quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Comentando À Beira do Caminho (Brasil, 2012)



Ontem, assisti o filme À Beira do Caminho. Ele não estava bem nos meus planos, até semana passada nem sabia do que se tratava, mas quando vi que no elenco estavam os excelentes João Miguel e Dira Paes, arrisquei sem pensar duas vezes. O filme está sendo elogiado como um novo Central do Brasil. Olha, não diria que é para tanto, mas é um bom filme nacional que merece ser assistido. O diretor, Breno Silveira, parece querer se especializar em contar a histórias de pais (*homens*) e filhos, mas do pai mesmo. É dele o igualmente bom, 2 Filhos de Francisco, e eu confiaria a ele um filme sobre Touro Moreno e seus filhos boxeadores, pois ele é o diretor certo. Bem, mas qual é a sinopse do filme?

João (João Miguel) é um caminhoneiro solitário, que foge de seu passado e parece mergulhado na dor e na culpa. Um dia, ele encontra um menino, Duda (Vinicius Nascimento), escondido em seu caminhão. João quer largar o menino o mais rápido possível, só que por motivos alheios a sua vontade, o menino vai ficando. Duda fugiu de um abrigo. Órfão de mãe, ele quer ir para São Paulo em busca do pai que o abandonou antes de nascer. Com muita dificuldade, João começa a aceitar a presença do menino e decide ajudá-lo a encontrar o pai, e nessa tentativa termina fazendo as pazes com seu próprio passado.

Passei no shopping com meu marido no domingo e ele estava praticamente vazio. Meu marido, distraído que só, perguntou por que eu estava dizendo isso. Eu disse, “Ora, bolas, é dia dos pais!”. Ele respondeu muito debochado “Ter pai, nos dias de hoje, é luxo”. Nós vivemos em um país com altíssimos índices de núcleos familiares liderados por mulheres. Avós que criam netos, mães solteiras que criam filhos. Em raros casos, foi uma opção, na maioria deles, o pai foi embora, ou nunca existiu nem de fato, nem de direito. Em À Beira do Caminho essa realidade se mostra de forma muito contundente. O próprio menino protagonista, Vinicius Nascimento, nunca conheceu o pai. Mas o roteiro e o diretor reforçam ao longo da película que ter pai não deveria ser um luxo, que independente dos problemas entre o casal, nenhum homem deveria abrir mão (*ou fugir da responsabilidade*) de se fazer presente e ocupar seu lugar na vida de um filho ou filha. Essa é uma das mensagens mais importantes do filme.

João, o protagonista, é defendido por um ator – João Miguel, de Cordel Encantado – que está entre os muitos bons frutos que a Bahia ofereceu para a dramaturgia nacional nos últimos tempos. Vem se somar a Lázaro Ramos e Wagner Moura e espero que consiga muito sucesso. Por ser um tipo bem brasileiro, ele terá que abraçar o cinema para ser protagonista, afinal, na TV brasileira somente os mais brancos conseguem fazer o “mocinho” nas telenovelas. O caminhoneiro João poderia não ser uma personagem simpática, acho que poucas vezes vi uma protagonista que tenha feito tantas bobagens. Nas mãos de um intérprete menos competente, poderia até não gostar dele, não torcer por ele. Para começo de conversa, no passado ele namorava uma moça (Dira Paes) e a traiu com sua melhor amiga, Helena (Ludmila Rosa), que terminou grávida... Durante boa parte da película, temos flashbacks fragmentados do passado de João. Sabemos que ele perdeu a mulher que amava, sabemos que ele se sente culpado, mas só vamos saber da história toda lá perto do fim. E o filme atiça a curiosidade e me fez imaginar mil coisas até que descobrimos o que João fez para se sentir tão carregado, tão triste, tão miseravelmente culpado.


Já o menino Vinicius Nascimento, outro baiano, é melhor ator que o seu xará de Central do Brasil, Vinícius de Oliveira. Ele veste a personagem com tanta naturalidade que consegue convencer sem esforço. Ele também é muito amoroso com João. É ele quem consegue ajudar o caminhoneiro a retomar sua vida, mesmo que a dor nunca passe totalmente. Duda é um menino abandonado como outro qualquer e que se fosse deixado a sua própria sorte terminaria no crime e nas drogas. O filme mostra de forma muito efetiva que esse seria o caminho, se João não tivesse tomado coragem e mantido o menino consigo. Duda sonha com o pai, monta uma imagem idealizada de um homem que nunca viu e o filme é muito duro ao revelar que, sim, trata-se de uma ilusão, que o pai amoroso não existe... Curiosamente, Ângelo Antônio, que foi o Francisco de 2 Filhos de Francisco, é esse pai ausente, fugitivo, que acreditou no que uma mulher tola disse em um momento de raiva e a deixou para trás com um filho na barriga.

