alguém pergunte se aqui não entraria a garota-príncipe, e eu digo que não. A menina tomboy é aquela que não se comporta segundo os papéis de gênero esperados das meninas, ela normalmente não é elegante, não é bonitinha, e tem dificuldades no trato social. E sofrem por isso. Dois exemplos excelentes são a Haruna de Koukou Debut e a Risa de Love★Com. Outro exemplo, só que de não protagonista, é a Sailor Júpiter de Sailor Moon. Brigonas, altas demais, atléticas demais, desastradas com as prendas domésticas... Uma das tomboy mais clássicas é a Benio de Haikara-san ga Tōru, que não quer casar, que não se comporta segundo os padrões e, claro, como se trata de uma comédia, acaba se metendo em muitas encrencas. Normalmente, ao tentar se encaixar, esse tipo de personagem, ás vezes, nega o que é para conseguir fazer parte do grupo e arranjar o tão sonhado namorado. Quando a história caminha bem (*ou segue o que acho justo*), elas acabam aceitas como são, não raro descobrem um hobby ou objetivo que canalize suas potencialidades, e acabam conseguindo o carinha legal que tanto (*acham*) precisam. Em josei, é possível ver esse tipo de personagem tipo na protagonista de Walking Butterfly. Moça alta demais, ela acaba se descobrindo como modelo, passando de lagarta à borboleta. É também comum em mangás de esporte, vide a Nobara de Crimson Hero, e a Ranko de Ace Wo Nerae. Esse tipo de personagem também tem uma função social importante, porque acaba conseguindo falar para aquelas meninas (*e meninos*) que acreditam que não há lugar no mundo para eles.
- A Garota Independente e/ou Ambiciosa e/ou Antissocial – Ela normalmente é a garota comum, só que com algum objetivo acima dos interesses amorosos. Ser a melhor aluna da turma, enriquecer, escolher seu próprio destino (*típico em mangás de época*), a personagem acaba tendo um ou vários caras no seu pé. Pode ser uma personagem com pavio curto, desbocada, ou até violenta. Caso da Kotobuki Ran de Super Gals. Daí, alguns confundem a personagem com a tradicional tsundere. É o tipo de personagem que pode ser dissimulada e mentirosa. Vide a protagonista de Switch Girl!! Não raro, são inteligentes e estudiosas. Normalmente, sua evolução ou involução como personagem fica muito evidente ao longo da obra. Um caso que se encaixa aqui é o da Miyazawa de Karekano: ela queria ser a melhor em tudo, ir para a faculdade mais disputada, ter uma profissão, enriquecer, não tinha amigas, e mentia muito para manter as aparências. Ao longo da série, os objetivos desse tipo d epersonagem podem mudar, especialmente por causa de algum interesse amoroso, e podem se tornar vulneráveis e até submissas. Se a Garota Comum e a Tomboy erram por inocência ou por serem desastradas, as Garotas Independentes muitas vezes agem de forma egoísta, magoando ou colocando em risco outras personagens, e mesmo traindo os valores tradicionais da sociedade japonesa. Eu realmente acho que é aqui que se enquadra a Tsuru de Tonari no Kaibutsu-kun. É também aqui que eu coloco a Koto de Waltz in a White Dress, cuja vida estava toda planejada pelo pai e pelo futuro sogro, e luta para poder ter uma profissão e escolher com qual homem ela deseja, ou não, ficar.
- Bishoujo – Normalmente coadjuvante, lembro de poucas protagonistas que se encaixem aqui, é aquela menina extremamente bonita, no sentido mais moe da palavra, que ao chegar todo mundo para para exclamar “Bishoujo!”, é lindinha ao extremo e parece inofensiva e carente de proteção, só que pode ter um gênio horroroso, ser a antagonista, ou mesmo uma tomboy disfarçada. Caso da Shibahime de Karekano. Ou seja, talvez a Bishoujo seja o tipo que mais peça uma combinação com outros na linha “ela é linda, mas...”.
- Ojousama – Termo honorífico que se remete ao tratamento dado a filha de alguém muito importante, é nos mangás shoujo aquela personagem linda (*sem ser bishoujo*), educadíssima, prendada e rica, claro. É a dama do anime, que normalmente desperta o akogare (*extrema admiração e devoção*) de outras personagens femininas da série e sem querer (*na maioria das vezes*) faz com que a protagonista, a garota comum, se sinta inferiorizada. A Yurika de Sakamichi no Apollon é uma ojousama típica que rompe com tudo e abandona a sua vida de princesa. No entanto, a maioria das ojousama que me vem a cabeça são de séries clássicas: Miya-sama de Oniisama E..., Ochōfujin (Reika Ryūzaki) de Ace Wo Nerae, Ayumi Himekawa de Glass Mask. Apesar de bonitas e aparentemente delicadas, as Ojousama não raro tem gênio forte, são inteligentes e, por serem aristocratas, estão acostumadas a mandar. Algumas são cruéis, como Miya-sama, mas a maioria é gentil e bondosa, ainda que orgulhosa, usando sua influência a favor dos mais fracos. A única ojousama que eu conheço que ocupa uma posição de quase protagonista é a Ayumi de Glass Mask.
- Garota-Príncipe – Personagem andrógina que reúne em si características masculinas e femininas. Normalmente, é extremamente bonita e atraente tanto para homens quanto para mulheres e, quando em mangá escolar, desperta intenso akogare. Exemplos são muitos: Oscar da Rosa de Versalhes, Utena de Shoujo Kakumei Utena, Sarasa de Basara, Saint-Just (Rei) e Kaoru de Oniisama E..., Haruka de Sailor Moon, etc. A inspiração para a garota-príncipe vem da literatura tradicional japonesa, do mito da donzela guerreira [4] e das otokoyaku [5] do Teatro Takarazuka. A garota-príncipe pode ter que esconder que é uma mulher, escudando-se em comportamentos de gênero tidos como masculinos, caso de Safiri, da Princesa e o Cavaleiro, e Sarasa de Basara. Pode ser uma mulher educada como homem e que quer ocupar um lugar no mundo (*dito*) masculino, como Oscar da Rosa de Versalhes. Há as que são heterossexuais, a maioria das que eu conheço, na verdade, e as que são assumidamente homossexuais (*ou talvez até transexuais*), como Erminia de Paros no Ken e Haruka de Sailor Moon. Nos mangás (pseudo)históricos e de fantasia, é mais comum que as garotas-príncipe sejam protagonistas, nos mangás mais contemporâneos, elas tendem a ser coadjuvantes ou até o interesse romântico da protagonista.
- A Rival – Bem, ela pode ser qualquer um desses tipos acima, menos a Garota Comum, acredito. Agora, o mais importante é que a tendência no final do mangá é que a rival se redima, torne-se ou amiga da protagonista, ou faça uma retirada honrosa reconhecendo seus erros e/ou derrota. Muitas vezes, ela não se torna boazinha, continua cheia de defeitos, mas se transforma em uma pessoa melhor, por assim dizer. É o caso da Sae de Peach Girl e da Manami de Life. Uma antagonista pode exercer esse papel somente em parte da série. Isso aconteceu em Anatolia Story com Ursula que se tornou aliada da protagonista e deu sua vida por ela. Em Karekano, Miyazawa transforma Maho, a rival invejosa e que ensaia praticar bullying contra a protagonista, em sua amiga. Ou seja, uma rival não precisa continuar sempre assim por toda a série entre rival/antagonista e vilã há uma grande diferença.
- A Melhor Amiga – Aqui, temos de novo um tipo flutuante. A melhor amiga da protagonista, quando ela existe, serve para fazer contraste com ela. Se a heroína é, por exemplo, preguiçosa, desastrada, a melhor amiga tende a ser uma excelente dona de casa muito ciosa da sua apresentação pessoal. Se a protagonista é a garota comum com dificuldades na escola, a melhor amiga tende a ser a menina muito inteligente. Se a protagonista não tem bom senso, a melhor amiga tende a puxar a heroína de volta para a realidade. Se a protagonista não é vista como bonita, a melhor amiga pode ser a bishoujo ou mesmo a ojousama. Se a protagonista for a garota-príncipe, a melhor amiga pdoe ser a admiradora ciumenta ou a criatura que sempre precisa ser salva. As combinações são muitas... O importante é que em muitos mangás essa melhor amiga existe, ela tem bom coração e ajuda a heroína quando esta precisa dela. Em Oniisama E..., Tomoko, melhor amiga da protagonista (Nanako), é a única personagem normal da série. No mangá, uma fofoca separa as amigas, no anime, ela é o ponto de equilíbrio da frágil protagonista.
Será que eu cobri tudo? Esqueci de algum tipo? Se tiver alguma sugestão e/ou correção, use os comentários. Se lembrar de outras personagens tipo, acrescento depois.
