Ontem, por conta do post sobre Brave, fiquei conversando com a Gabi N. sobre as princesas da Disney (*incluí Jasmine, que é de um filme de herói [Aladin], porque ela é incluída na série princesas, e a Mulan, porque mesmo não sendo princesa, ela tem seu peso*) suas famílias e os vilões das histórias. Por conta disso, acabei montando essa tabelinha abaixo. Ela permite que a gente faça algumas reflexões. Dêem uma olhadinha:
PRINCESAS DA DISNEY, FAMÍLIAS E VILÕES | ||
Branca de Neve | órfã de pai e mãe | vilã é uma mulher (madrasta-bruxa) |
Cinderela | órfã de pai e mãe | vilãs são três mulheres (madrasta, irmãs) |
Bela Adormecida | não é órfã, mas acha que é | vilã é uma mulher (bruxa) |
Ariel | órfã de mãe, tem pai repressor | vilã é uma mulher (bruxa) |
Bela | órfã de mãe, tem pai boboca | vilão é um homem |
Pocahontas | órfã de mãe, tem pai mantenedor da ordem | vilão é um homem |
Jasmine | órfã de mãe, tem pai boboca | vilão é um homem |
Mulan | mãe apagada, avó avoada (mas muito lúcida), pai mantenedor da ordem | vilão é homem |
Tiana | órfã de pai, seu grande modelo, mãe apoiadora e ativa | vilão é homem |
Rapunzel | acha que a vilã é sua mãe | vilã é mulher (mãe/bruxa) |
Merida | pai bobão e mãe repressora | Não existe vilão, a mãe é a antagonista |
Efetivamente, é injusto dizer que as mulheres são as vilãs dos filmes de princesa, isto é, que esses filmes terminam representando as mulheres suas maiores inimigas. Dos dez filmes, cinco tem vilões do sexo masculino. E são inimigos bem delineados, como Gaston. As vilãs estão presentes nos primeiros filmes da Disney, os que foram feitos na década de 1930 e 1950, com as madrastas vingativas e mulheres invejosas da beleza e juventude da mocinha. E temos Ariel que enfrenta não somente uma bruxa – a obesa Úrsula – mas um pai repressor. Porque o Rei Tritão é quem mais de aproxima da Rainha Elinor, que não é vilã, mas antagonista. Depois, voltamos a ter uma vilã com Mother Gothel. Meio a meio, então.
Dos vilões homens, dois tem interesse pela “princesa”. Jafar deseja Jasmine e o reino. Gaston deseja Bela, porque ela é a única cuja formosura poderia passar perto da dele. Os outros vilões não tem nenhum interesse sexual pela mocinha. Desejam riquezas e poder, caso do Dr. Facilier, do Governador Ratcliffe e de Shan Yu. Daí, voltamos para as vilãs, com Mother Gothel, cuja relação com Rapunzel é muito mais complexa do que qualquer coisa que a Disney tenha feito antes, afinal, a princesa não conhece outra mãe e a vilã tem uma ligação afetiva doentia com a menina. Há interesse, há possessividade, mas não haveria, também, um tiquinho de afeto? Há relações entre pais e filhos que não são lá muito saudáveis mesmo...
Se a questão da vilania não é problema, a ausência das mães com certeza é. São onze princesas, sete delas não têm mães. Estou contabilizando Mother Gothel como mãe, já que Rapunzel não se via como órfã. As mães deveriam ser modelos para as filhas, mas princesas da Disney geralmente não tem a figura materna para se espelhar. Somente três das princesas têm mãe: Mulan, Tiana e Merida. A mãe de Mulan, no entanto, é uma quase nulidade. A chinesinha tem uma avó simpática, é verdade, mas a velhinha tem um comportamento dúbio. Ela quer ajudar a mocinha a seguir seu próprio caminho ou deseja que ela se case do jeitinho tradicional? Merida, já vimos, tem uma mãe repressora e reprodutora da ordem e das boas relações de gênero. Quer dizer, ela tem carta branca do marido para moldar a filha e tem a última palavra no assunto. De todas as princesas, a que tem uma relação mais saudável com a mãe é Tiana. A mãe da moça a apoia em seu sonho, só que ela não é modelo para Tiana, o modelo é o pai morto. Fora, claro, que a mãe de Tiana aparece muito pouco no filme, assim como a mãe e a avó de Mulan.
Daí, quando temos uma mãe presente o tempo inteiro no filme, ela é colocada como antagonista, e se relacionando com a princesa mais mimada que a Disney já criou. Porque quando paro para pensar, não consigo ver em Merida e sua resistência em aceitar que errou (*caso do feitiço*) como uma grande demonstração de heroísmo. Ela pode ser valente, sem dúvida é capaz de se virar sozinha, mas é uma criatura muito imatura, especialmente quando comparada com outras princesas como Mulan, Pocahontas, Bela. E ela não consegue ser simpática como outras princesas igualmente imaturas, caso de Ariel e Rapunzel. É isso, agora, acabou esse papo de Brave, eu acho.
17 pessoas comentaram:
Eu parei de assistir em Mulan, mas muito interessante sua lista, Valéria.
Lembrou-me a lista da tese de Anita Sarkeesian, do http://www.feministfrequency.com/ (ainda não li td). Ela elenca as personagens femininas de séries americanas pela cor, sexualidade, se é boa ou má, se houve arrependimento e se vive ou morre ao longo da série. Ao fim, ela faz um quadro de porcentagens que mostra que 43% das personagens femininas morrem.
Então... juntando sua lista da Disney com a dos seriados americanos podemos ver o "quão bem" as mulheres são representadas pelo mainstream...
O engraçado é que as princesas são voltadas para um público mais feminino e, ainda assim, elas não possuem uma figura feminina em que se espelhar (como vc mesma falou no post). E muitas garotas passam a se espelhar/admirar n/as princesas! (talvez nem tanto hj em dia, não sei... mas ainda na minha geração tinha quem sonhasse com um "príncipe encantado")
Outra coisa que lembrei foi do filme 'Precisamos falar sobre o Kevin' e que não só na Disney os pais, em geral, são apresentados como bobocas e carentes de culpa.
Enfim...
Eu gostaria de fazer apenas duas observações:
1) Merida não é uma princesa da Disney! "Valente" é uma animação da Pixar - e isso muda muita coisa, inclusive em relação ao que os expectadores esperam em termos de direcionamento do roteiro. Lendo seus posts anteriores, fica claro que você tinha uma expectativa muito grande em relação a essa animação em razão de ser um produto Pixar + ter uma protagonista feminina (e acho que talvez por conta disso tenha ficado tão decepcionada).
2) Exatamente em razão de não ser uma "Princesa Disney" é que, apesar de concordar com você (até certo ponto) sobre a forma como o papel feminino é normalmente representado nas animações americanas, não sei se é inteiramente válido comparar as animações da Pixar com as da Disney. A linha ideológica da Disney é bastante clara e já foi usada e abusada; por outro lado, a Pixar fez o seu primeiro "teste" com uma protagonista feminina.
Enfim, não que eu ache que você esteja errada em juntar num mesmo bolo todos os "filmes de princesa" (pelo contrário, você parece estar certa)... mas acho que o fato de agora haver uma concorrente ao "cartel das princesas" e da inexperiência da Pixar com esse público são dados que devem ser levados em consideração - afinal de contas, trata-se de um filão que dá muito dinheiro (desenhos animados com protagonistas mulheres); qualquer investida muito abrupta que possa "quebrar a fórmula" é normalmente vista com receio dentro dessas megacorporações.
Devil, pelo seu comentário, acho que você assistiu Brave. A tese que eu sustento é que Trata-se de um filme Diney sob o selo Pixar. Aliás, várias críticas por aí estão apontando o mesmo.
Conheço bem o material Pixar mais "roots" por assim dizer e ele não trata as mulheres muito melhor: nenhum (ou quase) de seus filmes passa na Bechdel Rule, não tem protagonistas mulheres(Merida) é a primeira, são muitas mulheres mortas (Ex.: mãe de Nemo, esposa do velho de Up, menina de Monstros não tem mãe visível, namorada de Woody está morta no último filme). Nem vou aprofundar, até porque não tenho interesse em produzir outro post, mas se há ideologia em relação às mulheres, periga ser pior que a da Disney.
Faltou a Giselle....pode não ser princesa mais quase foi...e também é órfã e perseguida pela Rainha/Bruxa....
Eu não lembrei da Giselle, confesso, mas ela é uma sátira, então, o objetivo era rir mesmo, no caso das outras...
Sinceramente a questão dos órfãos não é importante. Ela é um elemento usado pelos roteiristas pra que não haja uma figura responsável ao redor que impeça o protagonista de se meter em enrascadas. Isso é comum em praticamente toda obra infanto-juvenil, não importa a mídia, e é difícil pensar em uma obra com pais fortes que se envolvem ativamente na história. Quando eles existem eles são ausentes, ou não estão por perto. O fato de ser orfão ajuda quem assiste a se preocupar com os protagonistas. E isso é verdade em obras exaltadas por feministas.
