terça-feira, 17 de julho de 2012

Mais mimada que valente - Comentando Valente (Brave, 2012)



Sexta-feira, aproveitei minha estadia em São Paulo para ir assistir Brave. Para quem se assustou, ainda está em pré-estréia. O filme só entra no circuito no dia 20 de julho. Não fiz a resenha de imediato por dois motivos, estava sem meu computador (*fazer post longo em tablet é muito ruim*) e o filme não me empolgou. Infelizmente, preciso escrever que esperava muito mais de Brave e o filme prometia muito. No final das contas, entretanto, ele não conseguiu me convencer nem no quesito drama, nem no quesito humor. Parecia muito mais um daqueles filmes “para toda família” que pululam na televisão em feriados como o Natal. A culpa, claro, não foi da protagonista, mas de um roteiro que não conseguiu sair da mediocridade. Como material Pixar, Brave fica muito, muito aquém do que o estúdio fez de melhor (*na minha opinião*): a trilogia Toy Story, Procurando Nemo, Wall-E, os primeiros minutos de Up e mesmo Os Incríveis. Bem, mas vamos lá...

Escócia, século X, Merida é uma princesa, filha do rei Fergus DunBroch e da rainha Elinor. Seu pai unificou os quatro clãs locais e é muito respeitado, apesar de ter perdido uma das pernas para Mor’du, um urso demoníaco. Merida desde menina é capaz de ver luzes mágicas (Will-o'-the-wisp), estimulada pelo pai, ela é também uma excelente arqueira e cavaleira. Sua mãe, no entanto, deseja que ela seja uma princesa modelo e, seguindo a tradição, se case aos dezesseis anos com um dos filhos dos chefes dos outros três clãs garantindo a paz do reino. Merida não suporta a pressão e termina se desentendendo com a mãe no dia em que se decidiria o seu casamento. Ferida em seus sentimentos, ela se embrenha na floresta e acaba vendo novamente as Will-o'-the-wisp. Seguindo as luzes mágicas, ela encontra uma bruxa. A velha lhe oferece um feitiço em troca da comprar de suas esculturas de urso. Merida acaba pedindo que a bruxa mude sua mãe e, claro, as coisas não funcionam como deveriam...

Quais são os pontos fortes de Brave? Em primeiro lugar, o cabelo da protagonista. A cabeleira de Merida é linda. Ela se movimenta de forma tão natural, que quase tem vida própria. E o filme usa de forma muito competente a metáfora do cabelo para ilustrar a questão da liberdade. Cabelo solto, cabeça descoberta é sinônimo do desejo de Merida de ser livre, de escolher seu destino. A cor de fogo de sua cabeleira só potencializa isso. Já sua mãe usa o cabelo solto. Não o usa coberto, como uma mulher casada na Idade Média deveria, mas seguro por tranças. De qualquer forma, o objetivo é fazer o contraste entre uma, domada pelas regras sociais e sua principal reprodutora, e a que resiste, a que quer conquistar, abrir caminhos. Essa metáfora do cabelo é muito bem ilustrada quando a rainha Elinor prende o cabelo da filha. Ainda que seja um tanto absurdo cobrir o cabelo de uma donzela, ainda mais quando ela deveria estar disponível aos olhares masculinos, a idéia é marcar a questão do enquadramento e da resistência. Atenção para o fiapinho de cabelo que Merida liberta. :)


Outro ponto forte do filme é a trilha sonora. A música de inspiração céltica dita bem o ritmo do filme, seja nos seus instrumentais ou nas músicas cantadas. É bonito de se ouvir e ver Merida cavalgando, atirando com seu arco e a música tocando ao fundo. Eu vou atrás das músicas no original, porque, bem, sempre há alguma perda com a dublagem. Patrick Doyle, o compositor responsável, usou gaitas de fole, flautas e outros instrumentos locais e deu um tratamento de música eletrônica. O objetivo, segundo ele, era “servir à ação e manter a autenticidade”. Não sei se renderá alguma indicação para a Pixar, mas tem seus méritos. Eu não consegui perceber grande avanço na animação, mas confesso que não sou a melhor pessoa para avaliar. Meu marido insiste em dizer que a cena estava desfocada, eu não sei se ele tem razão. Agora, algo que confirmei no IMDB um erro de continuidade. Uma hora Mérida não tem arco, para logo em seguida aparecer muito bem armada. Foi um deslize e tanto...

