Semana passada assisti o filme Scarlet Pimpernel de 1934. Esta não foi a primeira versão do livro para o cinema, mas acredito que tenha sido a produção mais bem cuidada a chegar à tela grande. Fora isso, contou com uma um elenco de qualidade, com destaque para Leslie Howard como Sir Percy/Scarlet Pimpernel e a belíssima Merle Oberon como Marguerite. De longe, Howard é o melhor Scarlet Pimpernel que eu já vi em tela e o único problema do filme é ser curto demais. Com mais quinze minutos, o filme seria muito superior ao de 1982.
Quem leu minha resenha sobre Scarlet Pimpernel de 1982 sabe mais ou menos do que se trata a história. Scarlet Pimpernel – ancestral de Zorro e outros heróis que atuam sob disfarce – é o nome do justiceiro que à frente de dezenove aristocratas ingleses se dedica a salvar nobres franceses da guilhotina durante o Governo dos Jacobinos. O Pimpernel não usa a força, ele é um mestre dos disfarces e por trás da identidade do herói está Sir Percy Blackney, homem mais rico da Inglaterra e conhecido fashionista, ele é um fop.
Acredito que a grande atração do filme é mesmo a interpretação do Leslie Howard. Foi a primeira vez que vi o ator interpretando uma personagem compatível com sua idade real. Não vi muitos filmes com ele, admito. Mas ele tem algumas aberrações no currículo, afinal, ele foi Romeu em 1936 com mais de 40 anos de idade. Fora o Ashley Wilkes de E o Vento Levou. A personagem no livro deveria ter pouco mais de 20 e não quase 50. Já sobre o Pimpernel, a autora diz que “Sir Percy estava do lado certo dos 30 anos”. Leslie Howard, quando o interpreta, estava do lado certo dos 40 e bem apropriado no papel.
Fora isso, Howard deu consistência à personagem. Todo o gestual, as expressões faciais, o olhar, a entonação de voz do ator mudam quando ele é Sir Percy figindo ser fútil e cabeça de vento ou Sir Percy, a mente por trás do Pimpernel. Ela conseguiu captar exatamente o que a Baronesa Orcyz descreve em sua obra. Era isso o que eu queria ver no filme de 1982 e Anthony Andrews não conseguiu fazer. Aliás, eu não entendo todo o fandom que Anthony Andrews tem. É um mistério para mim. Ele é fraco como o Pimpernel, ele é fraco como Ivanhoé.
Nessa versão de Scarlet Pimpernel há cenas impagáveis, como Sir Percy repreendendo a falta de senso fashion do alfaiate do Príncipe de Gales – interpretado por Nigel Bruce, um dos Watson mais famosos – e a tradicional ajeitada na gravata do vilão. Aliás, estou esperando para ver se tem essa cena no livro, mas acho que foi brilhante invenção do cinema. Outra cena excelente é aquela na qual Percy está com os companheiros da Liga e comenta as humilhações que eles têm que suportar para esconderem suas identidades secretas, fingindo serem fúteis e cabeças ocas, daí, chega alguém e o rosto, olhar e voz de Leslie Howard se transformam prontamente e ele volta a ser o Percy ridículo. Que diferença um grande ator faz! Ah, sim! E o Pimpernel se disfarça de velhinha, como no início do livro!
Até por conta do tamanho do filme, a relação entre Percy e Marguerite é corrida. Como no filme de 1982, ele a trata com extrema frieza e ela não entende o motivo. A razão do afastamento é sempre o mesmo: a morte do Marquês de St. Cyr e sua família. Foi a leviandade de Marguerite, que comentou na frente de Chauvelin e de outras pessoas que St. Cyr estava conspirando com a Áustria que condenou o nobre. Ela insiste que não o denunciou, mas, bem, falar na frente de Chauvelin já era o bastante.
Há uma seqüência em que ela conta finalmente para o marido o motivo de ter tanto ódio do Marquês. E nesse ponto, o filme se afasta muito do livro, mais do que o filme de 1982. Marguerite estava apaixonada pelo filho do Marquês, o nobre ao saber do envolvimento de seu filho com uma plebéia, manda a moça para a prisão de Saint Lazare. Trata-se de um lugar famoso, mas essa casa de detenção que abrigava principalmente prostitutas só foi fundada no século XIX. De qualquer forma, é nessa cena que Percy perdoa a esposa. Ele não diz nada a respeito, mas percebe que ela o ama e acusa a esposa de amar o Pimpernel. Ela não entende e nega, mas depois descobre (em cena que foi copiada pelo filme de 1982) que Percy é o Pimpernel. Desesperada, Marguerite acha que precisa salvá-lo...