Orfandade é recurso? Sim, não precisa me lembrar disso. Agora,passa a ser importante discutir o motivo pelo qual se matam muito mais mães do que pais. Pode contar. Se não parece importante para você, é para a autora do post, nesse caso, eu.
E, por favor, cite as obras elogiadas e as feministas qe as eogiam. Gostaria de avaliar obras, autoras os elogios e motivos. Eu agradeço.
Dos que estão na internet eu sigo a Anita Sarkeesian, o Neil Gaiman e o Terry Pratchett e, bem, você. Escolho estes porque são abertamente feministas. A Anita fala bem e mal de algumas obras, abordando os pontos positivos e negativos. Vou me manter nas animações. E vou me manter nos personagens crianças ou adolescentes, já que pelo que entendi de seu texto o problema que você vê em personagens órfãos é que eles não tem um modelo materno para se espelhar.
A Anita Sarkeesian recomenda Avatar The Last Airbender. A Katara é órfã. Na verdade todos os protagonistas são órfãos. Na continuação a nova avatar, Korra, não tem pais presentes. Ela critica várias animações como Os Smurfs ou Transformers. Na maioria delas não há pais, mas são centradas em personagens mais adultos.
Pratchett criou dezenas de personagens femininas marcantes, muitas protagonistas. Elas não servem de par romântico ou recompensa, não são dominadas ou salvas por homens no último momento. Elas não tem mães presentes ou como modelos influentes. Como exemplo de protagonistas nesta faixa-etária temos a Tiffany e a Eskarina. Mas a Eskarina foi criada e treinada pela vó, que age como uma figura materna, então não conta ^^
Gaiman tem um livro feito pra crianças protagonizado por uma menina chamada Coraline. A vilã é uma criatura de uma realidade sombria que se passa por sua mãe. Os pais da pequena Coraline não são muito presentes.
Usando você (afinal, você é abertamente feminista e está na internet ^^) posso usar alguns exemplos. Sakamichi no Apollon não tem modelos de mães, mas os protagonistas estão mais velhos e não é um desenho de aventuras. Em Sakura Card Captor a mãe da protagonista está morta. Embora ela inspire sua filha (e alguns dos episódios mais bonitos tenham um toque dela). Em A Princesa e o Cavaleiro há uma ausência de modelo matriarca também. Na maioria dos shoujo creio que essa situação seja comum. Existe até aquele filão de meninas órfãsna Europa que sofrem, sofrem... Mas como não assisti muitos não posso opinar bem.
Filmes do Ghibli pelo que vejo são elogiados por feministas na internet. Dos que vi a mãe que mais serve de modelo é a da Kiki, que ainda assim aparece por pouco tempo. E a mãe da Mei a da outra menina de Meu Vizinho Totoro. Mas há menos órfãs mesmo. Embora duas das mais marcantes sejam órfãs, a Princesa Mononoke e a Laputa.
Minha opinião é que mães e pais fortes - quando não são personagens importantes da animação e tem seu filão de história próprio - são empecilhos em desenhos que abordem pré-adolescentes e adolescentes. Simplesmente porque eles estão descobrindo quem são, estão saindo debaixo da asa dos pais... Mas abordar isso é algo demorado e complicado, que gastaria um tempo grande e desviaria a atenção do plot principal do filme. Aí é utilizado como metáfora. Menino/menina sai de casa, enfrenta desafios e volta uma pessoa melhor (em todos os sentidos) é exatamente isso. Pra mim os pais (homens) dos primeiros filmes da Disney são muito pior modelos que as mães ausentes. Eles normalmente querem obrigar a filha a fazer algo. A situação é pior para as mulheres, claro. Bem pior, porque muitas são antagonistas. Mas entre o modelo ausente e modelo errado eu ficaria com o primeiro.
Não entendi o enfoque na Disney em si (e na série princesas). Da área abordada pelo seu site me interesso mais por joseis, mas se puder me indicar obras de outras produtoras com mães com papéis fortes e que sirvam de modelo para as protagonistas eu agradeceria bastante. Não importa o estilo.