E chegamos aos problemas... E, a meu ver, eles são muitos e tiram o brilho da história. O drama de Merida tem a ver com papéis de gênero. Primeira protagonista feminina da Pixar, jogaram sobre ela grande responsabilidade. A Princesa tem que se opor à tradição, lutar pelo direito de escolha. Liberdade é um dos valores mais caros aos norte americanos, é parte de seu ideário nacional. O problema é que o roteiro não teve coragem de aprofundar nada. Como em muitos shoujo mangá – Shoujo Kakumei Utena, Waltz wa Shiroi Dress de, Basara, A Rosa de Versalhes,Haikara-san ga Toruh, N.Y. Komachi, etc. – tínhamos um prato cheio para uma grande discussão.

Merida foi filha única durante muito tempo. Isso poderia explicar os mimos do pai, que lhe dava arcos, cavalos, espadas, falcões. Presentes muito mais apropriados a um príncipe. Mas terminaram nascendo três garotos. Logo no início do desenho, a moça pontua que seus irmãos “podem tudo”, ela “não pode nada”. Por ser mais velha? Por ser mulher? O problema, e eu pontuei isso quando comentei um dos trailers, é que o filme coloca a mãe – e somente ela – como agente de repressão e enquadramento. É óbvio que as mulheres são fundamentais para que as desigualdades de gênero sejam mantidas – comentei isso em uma de minhas resenhas de Ōoku – mas o filme isenta o pai de qualquer função nesse trabalho “sujo”. O pai continua do lado da filha sempre. É como se os homens não tivessem papel ou mesmo lucro na manutenção das estruturas de poder. Coitadinhos! Homens sofrem tanto quanto mulheres e o problema são matronas como Elinor! Vide o final e a fala dos filhos dos clãs. Se esses papéis de gênero ultra-rígidos são tão igualmente opressores, quem é que lucra? Percebem que Brave é tudo menos um filme feminista? Pois é...


Mas não pensem que Elinor é a vilã no sentido tradicional. Ela parece só a megera que não sabe se divertir. Enquanto isso, Merida passa em vários momentos a impressão de ser a menina mimada e egoísta, não alguém que luta legitimamente pelo seu direito de escolha. Assim como seus irmãos são mal educados e seu pai é cabeça oca. Claro, que no final tudo vai terminar bem com um retrato perfeito de família feliz. Daquele tipo que se ama acima e apesar de tudo. Merida – e isso foi celebrado em algumas resenhas – não tem um príncipe, mas promete “no tempo certo”, pensar no assunto. Eu não vi grande ganho, ainda que sacrificar-se pela mãe e a ênfase na necessidade de entendimento entre mães e filhas ser algo interessante em um filme focada nas crianças. Sim, o filme é infantil. Mais infantil do que Rapunzel. E falho tanto no drama – lembrem que no caso de Rapunzel ela só tinha a bruxa como mãe e sofre muito quando precisa romper com ela – quanto na comédia.

Eu ri muito pouco, uma ou duas vezes. Claro, que as crianças riram bastante, especialmente das correrias e traquinagens dos irmãos de Merida, das brigas dos membros dos clãs. Alguns adultos também riram, mas eu precisava de mais, pelo menos um pouco mais... A Bruxa, por exemplo, parece uma pregadora de peças. Sua função real na história é muito fraca. Dar visibilidade aos papéis femininos é interessante, afinal, filmes com personagens femininas centrais e ativas são raros, mas eu queria mais consistência. Falando nisso, o filme cumpre a Bechdel Rule sem problemas, afinal, a maioria das conversas das mulheres do filme é sobre as mulheres mesmo. Fora que há o foco no relacionamento mãe e filha.

A parte humor, como enfatizei, fica por conta do pai de Merida, dos irmãozinhos, e dos membros dos clãs. Meu marido insistiu muito que os chefes e membros dos outros clãs foram inspirados em Asterix, que a pixar bebeu além do que devia no quadrinho francês. Isso eu não sei, mas o fato é que as piadas envolvendo os sujeitos foram bem simplórias, sem grande aprofundamento. eu precisava de coisas um pouco mais elaboradas. De novo, lembrei de outros produtos do estúdio que me conquistaram e me arrastaram, levando-me ao riso e às lágrimas. Faltou isso em Brave.


