Continuando na minha fase Scarlet Pimpernel, decidi começar a assistir o seriado inglês de 1999/2000. Ele é no mesmo modelo do atual Sherlock, são três episódios por temporada, com cerca de 1h30 cada um. Por isso mesmo, estou tratando o primeiro episódio como um filme. Levarei os outros cinco (*que já dei uma olhada por alto*) para ver nas férias. E como gostei, acho que vejo sem problema nenhum. Esse seriado não é muito amado pelos fãs da personagem, ou melhor dizendo, a segunda temporada tem um grau de rejeição muito grande. Eu estou com 70% do primeiro livro lido e mais uma vez repito que ele é tão infiel e fiel quanto as outras adaptações que assisti – incluso aí o musical do Takarazuka, que irei comentar, também. Se eu sou tão tolerante com releituras de Zorro e Sherlock Holmes, não tenho motivo para me aborrecer com o que fazem com Sir Percy.
A série para a TV tem muitos prós e contras, eu diria. Se o filme mais amado, o de 1982, também para a TV inglesa, tornou The Scarlet Pimpernel uma comédia de ação, e o filme de 1934 tem todo aquele ar dramático, essa adaptação tem ares de seriado de ação e espionagem. Há doses generosas de violência, muita correria, nudez e sexo. Coisas que não vemos nas outras leituras do Pimpernel. Por exemplo, se em 1982 (*e em outras leituras*) temos a certeza de que Marguerite teve alguma coisa com Chauvelin, nesta série não há dúvida, eles tiveram um caso e sério. Aliás, Martin Shaw como Chauvelin é um dos pontos altos da primeira temporada. Ele é inteligente, determinado, cruel e capaz de tudo. Seu ponto fraco? