Semana atrasada, terminei de ler o segundo livro da série Scarlet Pimpernel, da Baronesa Emmuska Orczy. Até comecei a ler o terceiro livro The Elusive Pimpernel, mas parei para adiantar outras leituras, como Ōoku , Parade’s End e Black Bird. O livro foi escrito em 1906 e parece aquelas continuações menos inspiradas que o original e feitas para manter uma personagem interessante viva. Não que o livro não tenha méritos, ele tem, mas é inferior ao primeiro da série, especialmente por não ter a Marguerite e Chauvelin. Ela é só citada pelo marido, mas não tem papel algum na narrativa. A ação se passa em Paris, em um momento muito atribulado da Revolução, os meses de agosto-setembro de 1793, com um grande flashback que se passa dez anos antes.
A história começa nos tempos da monarquia, com um duelo entre o Visconde de Marny e Paul Déroulede, um burguês enobrecido. Déroulede não quer lutar, o motivo é fútil, mas todo aquele sistema baseado em honra, vergonha e falta do que fazer, o obriga. Ele derrota o jovem visconde, mas o rapaz insiste e termina morto. O rapaz é filho temporão de um duque decrépito que obriga a única filha, Juliette de Marny, o que restou de sua linhagem, a jurar que vai se vingar de Déroulede ou seu irmão nunca irá descansar. A menina, muito jovem e religiosa, se vê obrigada a jurar de forma solene, mais tarde, ela busca refúgio em um convento de ursulinas, só que com a Revolução, seu voto termina não sendo anulado pelo Bispo.
Expulsa do convento, destruído pela Revolução, ela tem que morar com a antiga ama. Usando de um estratagema perigoso, Juliette consegue ser acolhida na casa de Déroulede, agora deputado da Assembléia e político muito popular pelos benefícios que fez pelos mais pobres de Paris. Em casa de Déroulede, acolhida por sua mãe e irmã de criação, o coração de Juliette começa a fraquejar. Ela se apaixona por Déroulede, passa a ver suas qualidades, ele, que sabia quem ela era, explica toda a situação da morte de seu irmão e se desculpa humildemente. Juliette, no entanto, descobre durante uma visita de um amigo inglês de Déroulede, que ele, agora nomeado diretor da Conciergie, pretende ajudar na fuga de Maria Antonieta. A moça usa a lei dos suspeitos e faz uma denúncia anônima. Arrependida, ela acaba salvando Déroulede, mas paga com a prisão e condenação certa à guilhotina. Déroulede, ao tentar salvá-la, acaba se tornando alvo de seus inimigos, Merlin e Tinville, que tramavam a sua queda. Presos ambos por alta traição, somente o Scarlet Pimpernel poderá salvá-los.
I Will Repay é a história de amor de Déroulede e Juliette, e ao Pimpernel só cabe tentar salvar os amantes de um fim terrível. Sir Percy é amigo íntimo de Déroulede e busca alertá-lo da loucura de seu plano, asseverando que nem o Pimpernel seria capaz de salvar Maria Antonieta. Aliás, é interessante ver o quanto o herói criado por Orczy é ponderado e pé no chão. Sir Percy também adverte Déroulede sobre a paixão que ele nutre por Juliette e que não confie nela. Bem, bem, Orczy é reacionária ao extremo, mas neste livro, ela faz algumas críticas à frivolidade do Antigo Regime e seus defeitos. Obviamente, as críticas à Revolução e seus agentes, principalmente Robespierre, Merlin e Tinville, são muito maiores, fora que ela se dirige com muito desprezo ao povo em armas.
Déroulede é uma criatura cheia de virtudes e bom senso. Eu simpatizei com ele de cara, mas coloca Juliette – por sua nobreza e beleza imaculada – em um altar. A autora constrói da maneira mais cafona possível o romance dos dois. Além disso, trata Juliette, que em 1793 já era uma mulher adulta, como se uma menina fosse o tempo inteiro. Está certo que ela passou um bom tempo presa a um pai doente e entrevado e depois atrás dos muros de um convento, mas para os padrões da época ela estava longe de ser uma menina. Enfim, o livro só começa a esquentar mesmo quando temos a batida de Merlin na casa de Déroulede. Ali, Orcyz se mostrou mestra em criar tensão, ansiedade. Daí, não consegui mais parar.