Outros problemas talvez escapem ao público infantil, mas não escaparam a mim. Querem ver? Se o pai de Mérida é o primeiro rei, o unificador do país, como falar em tradição sobre casamento entre os clãs? E tradição para manter a unidade... Pode ter sido falha da dublagem, às vezes, coisas assim acontecem. De qualquer forma, falar em tradição e costume em um caso assim não faz sentido. Outro ponto, e aí é erro factual mesmo, liga-se aos filhos dos líderes dos clãs. De um deles é dito que derrotou os romanos, do outro, que venceu os vikings. Bem, bem, os romanos não se meteram na Escócia, até tentaram no século I, mas recuaram. Como o príncipe derrotou os romanos no século X, se os romanos estavam fora das Ilhas Britânicas desde o século IV? E como juntar tudo isso com o outro que derrotou os vikings. As razias vikings datam do século VIII (*forçando a barra*) para adiante. Pode ter sido bravata? Sim, claro, mas ficou estranho. E tem o garfo... mais anacrônico impossível!

Não sei se Brave vai fazer sucesso. Temo que um problema de roteiro seja utilizado de novo para dizer que protagonistas mulheres não vendem filmes. Sabemos que é mentira, mas babacas machistas estão aí para papagaiar essas coisas a todo momento. Falando em mulheres, é preciso ressaltar que uma das diretoras de Brave é Brenda Chapman, ela foi a primeira mulher a dirigir um filme animado para um grande estúdio, neste caso, O Príncipe do Egito. Eu lembro bem que não reconheci os méritos deste filme quando o assisti no cinema, só fui entender o quão poderoso ele era, no sentido de se comunicar com seu público, quando observei a reação de meus alunos e alunas de treze e doze anos. De repente, será o mesmo com Brave. Outra mulher envolvida na produção é Irene Mecchi, que foi co-roteirista de O Rei Leão, O Corcunda de Notre Dame e Hércules. Pensando bem, Brave me pareceu muito mais um produto Disney do que Pixar. Queria muito a opinião de vocês a respeito. Quando o filme estrear e eu estiver de volta em casa, talvez arrisque ir assitir de novo, para confirmar minhas impressões, ou não. Queria muito conversar com crianças sobre o filme, porque, afinal, elas são o público e não eu. Brave é para elas, não é um filme com camadas, é um filme infantil e bem mediano para os padrões da Pixar.

16 pessoas comentaram:

(parte 1)
Oi Valéria! Eu assisti Brave ontem com as minhas amigas, e confesso que gostei muito.
Uma coisa que não dá pra se negar a respeito do filme: é MUITO mais Disney do que Pixar. Brave está nos moldes dos filmes Disney de princesas, e pouco se parece com os seus irmãos de estúdio.
Mas eu acho que você foi um pouco dura demais com ele. Não podemos esquecer que é um filme infantil, apesar de tudo...
Não acho que seja um problema machista que o fator de repressão seja visto na figura da mãe, enquanto o pai é mais tranquilo. Se fosse o contrário não falariam que foi feminismo... Acho que normalmente nas casas um dos pais é mais rígido e opressor enquanto o outro é mais alheio e divertido. Isso se manifesta de maneira aleatória. As vezes é o pai, as vezes é a mãe... Por exemplo, Ariel é filha do rígido rei Tritão, no caso de Mérida, quem coloca ordem na casa é a mãe.
(E, diga-se de passagem, no meu também).
Dentro dos filmes de princesa, Valente é um dos únicos que mostra uma configuração de família tradicional, com pai e mãe (sem madrastas, bruxas raptoras e crianças órfãs. Pelo que eu me lembre, todas as outras princesas tiveram suas mães mortas, menos a Rapunzel e a Bela Adormecida, que foram criadas longe de casa por terceiros).
Então acho que o filme foi muito eficiente em mostrar o relacionamento das duas. Porque família, aquela que a gente convive todo dia, não é só flores. Existem as crises, as brigas e tudo mais, mas o que fica sempre muito marcado é o amor, e pra mim essa é a principal mensagem de Valente.

