sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Caso "Caçadas a Pedrinho" coloca em evidência o descrédito dos professores



Gostei bastante do editorial da Folha de São Paulo sobre o caso do livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato. Não vou reproduzi o texto, vocês podem lê-lo aqui. Negar o racismo do autor, é fazer papel de idiota ou demonstrar má fé. Aliás, nem esse é o problema. O MEC deseja continuar a distribuir o livro para as Escolas Públicas, dentro do programa PNBE. O Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) argumenta que não basta incluir notas, ou roteiro de trabalho para ajudar os professores e que o livro precisa ser retirado do programa de distribuição. Não se trata de censura, vejam bem, o livro poderá circular livremente como está. Só que não mais o Governo vai comprar (*e isso dá muito lucro para as editoras*) o material para todas as escolas públicas do país. OK, a questão está em discussão no STF sob a responsabilidade do Ministro Luiz Fux.

Mas por que eu trouxe o assunto para cá? Como professora, sinto-me muito ofendida quando analiso essa discussão toda. Sabem por quê? De novo, o que fica evidente é que acreditam que os professores e professoras - principalmente mulheres, já que é material que está ligado ao Ensino Fundamental 1 - não capazes de tratar a questão do racismo, de colocá-la em discussão com as crianças das classes iniciais, de separar o joio do trigo. Pior de tudo é que eu tenho certeza de que muitos colegas não são mesmo... Triste, mas com essa discussão toda, fica evidente que o calcanhar de Aquiles é a formação dos professores e professoras, a qualidade dos cursos de pedagogia. E, obviamente, é melhor cortar o livro ou deixá-lo circular e, não, investir em formação continuada ou na discussão com os docentes de temas que são urgentes: racismo, homofobia, misoginia, etc. Até quando?

6 pessoas comentaram:

eu acho que não só é subestimar os professores como também a capacidade das crianças, eu li as obras de monteiro lobato quando tinha de sete para oito anos e mesmo sendo uma edição arcaica onde até mesmo as notas estavam desatualizadas eu fui capaz de entender que era uma outra época e um outro pensamento. Para mim retirar os temas TABU não só das leituras mas tbm da vida das crianças é tentar alienar essa geração.

Laila, não se trata de retirar temas tabu. O racismo precisa ser discutido e essa questão no STF é fruto dessa discussão. Nossa sociedade é racista e a leitura de Monteiro Lobato sem que algumas coisas fossem pontuadas - daí o papel do gestor do processo, os responsáveis ou professores - não ajudou nem piorou.

Retirar simplesmente, também não ajuda, mas dizer que representaçãoes racistas não têm impacto sobre a autoestima das crianças e as representações sociais é tapar o sol com a peneira.

Educação é processo, contornar os problemas nào ajuda em nada. Entender que era outra época é importante, mas naturalizar questões como racismo, não é. No tempo de Lobato nem todos eram racistas, ou eram tão racistas como ele.

Veja só esta mesa redonda: http://globotv.globo.com/globo-news/entre-aspas/t/todos-os-videos/v/convidados-discutem-a-presenca-de-aspectos-racistas-nas-obras-de-monteiro-lobato/2134686/
Segundo esta antropóloga, os professores precisam ser capacitados para a discussão, ah sei...

E muitos precisam, sim, Monique. O problema é que não há investimento nisso... Nenhum...

Não li os livros de Monteiro Lobato. Li bons livros como os de Ruth Rocha, entre outros.

Mas, eu lembro de ter lido livros para criança e adolescentes que não eram adequados para minha idade. Um em especial era um livro extremamente homofóbico. Eu, que nem sabia o que era homossexualidade, fiquei bem confusa ao lê-lo.

Sou favorável ao fato de tirar o livro da lista do MEC porque o fato de algumas pessoas não se sentirem ofendidas por ele, não quer dizer que ele não impacte negativamente sobre a auto estima de uma criança negra.

Além do mais, não sei porque encorajar obras (livros, filmes, músicas) que sejam racistas, misóginos, homofóbicos, etc. Para mim, não deixam de estimular o ódio como qualquer outro meio.

Não tinha nem pensado na questão dos professores. Mas, agora que você mencionou, acho que devemos pensar a respeito disso.

Acho engraçado que em "Negrinha", Lobato mostra o quaão terrível é a realidade do negro (ex-escravo) no Brasil... E lendo este conto isoladamente, dá até pra acreditar que ele era contra o racismo. Mas acredito que o conceito de racismo era diferente do de agora. Como na Escrava Isaura em que Álvaro é abolicionista mas pensa que Isaura é um ser superior a seus "colegas" escravos.
Penso que qustões como o racismo devem ser não só apresentadas aos alunos, mas discutidas abertamente e orientadas pelos professores no sentido de que é algo ruim, maléfico para a socieldade. Não podemos simplesmente aceitar que era "normal" naquela época. As crianças, quando assistirem ou lerem o Sítio, não podem pensar "Ah, é normal a Tia Nastácia ser tratada como uma burra, porque naquele tempo ninguém ligava para os negros". Elas precisam ler essas coisas e pensar coisas com "Que droga! Eu nunca trataria uma pessoa assim! Que absurdo! Que época horrível!".
Bem, é o que eu acho. Que as crianças precisam ser orientadas de maneira que desprezem os preconceitos e não simplesmente o aceitem. O perseguidor de hoje pode ser o perseguido de amanhã... E qualquer um pode ser vítima. As crianças e adolescentes também tem que entender que piadinhas e exclusão podem parecer inofensivas, mas elas formam adultos que podem achar normal ser preconceituoso no futuro. Qual é o homofóbico que nunca zuou seu colega mais efeminado na escola? Que tipo de pessoas vamos formar aceitando que brincadeiras e atitudes racistas são normais?
Sou contra a saída de circulação do livro nas escolas, mas também sou contra seu uso sem fins realmente didáticos.

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