Por fim, o outro protagonista do filme é o próprio país em sua diversidade. A solidão de João ecoa na solidão das estradas desse país imenso e mal povoado. Vemos a transição entre o vazio, com suas estradas sem pavimentação, as pequenas cidades, como a Rio Verde natal do protagonista, a agitada Petrolina, onde ele pretendia deixar Duda, e a grande São Paulo. O filme usa bem a trilha sonora, principalmente as boas canções de Roberto Carlos, para mostrar esse país tão desconhecido e que vai muito além das grandes metrópoles. É muito interessante a cena em que Duda, menino do interior, vê São Paulo pela primeira vez. Ele se espanta e se deslumbra. Eu, que não nasci no interior, também me deslumbro toda a vez que vejo a vastidão de São Paulo, com seus prédios, carros e 20 milhões de habitantes.

À Beira do Caminho não cumpre a Bechdel Rule. A personagem feminina de maior destaque é a Rosa de Dira Paes. Que de vingativa – com razão – passa a compartilhar de parte da culpa de João, a quem ama desesperadamente. Há outras mulheres com nome, a mãe de João conversa com a neta, mas é sobre o protagonista. Isso pode ser visto como defeito? Não em um filme como esse. Afinal, é um filme sobre a cura interior de um homem, sua relação de amizade com um menino, e a tentativa de corrigir erros do passado. Nesse caso, desempenhar o papel de pai na vida da filha. Assim como há filmes centrados na mãe, há filmes centrados no pai, e se o diretor se sente confortável com esse tipo de história a executa bem, por que reclamar?

À Beira do Caminho é melhor que 2 Filhos de Francisco, porque não precisou abrir mão de um final correto – Seu Francisco no orelhão – para enfiar um show “nada a ver” com a dupla Zezé de Camargo e Luciano. Como pontuei, é um filme bonito, bem executado e feito para o Dia dos Pais. Não chorei como em Central do Brasil, mas meus olhos se encherão de lágrimas lá para o final do filme e terminei desejando o impossível, que nenhuma criança cresça sem pai sem que isso seja absolutamente inevitável. É um filme para se ver não somente com o pai, mas para mostrar que, sim, essa figura não deveria ser um luxo, e que a culpa do abandono, da ausência, é do adulto ou dos adultos, nunca da criança, a única vítima nessa história.

3 pessoas comentaram:

Nhoi! Ti bunitinho o trailer!
Qnd vc falou em Roberto Carlos eu fiquei apreensiva (eu e minhas irmãs crescemos chamando ele de brega), mas só por esse trechinho do filme parece que não estraga não. rs

Há um longo histórico de abandono de pais por filhos, de todas as classes socias e níveis de escolaridade. (ainda bem que por aqui não transitam tantos mascus pra negarem isso, pq dá mt raiva)
Tive uma professora com estudos sobre mulheres que relatava isso em todas as disciplinas que tive com ela, além disso, durante minha infância/adolescência vi um verdadeiro boom de divórcios entre os pais de minhas amigas (uns 7 em 10, sendo que desses, uns 3 picavam a mula e deixava os filhos).

Se não me engano, é devido a grande incidência de núcleos familiares liderados por mulheres que os programas socais passaram a ter cadastro em nome das mulheres, preferencialmente. (há, sei lá, 60 anos, minha avó teve que colocar o nome do meu avó na hora de comprar a casa, mesmo eles vivendo em ‘separação de corpos’, hj, se eu quiser comprar uma casa pelo programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, posso deixar no meu nome)
Sei que nem de longe é o quadro ideal, mas, pelo menos, é um pequeno avanço.
Acho que só um grande programa de educação salva mesmo... (ou não =p)

Assisti a esse filme ontem. Realmente, é muito bom, como os demais desse diretor, que aposta sempre na emoção nas histórias que conta. A busca pela figura do pai, de maneira tão diferentes, tanto por João, quanto por Duda, foi feita de maneira muito delicada, e eu vibrei com o final feliz para os dois personagens, embora de uma maneira que não tinha imaginado (esperava um final parecido, justamente, com o de Central do Brasil).
Fora que as canções de Roberto Carlos, e a sacada do diretor em colocar frases de caminhão entremeando o filme, como subtítulos, foi fantástico.
PS:Essa ausência do pai na família atual, uma vez que a mãe assumiu por completo o papel de provedora e dona da moral, é algo para se pensar. Pai presente é realmente um luxo, que eu não tive e conheço poucas pessoas que podem afirmar isso de fato.

Bem, normalmente, é o pai que se ausenta. Ou porque não quer assumir o/a filho/a, ou porque confunde o fracasso da relação com a parceira como um fracasso no papel de pai. Raramente é alienação parental.

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