Ao fim do filme, tanto Merida quanto a sua mãe aprendem muito uma com a outra, e aprendem a viver conciliando melhor suas diferenças. E pra mim, o fato de ela se tornar um urso é uma metáfora para a maneira como os adolescentes veem os pais repressores.
Eu posso falar com propriedade, porque eu estou no fim da minha adolescência. Eu tive muitos conflitos com a minha mãe durante esse período, então me identifiquei muito com a história do filme. Assim como Merida, eu fui criada com muito amor pelos meus pais, mas em determinados momentos, a diferença de gerações causa algumas desavenças. No meu caso, igualmente ao de Merida, eu tive desavenças com a minha mãe. (Talvez seja algum tipo de desejo inconsciente das mães de que suas filhas sigam os seus caminhos, ou que pelo menos não cometam os mesmo erros e sofram com isso. Eu também sou filha única, assim como Merida era. Creio que seja normal que as mães sejam as que mais estranhem os comportamentos... "rebeldes" das filhas, porque elas as criam para serem de certa forma parecidas com elas).
Eu sempre tive personalidade muito forte, e minha mãe nunca me obrigou a ser como ela, nem nada do tipo (embora várias mães de minhas amigas exerçam esse papel). Mas querendo ou não, de inicio a minha mãe ficou levemente chocada com as minhas idéias emancipatórias. Não por machismo, por preocupação. Veja bem, minha família é consistida desde sempre por mulheres fortes e trabalhadoras, nenhuma de nós dependeu de homens para o nosso sustento. Mas querendo ou não, minha mãe é casada (e muito feliz no casamento). Então da primeira vez que eu disse que queria trabalhar na polícia federal e que não me casaria ou teria filhos, não dá pra negar que ela ficou levemente assustada (claro que depois ela compreendeu, e ela sempre me apoia nos meus objetivos). Pode ser um exemplo bobo, mas é só pra ilustrar o que acontece com as diferenças de gerações... (Já o meu pai, assim como o de Merida, sempre foi o condescendente da casa).

(parte 3)
Na minha opinião, Brave ilustra muito bem um lar matriarcal, com a mãe como peça chave da casa, como o elemento de ordem (mais do que de opressão). Alguém tem que ser o rígido, se não as coisas não funcionam. E como eu disse antes, a minha família sempre seguiu modelos matriarcais, então eu não consegui ver guerra de gêneros no filme, apenas um lar normal com as típicas desavenças entre uma mãe e sua filha única (quando ambas tem personalidades muito fortes e ideias já muito definidas).
E o que salva as duas ao fim do filme? O amor que elas tem uma pela outra. E que Merida, assim como muitas aborrecentes (e eu me incluo no grupo) as vezes deixam de proferir, pelo orgulho bobo, típico dessa fase da vida.
Brave não é um filme feminista. Concordo. É um filme sobre a fase difícil entre o relacionamento mãe e filha, entre os conflitos da adolescência, a vontade de viver a própria vida e seguir o caminho individual, e o rompimento com os valores dos pais (tudo permeado com a magia Disney). E eu achei o filme muito eficiente nisso.
Pra mim Brave vai entrar pra categoria de filmes como A Pequena Sereia e Mulan (Mulan sendo o melhor deles, mas é só pra exemplificar), com protagonistas jovens que se rebelam para mostrarem se ponto, mas depois conseguem a aceitação da família. É sobre se libertar dos valores impostor pelo lar, mas não com pais tiranos, já que eles tentam fazer o que acham ser certo, fazem o que fazem por amor.
Desculpa se o texto ficou confuso... mas em resumo, eu gostei muito de Brave. Não é o meu filme da Disney favorito, e não é o mais engraçado e nem o mais brilhante, mas eu achei eficiente. E é um dos quais eu mais me relacionei, talvez por conta da minha faixa etária.
E as criancinhas do cinema saíram felizes e adorando, e eu vi o cinema cair na risada por diversas vezes (inclusive os adultos).

E pra finalizar, preciso falar do curta inicial. Aquilo sim é Pixar. A Pixar já tem uma tradição nos seus curtas, mas na minha opinião eles nunca fizeram nada tão lindo quanto La Luna. Uma história simples, mas muito criativa, que me tocou profundamente. Achei lindíssimo, e de uma delicadeza incomparável.