Olha, Heider Carlos, são várias coisas a comentar no seu texto e não vou tocar em tudo. Vou comentar o que puder (e quiser) e já vai ser muita coisa. Vamos lá:
1. A Sarkeesian é feminista, não sabia que dois homens - Terry Pratchett e Gaiman – também se assumiam como tal. Será que não está misturando as coisas? A Sarkeesian analisa produtos cinematográficos, livros, e outros, Gaiman e Pratchett são homens que produzem quadrinhos (suponho). Eu não falei de quadrinhos neste texto, estava focando em animações da Disney/Pixar. Cinema tem mais alcance que quadrinhos e eu não estava generalizando. Não pretendo puxar outros materiais para a discussão, porque não é o objetivo do texto.
2. O meu problema não é somente mães a se espelhar, mas por que nos produtos Disney/Pixar são as mães que mais morrerm?
3. Não gosto de Avatar, não assisto nem pretendo assistir (*mais do que o que já vi*) para analisar.
4. Smurfs são adultos? É material infantil e esse é o ponto. O problema de Smurfs não se reduz à orfandade, mas a Sarkeesian já analisou e muito bem a questão.
5. Em Sakamichi no Apollon – o mangá, produto feito por uma mulher – a mãe de Kaoru é importante. Se você leu meu último texto, viu que eu questionei isso. Por que em uma adaptação – e animação é controlada por homens – ela teve seu papel (*e a explicação do abandono do filho*) eliminada. Em A Princesa e o Cavaleiro – o mangá – a mãe de Safiri é personagem presente e importante para a heroína. Parte dos sacrifícios que Safiri faz são por sua mãe. Não vi a animação, mas no mangá isso é evidente. Em A Rosa de Versalhes, por exemplo, anularam a mãe de Oscar na animação, no mangá é para a mãe que a heroína pede conselho em um dos momentos mais dramáticos de sua vida. De novo, o mangá é o original, foi feito por uma mulher, o anime foi feito por homens. O filão de meninas órfãs é antigo, isto é, pouco aparece hoje, e se inspirava em romances ocidentais principalmente. Em materiais shoujo ou shounen, é comum que os pais estejam ausentes – nem sempre mortos – mas podem ser personagens, como em Sailor Moon.
6. Ghibli é material feito por um homem, mas Miyazaki tem um cuidado muito grande ao retratar mulheres e meninas. Kiki tem mãe, mas o que o anime defende é que bruxas precisam ganhar o mundo aos 13 anos. Alguém ensinou. A avó e a mãe, provavelmente.
7. Os pais estão ausentes dos primeiros desenhos da Disney, veja a minha tabela. O pai de Ariel é o único autoritário e isso na década de 1990. Nos primeiros desenhos de princesa, não há nem pai, nem mãe. O que eu levanto como questão é por que as mães são mais ausentes, estão “mais mortas”, por assim dizer, que os pais.
8. Claro, que é clichê que o herói/heroína juvenil seja órfão ou tenha pais ausentes. Acho uma pobreza isso, mas é comum em material ocidental e oriental. Mas, de novo, por que as mães são sempre mais ausentes. E, mais uma vez, repito: o texto foi sobre Princesas da Disney. Não vou generalizar para outros materiais que não analisei aqui.
9. “Não entendi o enfoque na Disney em si (e na série princesas).” – eu expliquei no início do texto. Comentei da minha discussão com a Gabi N. E eu faço resenhas dos filmes que assisto. Resenhei A Princesa Sapo, Enrolados, Valente. Não sei, também, por qual motivo é estranho que me interesse por esse material. Já fiz posts anteriores sobre contos de fada, recomendei leituras acadêmicas e tudo mais. E a questão me incomoda como fã de contos de fada, da Disney e feminista. Não é o suficiente?
10. Você acompanha o site e sabe que josei é material que não recebe muita atenção dos scanlators. Eu não tenho condições de recomendar títulos que não tenham sido traduzidos e publicados em línguas que eu leio. Não leio japonês. Agora, uma coisa que é certeza é que a maioria das protagonistas de josei são adultos ou jovens adultos, fora de casa, no mundo do trabalho. A presença de pai ou mãe é limitada.
Interessante o seu quadro. Eu, particularmente, nunca havia reparado nessa ausência da figura materna nas animações da Disney, tampouco o pouco enfoque dados aos pais - homens e mulheres -, de maneira geral.
Concordo com o Heider Carlos a respeito da ausência dos progenitores ser um recurso da narrativa. Mas, é de se questionar o por quê de, quando aparecem, ser o pai o escolhido. Acredito que seja mesmo uma questão de gênero (não sei se estou certa em usar esse termo): vendo a função do pai nas tramas que você destacou, sendo o repressor, o modelo de inspiração ou o bobo, não vejo a intenção deles de colocarem as mulheres nessa posição, já que não condiziria com o papel feminino dentro dos padrões sociais ditados pelo masculino.