Em seguida, temos a introdução do Cidadão Lenoir – que é o Pimpernel em disfarce – para instigar a queda de Déroulede junto ao clube Jacobino. É fácil para mim reconhecer Sir Percy, já estou escolada de outras personagens que usam o disfarce de forma insistente, como Sherlock Holmes, mas, também, porque ao descrever meticulosamente Lenoir, destaca algumas características do Pimpernel, como sua grande estatura (*um gigante*) e sua mãos longas e muito sujas, para disfarçar o fato de serem muito brancas, bem cuidadas e quase femininas (*na descrição da autora*). O plano do Pimpernel é bem audaz e poderia levar todo mundo para o cemitério... aliás, eles se escondem em um cemitério (^___^)... mas como Déroulede e Juliette já estavam tecnicamente mortos, qualquer coisa era ganho.
Em termos de convenções de gênero, é difícil para mim estabelecer se Orcyz reforça ou brinca com elas. Juliette, especialmente aos olhos de Déroulede, é a donzela perfeita, pura, nobre, delicada. A própria autora se refere a moça sempre ressaltando que ela é uma vítima. Derrubada do altar, depois da traição, Déroulede passa a vê-la como uma mulher acessível, bem mais humana. Quem ajuda a prejudicar Juliette, é Anne Mie, irmã de criação de Déroulede, e uma moça com sérias deficiências físicas. Ela à princípio odeia Juliette, pois a moça, na sua percepção, roubou-lhe Déroulede. Assim, Anne Mie busca provar para o amado que Juliette o entregou e que toda a infâmia a que foi submetido (*até revista pessoal ele sofreu*), é culpa da moça que ele tanto adora. Mas ao invés de investir na linha as mulheres são as maiores inimigas das mulheres, a autora leva Anne Mie ao arrependimento e Juliette, claro, nunca odiou a moça. Obviamente, ela nunca foi páreo para Juliette, e reforça-se a idéia de que o amor é para os bonitos, Anne Mie tem que ficar na sombras...
No tribunal, quando Déroulede ainda não caiu em desgraça, ele defende Juliette usando de todos os estereótipos de gênero possíveis: mulheres não são racionais, são emocionais, esse é seu maior defeito e qualidade; Juliette causou dano, mas tentando ajudar a Revolução blá-blá-blá. Como grande orador, ele domina a audiência. Mas será que ao reforçar esses estereótipos de gênero a autora não os está criticando? Não sei. O fato é que Lenoir (*o Pimpernel*), manobra os jacobinos para acusarem Juliette de prostituição ao invés de traição, abrindo a possibilidade de defesa, já que era crime comum, e jogando a corda para que ele se enforcasse. Déroulede não pode deixar que a moça, apresentada no tribunal como sua amante e de outros, fosse infamada. No entanto, como Déroulede não sabia que os restos dos documentos queimados por Juliette estavam em seu quarto e, não, em um lugar mais público, a farsa cai por terra e a traição à Revolução fica caracterizada. A partir daí, a turba quer dilacerar seu antigo herói. Aliás, este é o outro tema do livro, a facilidade que é para um político perder sua popularidade, que estrelas sobem e descem o tempo inteiro, pois o povo é volúvel em suas paixões. Claro, que a visão de Orcyz sobre o "povo" é a pior possível, mas esse caráter movediço do apoio popular é mais do que conhecidos e estudados. Déroulede nunca se enganou, sabia que era questão de tempo e que precisava deixar a França, mas o ódio da massa contra ele foi um duro golpe para a personagem.
O fato é que pelo que investiguei esse é o livro menos Scarlet Pimpernel da série. Trata-se, como já comentei, da história de dois amantes condenados por um juramento de vingança. O Pimpernel é só detalhe, importante, verdade, mas não tem lá muita atuação na trama. Sir Percy aparece como sábio conselheiro, depois, como o sans-cullotes sujo e moralmente degradado, para voltar no fim como o herói que salva o dia. Apesar de tudo ver e quase tudo saber, ele não é presença contínua. A narrativa, e isso precisa ser ressaltado, é cansativa no início, mas quando engrena, ela te arrasta até o fim. O livro seguinte, The Elusive Pimpernel, volta ao esquemão capa e espada, ou pelo menos, parece. E tem Marguerite e Chauvelin para a minha alegria. ;-) Para quem se interessar, a resenha do primeiro livro está aqui.
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