Enfim, é isso. Desculpe pelo comentário imenso...
xoxo

Bem, Gabi, o que me incomodou mais no filme é que ele reduziu toda a questão do peso dos papéis de gênero a uma questão pessoal e, mais ainda, a um mero conflito geracional. Eu tenho pai e mãe vivos. Ambos sempre me exigiram o cumprimento de certos papéis. Minha mãe nunca se estressou muito com papéis de gênero, meu pai, sim. E é machismo, mesmo quando você não sabe que é. Se o filme conseguiu fazer a audiência ignorar isso, realmente, ele tem méritos. O que não é natural, o que é contrução cultural, acaba sendo visto com olhos complacentes. E mais, comparado com o drama e Rapunzel e sua mãe-bruxa, o drama-conflito de Merida e Elinor é muito pequeno, muito rasinho, muito mal trabalhado.

Outra coisa, não há matriarcado em Brave. Ter uma mulher em um papel de mantenedora da ordem (patriarcal), não é tornar uma situação matriarcado. Mulheres fortes podem se colocar a serviço da manutenção das relações desiguais de poder. Brave camufla tudo isso ao reduzir a questão a relação entre mãe-filha. No fim das contas, fica adiado para Merida – que diz não estar pronta – o cumprimento dos seus deveres que são casar, gerenciar a casa do marido (*eis um mérito do filme, mostrar a função da senhora do castelo*), procriar filhos homens e atormentar suas filhas para que elas façam o mesmo.

Não sei se você assiste Gabriela, mas veja o papel da Laura Cardoso. Ela é viúva, ela exerce muita influência sobre o filho e os netos e ela quer fazer com que as relações de poder se mantenham as mesmas. É muito interessante que a Disney raramente nos ofereça mães (Mulan tem uma mãe apagada e uma vó mais ativa e interessada em que ela se case) e quando nos oferece, nos dá um agente de repressão... Por que, ein? Por que não dar ao pai o papel de repressor? Os pais são muito mais presentes em filmes Disney...

Quanto a Mulan e Ariel, desculpe, mas por mais que eu goste muito dos dois desenhos, eles são, sim, muito machistas. Mulan, depois de tudo o que fez, prefere voltar para casa, lugar feminino. Ela não aceita o cargo que o imperador lhe oferece. Mensagem muito forte de que o lar é o lugar “da verdadeira mulher”. Ariel vira as costas para a sua família, seu mundo pelo amor de um homem. Nada mais tradicional, se não der certo, ela está sozinha, mas vale tudo pelo amor... Pena que raramente coloquem um homem abrindo mão de tudo, é quase sempre uma mulher.

Brave é fraco para os padrões Pixar. Assumidamente infantil. Raso ao retratar as relações humanas. E terrivelmente individualista ao anular questões maiores e transformá-las em um problema “de família”. Infelizmente, é o que eu senti ao ver o filme.

Eu entendo tudo o que a senhora disse, e aprecio muito a sua opinião, de verdade. A senhora pontua coisas que eu jamais pretaria atenção, muito menos em um desenho.
O que aconteceu é que eu não transferi a situação do lar de Merida para uma visão macro, como a senhora fez.
Eu vi o filme apenas como um conflito geracional mesmo, como o relacionamento pessoal entre Merida e sua mãe, não tinha ampliado a questão dos papéis de gênero... acho que me falta bagagem pra poder fazer isso... Talvez eu tivesse feito essas ligações em algum filme supostamente crítico, mas nunca em uma animação infantil.

Ah e concordo totalmente com você, muitas vezes (ou melhor, na maioria das vezes) as mulheres fortes usam seu poder para manter a ordem patriarcal, fato. (Elinor faz isso, e como você exemplificou brilhantemente, a velhinha de Gabriela faz isso como ninguém).

Discordo apenas com o fato de que na Disney não tenham pais repressores.Mulan e Pequena Sereia são exemplos disso. Mas concordo, ambos são muito machistas mesmo, eu só os citei para o grupo de "princesas rebeldes", grupo oposto às ovelhinhas de presépio como a Cinderela e a Branca de Neve (embora eu ame muito todos esses desenhos, porque sou apaixonada por Disney). E o final de Mulan é extremamente decepcionante. Eu acho que ela deveria ter ficado trabalhando no governo. E poderia até ter ficado casada com o Chan, duvido que ele se oporia.

E concordo com a senhora, Brave é assumidamente infantil. Mas eu realmente não acho que isso seja um problema. Os desenhos estão ficando tão adultos, tão maduros, que daqui a pouco as crianças não vão mais ter um material feito exclusivamente pra elas. E apesar de que o público das animações da Pixar seja muito amplo, não acho errado eles fazerem um filme puramente infantil. |E como filme infantil, eu gostei de Brave. Até assistiria de novo, dessa vez com a minha mãe.