[1] A “Yamato nadeshiko” é a personificação da mulher ideal para os japoneses.
[2] Tsundere é a menina bonitinha e agressiva que no final vai se derramar de amor pelo protagonista masculino... ou não. Uma das mais famosas é a Asuka de Evangelion, outra muito conhecida é a Taiga de Todadora!
[3] Segundo o dicionário on line de Sociologia, “(...) as construções de tipo ideal fazem parte do método tipológico criado por Max Weber que, até certo ponto, se assemelha ao método comparativo. Ao comparar fenómenos sociais complexos o pesquisador cria tipos ou modelos ideais, construídos a partir de aspectos essenciais dos fenómenos. A característica principal do tipo ideal é não existir na realidade, mas servir de modelo para a análise de casos concretos, realmente existentes.”
[4] Walnice Nogueira Galvão, em seu artigo O Ciclo da Donzela Guerreira, define da seguinte maneira a donzela guerreira: “Filha única ou mais velha, raramente a mais nova de pai sem filhos homens, sem concurso de mãe, corta os cabelos, enverga trajes masculinos, abdica das fraquezas femininas – faceirice, esquivança, medo –, aperta os seios e as ancas, trata ferimentos em segredo, assim como se banha escondida. Costuma ser descoberta quando, ferida, o corpo é desvendado; e guerreira; e morre.”
[5] Atriz do teatro feminino Takarazuka especializada em papéis masculinos.
9 pessoas comentaram:
Ótimo post! Pelo que me lembro há também aquela personagem que a principio é amiga da protagonista mas depois revela-se vilã e logo é desmascarada, lembro dessa situação ocorrendo em dois mangás de Kaho Miyazaki, Kare First Love e Bokutachi wa Shitte Shimata. Geralmente a protagonista não tem muitos amigos e só essa 'amiga', por isso ela tem dificuldade para ver que a 'amiga' na verdade quer atrapalhar sua vida ou roubar seu namorado.
Acredito que hajam outros exemplos dessa situação onde a amiga/vilã é logo desmascarada e de quebra surge uma verdadeira amiga para a protagonista.
Bem, Lady, eu incluo esse tipo de personagem em "Rival". A Sae era amiga da Momo, lembra? É o mesmo tipo de persoangem, ainda que a personalidade não seja a mesma.
De mangá mais novo que tem uma Ojou-sama... Hoshi wa utau, de Natsuki Takaya, tem a Hijiri Honjou... Se bem que ela é a melhor amiga da protagonista...
Olá! Acompanho seu blog há algum tempo mas nunca comentei antes.
Poxa, gostei muito do post!
Comecei rindo, porque, ao ler a descrição da Garota Comum, a primeira criatura que me veio a mente foi a Miaka... E logo a própria é citada como exemplo!
Nunca li muitos shoujos e agora entendi o porquê! Acho que não sou muito fã deste arquétipo da "Garota Comum" - costumo ficar com raiva da personagem (a Miaka, por exemplo, me irritava muito - lia mais pelo clima da história e pelos coadjuvantes) Afinal, como você bem explicou, a personagem é persistente - mas tal traço pode parecer ao leitor como um sinal de submissão. E, enfim, acho que dei o azar de ler justamente shoujos que tem este tipo de protagonista e desanimei.
Porém achei as demais muito interessantes como personagens. Adorei as tomboy e as meninas-príncipe em especial. Fiquei com vontade de ler. Tenho sentido muita falta de consumir história com protagonistas femininas e agora tenho onde procurar. Obrigada!
Como não falaram de Sailor Moon? A foto me enganou,rsrs.
Excelente, texto!
Excelente, texto!
Senti falta de Sailor Moon, mas tudo bem!
Kyyaaaaah eu amei!! *.*
Mas, faltou a garota irritante que nunca se decide sobre quais dos "carinhas" ela vai ficar, um exemplo disso é a Yuuki aquela "bicha" do Vampire Knight!! XDDD
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Sempre ando acompanhando seus blog, apesar de não comentar muito. (i',m sorry!!! T_T)
Amei seu post,parabéns!! *.*
Bye bye!!~
Tem um mangá muito legal que usa a típica garota rival como protagonista. Se chama Heroine shikkaku. Ainda não terminei, mas é no mínimo interessante ver alguém que normalmente é antagonista no lugar da protagoista.
na categoria bishojo tambem tem a Sae Kashiwagi de peach girl!
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