No exemplo de Brave, fiquei realmente sem entender o motivo de colocarem a mãe no papel da repressora.
Em estudos sobre contos de fadas de Jung a Joseph Campbell, cabe lembrar que geralmente a figura da fada madrinha representa justamente o espírito da mãe morta.
A "mágica" da fada madrinha é como se fosse o legado positivo que a figura materna representa, enquanto as madrastas representam o lado negativo da figura materna.
Se formos analisar, várias princesas tem fadas madrinhas literais ou simbólicas ao seu lado em suas jornadas. Cinderela, Aurora (que tem TRÊS!). Bela tem Mrs. Potts, a chaleira, que inclusive é quem canta a canção tema do filme. Pocahontas tem a árvore ancestral, Mulan tem a avó (apesar dela representar um papel dúbio no filme, como a Valéria mesma indicou).
O problema também é a mania da Disney mudar os contos. Em Branca de Neve não há fada, a "fada-madrinha" de Ariel foi substituída por Linguado e Sebastião. E Jasmine, nem se preocuparam, afinal o herói da história era Aladdin.
Curiosamente, não transformaram uma megera irada numa mãe orgulhosa -- Hera, em Hércules -- e as mães de Tarzan e Simba são muito orgulhosas de seus filhos homens. Dedo da própria Disney também.
Agora, minha opinião: ainda não vi Brave, estou BEM curiosa e a personagem principal me agradou muitíssimo. Na verdade, o fato dela ter esses graves defeitos como egoísmo a tornam mais atraente, pois todas as princesas são perfeitinhas demais!
AGORA, esse lance dela "só se casar quando estiver pronta" é uma droga mesmo. Eu sei que a ideia original do filme era que seu mote fosse "...e talvez eu JAMAIS esteja pronta". Acho que muito disso se explica pelo fato de que TIRARAM a diretora Brenda Chapman no meio da produção e a substituíram por Mark Andrews. Então é um filme concebido e desenvolvido até a metade por uma mulher, mas terminado e remendado por um homem.
Reflitam.
É normal na Pixar e em outras animações haver substituições assim, em outras animações da Pixar isso também ocorreu. Mas acho que NESTA animação em específico, a mudança de diretores foi pontual. Fica claro que Brenda Chapman queria algo muito específico pra Merida que o lado Disney da empresa talvez tenha achado melhor conter.
Bem, Petra, não sabia da substituição da diretora, mas sabia das intervenções. Isso deve ter pesado muito, acredito eu. Estava com tanto medo de um “fiasco” (*Oh, uma heroína! Uma protagonista!*) que tentaram diminuir o impacto. Resultado? Brave só não vai pior de bilheteria nos EUA dos que Carros 1 e 2. É a terceira pior estreia da Pixar até hoje.
Quanto às fadas madrinhas, eu realmente não gosto das análises psicológicas ou de mitologistas (*respeito, mas não uso, nem usao para fundamentar minha argumentação*), prefiro pegar os contos em suas versões anteriores e o que os filólogos e historiadores têm a dizer. De todos eles, que eu saiba, somente a Cinderela falava efetivamente com a mãe morta. Minha fonte é a Marina Warner (Da Fera à Loira - Sobre contos de fadas e seus narradores ) Esse espírito foi sendo transmutado, cristianizado, melhor dizendo, até se tornar a fada madrinha. No caso das outras, trata-se daquelas generalizações com o intuito de impor a idéia de que existem arquétipos universais. Os espíritos, como a árvore de Pocahontas, não são concretamente mães, são outra coisa, como o Yoda para um Luke de Guerra nas Estrelas. Já os pais, são bem concretos, muito mesmo.
Já madrasta e sogra no francês antigo eram a mesma palavra. Teorizasse que a tal madrasta má nada mais é do que a mãe do príncipe em épocas nas quais o casamento dentro da nobreza se fazia em uma idade muito tenra, às vezes, até na infância mesmo. Fora detalhes mais pesados mesmo, como o fato da Bela Adormecida ter sido estuprada pelo príncipe e só tenha acordado quando sentiu as dentadas de seus bebês... mas isso não é coisa que se venda para crianças a partir do século XVIII.