E talvez seja tudo uma questão de expectativas, eu não estava esperando nada muito profundo do filme mesmo, então saí satisfeita do cinema...

xoxo

Não, não, acho que eu me fiz entender mal. Eu não quis dizer que não existem pais repressores na Disney, mas que são raras as mães e quando ela existe – caso da Merida – ela é colocada em uma posição vilanesca. Olha só:

- Branca de Neve – órfã de pai e mãe – vilã é uma mulher (madrasta-bruxa).
- Cinderela – órfã de pai e mãe – vilãs são três mulheres (madrasta, irmãs).
- Bela Adormecida – não é órfã, mas acha que é – vilã é uma mulher (fada-bruxa).
- Ariel – órfã de mãe, tem pai repressor – vilã é uma mulher (bruxa).
- Bela – órfã de mãe, tem pai boboca (tipo o da Merida) – vilão é um homem (Gaston).
- Pocahontas – órfã de mãe, tem pai mantenedor da ordem – vilão é um homem.
- Jasmine (*ela é princesa, afinal*) – órfã de mãe, tem pai boboca (tipo o da Merida) – vilão é um homem.
- Mulan (*não é princesa, mas é como se fosse*) – mãe apagada, avó avoada, mas muito lúcida, pai mantenedor da ordem – vilão é homem.
- Tiana (*não é princesa, mas é como se fosse*) – órfã de pai, seu grande modelo, mãe apoiadora e ativa – vilão é homem.
- Merida – pai bobão e mãe repressora – o mais próximo do vilão é a mãe.

Veja que até temos muitos vilões nesses últimos filmes Disney. O filme do Aladin não é de princesa, incluí a Jasmine, porque ela é incluída entre as princesas da Disney. Não incluí Alice, porque não é princesa, mas a vilã é mulher e a irmã mais velha é um agente repressor. Agora, a constante complicada é a ausência da mãe. Aí, quando colocam uma mãe ativa, ela tem que ser o agente repressor? Veja que os pais são muito mais presentes, alguns são mantenedores da ordem, mas não repressores, de fato. Eu só rotularia de repressor o pai da Ariel, ele é o mais próximo da Elinor, para dizer a verdade. Espero que tenha explicado dessa vez. :)

(Adorei a sua tabelinha, até que enfim alguém que lembre dos filmes da Disney como eu hahahahaa)

Entendi agora, e concordo!
Realmente na Disney a mãe geralmente é morta, ou é a vilã (figura clássica da madrasta maligna).
E em termos de personagem, também achei a Elinor próxima ao Tritão, por isso citei Ariel.

Mas eu não considero a Elinor vilã... na verdade pra mim esse filme foi meio sem vilão, o mais próximo de vilania não seria o urso?

Acho que a melhor mãe mesmo é a da Tiana...
E quanto aos filmes mais clássicos, como Branca de Neve e Cinderela acho que as vilãs mulheres equilibram as protagonistas tolas... (na verdade, eu sou apaixonada pelas vilãs desses filmes, desde criança. Creio que nos filmes mais antigos de disney as vilãs eram os personagens mais interessantes...)

Mas concordo com o que a senhora disse, não tem nem o que discutir!
Não só na Disney, mas também na maioria dos contos de fada as vilãs são mulheres (as bruxas e madrastas), realmente é algo para se refletir... Onde foi que começou isso? Deve ter alguma base histórica, mas eu desconheço... (tem alguma coisa a ver com a ideia de pecado original?)

Ah pelo menos não fui a única que fico decepcionada com o filme! Sou apaixonada por outros filmes da Pixar, mas comparo Brave a Shrek 4 e Enrolados. Nenhum desses filmes me cativou ou me deu vontade de voltar ao cinema.

Minhas expectativas eram as mais altas possíveis. Imaginei varias histórias diferentes, como Merida poderia virar um homem, ou passar a viver como Robin Hood. Achei um tanto bobo a ideia da mãe virar um urso (simplesmente não me atraiu).