E por que Marguerite acredita que Percy está em perigo? Porque, assim como no livro e nas outras adaptações, Chauvelin a chantageia: ou ela entrega a identidade do Pimpernel, ou seu irmão Armand morrerá. O irmão de Marguerite faz parte da Liga e isso é descoberto por Chauvelin. O vilão também sabe que o Pimpernel só pode ser um nobre inglês e alguém do círculo de Marguerite. O Chauvelin de Raymond Massey não é cômico como o de Ian McKellen. Ele é sinistro, mais velho e extremamente astuto. Bem semelhante ao Chauvelin do livro. Não há sugestão de romance no passado de Marguerite e de Chauvelin, mas ele é muito cavalheiro com ela, na medida em que sua vilania permite. É a cortesia do vilão que a convence que Percy está correndo perigo....
Acho que o que eu mais senti falta neste filme foi o duelo, porque filmes assim tem que ter o vilão e o mocinho duelando. :P Na verdade, todo o final é muito corrido. 1h e 37 é muito pouco. Comparando com o filme de 1982, que foi para a TV e com mais de duas horas, o filme mais recente tem um roteiro bem mais interessante, pois além de ter o duelo, ainda mostra como Percy e Marguerite se conheceram. Já o filme de 1934 é mais denso e dramático, além de não ter a cena constrangedora em que Marguerite não reconhece o toque do marido... Na verdade, eu queria mesmo era o Leslie Howard no filme de 1982, duelando com o Ian McKellen. Aliás, está mais que na hora de uma nova adaptação de Scarlet Pimpernel para o cinema.
Pergunta importante: o filme cumpre a Bechdel Rule? Não. Temos três personagens femininas com nomes, a Condessa de Tournay e sua filha Suzanne, além de Marguerite. Elas conversam entre si, mas sempre sobre um homem: St. Cyr, Pimpernel, Sir Andrew... Falando nesta personagem, me convenci que sempre escolhem um ator belíssimo para este papel. Anthony Bushell é um homem lindo. Quanto ao figurino, acredito que esse filme de 1934 foi mais fiel ao figurino fop (exagerado) masculino. Destaque para a cena em que Sir Percy larga as damas para apreciar a casaca super-fashion (escandalosíssima) de um amigo (na verdade, ele era da Liga e tudo era uma cortina de fumaça). Já o figurino das damas tinha uns deslizes. Marguerite usa um vestido na seqüência do baile que parece ter saído de um baile dos anos 1930. No livro, ela inaugura neste baile o que seria o estilo regência, com cintura muito alta. É um sucesso! No filme, ficou estranho. e tem a representação da nobreza. A prisão de 1982 era lugar de choro e ranger de dentes. Os nobres do filme de 1934, agem como se estivessem em seus palácios. Até uma mulher preparando maquiagem e penteado há. Afinal, suponho eu, se sua cabeça vai rolar, que seja com estilo.
Enfim, como estou lendo o livro neste momento (Scarlet Pimpernel virou meu guilty pleasure), sei que a adaptação é tão fiel e infiel quanto qualquer outra. Na verdade, é perceptível o quanto a versão de 1982 bebeu tanto no livro, quanto na versão de 1934 para o cinema. O diferencial do filme de 1934 é Leslie Howard, que oferece uma interpretação perfeita. A Marguerite de Merle Oberon é boa, mas por conta do roteiro, ela não tem o mesmo espaço que Jane Seymour teve em 1982. Na comparação entre as duas, Seymour vence. Oberon estaria no seu auge em 1939 fazendo a Cathy de Morro dos Ventos Uivantes. Mas Marguerite precisa de um post só para ela, seja para tentar entender porque os filmes optam por coloca-la morena, seja para discutir o motivo das adaptações serem tão benignas com ela... Mas é isso, para quem gosta de clássicos em preto & branco, seja para quem é fã da personagem criada pela Baronesa Orcyz. Para quem quiser, o filme abaixo está legendado em inglês:
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