A questão retorna, sempre matam as mães com mais frequência, ou as anulam, caso da mãe de Mulan, porque ela existe, não é espírito, nem fada madrinha, mas é pelo pai que a heroína se sacrifica. Obviamente, isso se explica pelo lugar e pela cultura, mas, se formos olhar com cuidado: Bela se sacrifica pelo pai, Mulan se sacrifica pelo pai, Tiana persegue o sonho do pai, etc. Já Merida se arrisca pela mãe.
Quanto ao egoísmo de Merida, bem, ser egoísta não é virtude. Ser cabeça dura e não reconhecer seus erros por tempo demais é irritante. Não se trata de humanizar a personagem, é trabalhar contra ela mesmo.
Ser egoísta sem dúvida não é virtude. Mas faz parte da natureza humana ter defeitos, e gosto quando personagens apresentam uma boa gama deles.
Inclusive eu sempre coloco como é curioso esse medo de pôr defeitos em personagens femininas, para não antipatizá-las, enquanto em personagens masculinos isso é visto como "charmoso". Um Dr. House é atraente; uma mulher com sua personalidade seria vista como uma megera (sou muito contra isso).
Os defeitos que você citou em Merida parecem sem dúvida sérios, mas extremamente realistas numa adolescente de 16 anos, que não valoria o suficiente a própria liberdade (achando que "não é nada mais do que merece") e se achando injustiçada por não ter ainda mais.
Acho importante o herói ter defeitos, GRAVES, inclusive, não ser feito só de virtudes. Acho interessante criar um herói crível. O desafio é como fazer ele lidar com esse lado de sua personalidade de forma que o público não o deteste.
Sobre a análise psicológica e de mitologistas, realmente não haveria como concordarmos, porque é por elas principalmente que fundamento minhas teorias e meu trabalho =)
No entanto, concordo que é notório na Disney esse problema com as personagens femininas mais velhas, geralmente relegadas a vilãs e megeras. Talvez porque a empresa foi fundada por um homem e até hoje os diretores em sua maioria sejam homens.
A Pixar vinha quebrando isso com Os Incríveis, UP e outros, mas o comprometimento com a Disney está se fazendo ver cada mais.
Apesar disso, ainda vejo uma razão pra discussão em torno de Brave ser sobre o relacionamento entre Merida e sua mãe: de certa forma, Brave tentou ser a resposta Disneyana com teor feminino a "Como Treinar Seu Dragão", onde o assunto é o relacionamento do garoto fracote e seu poderoso pai, líder dos vikings.
Ainda não vi Brave, mas confesso achar difícil bater Como Treinar Seu Dragão, uma das animações ocidentais mais comoventes e bem trabalhadas que já vi. O que é uma pena, pois tinha a faca e o queijo na mão, e Merida como personagem, esteticamente falando, tem muito mais apelo que o próprio garoto viking do filme da Dreamworks.
Olha, Petra, a questão não é ter defeitos, nem se trata de discriminação de gênero da minha parte. A questão é o quanto uma personagem, especialmente a protagonista, pela qual temos que ter empatia, pode ser egoísta e cabeça dura.
É como Cavaleiros do Zodíaco (*e a média do protagonista shounen padrão*), Seya pode ser o protagonista, mas nove entre dez fãs do seriado preferem qualquer outro cavaleiro (*normalmente, Shiryu*). Não tive tempo para me afeiçoar à Mérida, só achá-la irritante. Ela é a adolescente média? Bem, dou aula para adolescentes há anos e na média eles e elas são muito melhores.
E quanto ao House, não costumo babar por personagens mal educados. Gosto de Sherlock, da nova série da BBC, apesar de mal educado. Só que temos três episódios por ano para reconhecer-lhe as virtudes e relevar os defeitos. Com Merida temos muito menos. E ela não é a megera, ela é mimada. Só. E isso em um protagonista - independente do sexo - é um defeito e tanto.
Motivo: meninas sem mães são mt mais coitadinhas, ingênuas, doces e recatadas. Estereótipo apenas, na realidade não é bem assim.
A figura da mãe repressora ainda é um tabu entre as feministas e esse é um dos motivos pelos quais eu me identifico tanto com brave e gostei tanto do desenho. Vejo frequentemente que filhas de mães repressoras e/ou abusivas são vilanizadas pelas feministas como ''mimadas'', apesar de isto estar mudando um pouco, ainda é muito frequente na militância. Muitas feministas implicaram com o desenho por este motivo, apesar de resistirem em admiti-lo.
Percebo que seus conhecimentos sobre os feminismos e maternidade São bem rasos, enfim, espero que amplie suas leituras sobre o tema um dia.
Postar um comentário