Senti falta de algo que cativasse os mais velhos (olha que tenho 18 anos e amo filme infantis), piadas mais elaboradas. Merida, que para mim, era mais esperada heroína, tornou-se em uma personagem chata e mimada mesmo. Sem contar que botaram a coitada para falar tudo, mesmo sendo desnecessário.

A Bruxa parece ter sido enviada ali por falta de opção melhor. Podiam ter sido mais criativos e explorar um mundo diferente dessa mitologia medieval. Podia ser uma cartomante, um gnomo, leitura de Runas.

Fiquei triste no final das contas, achei que ia ficar louca esperando o dvd, mas minha compra mesmo vai ser a trilha sonora (linda por sinal).
Sarah

Oi, Valéria!

Concordo com você. Brave é muito mais Disney que Pixar.
Só aqueles trigêmeos pestes e metidos a espertos é muito, MUITO a Disney! Chega a ser clichê!

E também achei fraco - comparado as outras obras do estúdio. O que piora é o contraste da animação de Brave com a animação curta que a precede, a das estrelas.
Minha amiga que me acompanhou gostou mais da animação de início do que de Brave.

Fui assistir logo na sexta de estreia de tão ansiosa que estava para ver o filme.
Me decepcionei muito.
Achei o roteiro fraco, achei que vários personagens poderiam ter participado mais da trama, achei algumas coisas muito forçadas, enfim...

Realmente, eu não tinha notado mas, é, né? Merida parece mais mimada e teimosa do que desejosa de independência. A gente mesmo não sabe muito da vida dela antes de casar, o que iria mudar, o que faz exatamente ela desejar tanto não se casar.

O que me deixou já de muito mal humor com o filme foi o fato de só a mãe dela a encher o saco para ela se comportar como uma princesinha! Isso me tirou do sério.

Enfim, eu pretendo assistir de novo, já que minha irmã não assistiu ainda e quer que eu a acompanhe, mas só quando tiver em promoção no cinema aqui perto de casa.

Assim, a mãe ter virado um urso não parava de me lembrar irmão urso.
Putz, tooosco.

Concordo em tudo, exceto a reclamação quanto as inconsistências das histórias dos "príncipes" dos clãs. Tava na cara que era bravata, era uma piada, ué.

Também achei o filme muito "Disney" e bastante aquém dos outros da Pixar. Mas ainda melhor que Carros... mas bem, achei que o filme além de não ter explorado de forma melhor as questões de gênero - principalmente com a forma que colocaram a mãe como antagonista -, achei pouco "épico". Eu esperava mais aventura, com um protagonismo maior da Merida, não uma versão escocesa de Irmão Urso.

E faço coro a quem afirmou aqui: o curta metragem, La Luna foi um dos mais bonitos da Pixar.

Abraços!

Eu esperava mais de Brave. Gostei do filme, mas minha expectativa era bem maior. Também acho que algumas coisas ficaram meio "soltas" demais, poderiam ter explorado melhor uma série de coisas que só tocam de muuuuito leve. O roteiro realmente poderia ser melhor, acho que principalmente na construção da personagem da Merida. Ela realmente pareceu mais mimada do que valente. Creio que o título "Valente" e a figura de uma menina com armas me criou uma expectativa de que ela teria a valentia de uma Mulan, de fazer algo bem "grandioso" como lutar contra uma ameaça invasora assustadora, e não correr para consertar algo pela qual ela foi a maior responsável. Até poderia ser algo nesse sentido, mas acho que a execução não foi tããão boa. Mas me diverti com o filme.

Olha, gostei muito do filme, bem mais do que de Rapunzel ou a Princesa e o Sapo.

O problema é só que, por ser Pixar, a primeira protagonista Pixar, eu esperava bem mais.

Como ponto forte, coloco a relação mãe e filha como o tema central. Pode não ter a mesma força pra quem já tá na era balzaca (tipo eu), mas imagino que pra meninas que estejam se enfrentando com suas mães, o filme vai trazer um significado mais interessante. Achei isso bem bacana porque drama filho e pai tem aos montes (Rei Leão, Nemo, como treinar seu dragão...), já as mães, tirando Sra. Pereira dos Incríveis, não tem mais nenhuma que valha.

Na realidade, pra mim a Ellinor é a personagem com uma segunda camada. Ela não é uma vilã malvadona, mas sim uma mãe carinhosa que não se percebe como agente da reprodução de um sistema que prejudica toda a sua família.

E aqui vamos ao pior do filme, com o qual concordo em gênero, número e grau: o pai ser absolutamente desprovido de culpa quanto a reprodução do patriarcado. Sim, esperava beeeeeeem mais da Pixar. E desse angulo o filme fica bem Disney. O machismo, vindo de homens, nunca é problema pras princesas e outras heroínas. A Mulan, que adoro, que é a que mais vive o problema de uma sociedade machista, não enfrenta nenhum machista. O pai, é bem bonzinho, se em vez de ter salvado a China ela tivesse passado duas semanas escondida na casa da prima, teria surtido o mesmo efeito, ele teria revisto todos seus conceitos num piscar de olhos. Tem o vilão, que é só malvado e não machista. Depois, quando descobrem que ela é mulher, há um breve rompante de machismo e em grande parte por um hiper secundário, até meio afeminado (os homens mesmo, ficam com dózinha dela, são bonzinhos, mas tem que cumprir seu papel na sociedade, tadinhos). De todo jeito, o assunto é logo contornado, porque, não era o foco da história mesmo.

Nesse sentido, talvez a Bela seja a única que tenha enfrentado diretamente a questão, desprezando não só um machista típico, como deixando bem claro que casar não está nos seus planos.

E por isso fiquei um pouco decepcionada por Brave, era a Pixar e não a Disney, o filme tinha toda a tinta pra tocar de verdade na questão de gênero, com todo o jeitinho da Pixar, e ganhamos um filme Disney, porém com mais respeito a figura materna, com o plus da Merida não ter o obrigatório interesse romântico (a outra vantagem do filme). Mas um princesa, Pixar, rebelde, contestadora das tradições de seu povo, não ser um filme com marcado tom feminista, ai ai, é quase um backla

Então, resumindo, me diverti, o filme agradou minha sobrinha, uma mãe teve espaço na trama, a menina não precisou de um namorado no final, teve ainda um momento em que os filhos dos Lordes meio que disseram que os papéis de gênero não eram bons pra eles também... Masssss faltou muito em profundidade pro filme entrar pros clássicos da Pixar.



Ah, tem algo que li e que me deixou meio cabreira com a Pixar.

Em uma entrevista do John Lasseter para a revista época, ele diz:

"E, de fato, até Valente, fizemos animações para meninos. O que não quer dizer que os meninos não se divirtam com Valente, porque os três irmãos mais novos de Merida são bagunceiros e se metem em muitas lutas, encrencas e correrias."

E continua...

"Na verdade, a história de Valente não é épica nem uma alegoria sobre a guerra dos sexos. É, sim, uma história de família, de como uma adolescente tenta se impor em um mundo feudal, dominado por uma mãe que preza as tradições e por um rei bondoso, mas cioso das hierarquias. É um percurso em que todos aprendem alguma coisa, a conviver com leveza e alegria."

Ou seja, na cabeça de um dos principais diretores de animação da atualidade, o mundo está bem divididinho entre coisas pra meninos (trigêmeos bagunceiros) e coisas pra meninas (princesa rebelde).

Depois dessa, meio que me desiludi, não há previsão, na alta animação, de crítica minimamente elaborada à sociedade machista.

Não que eu esperasse um manifesto pró feminismo, mas pelo menos algo do tipo "Como treinar o seu dragão" ou "Happy Feet 1", em que estavam em jogo os papéis que cada um desempenha na sociedade.

O que mais gostei de Brave foi justamente isso, mostrar a experiência de uma mãe repressora apesar de ser uma forma mais leve e com um final feliz, coisa que muitas mulheres vivem ou viveram de forma muito pior e que nunca encontraram empatia e acolhimento nas pessoas, tanto entre os machistas quanto entre as feministas e até hj muitas quando pedem socorro, são julgadas de ''mimadas''e coisas piores até mesmo por feministas. Não é porque muitas feministas não viveram isso, que não deve ser mostrado e tocou em uma ferida bastante profunda nessa militância feminista. Infelizmente muitas feministas ainda acham que o mundo gira em torno delas e de suas experiências.

Percebo que seus conhecimentos sobre os feminismos e maternidade São bem rasos, enfim, espero que amplie suas leituras sobre o tema um dia, porque colocar no mesmo patamar o machismo e o feminismo é demonstração de ignorância. Agora, ignorância não é algo que não se possa resolver de forma relativamente rápida, basta querer.

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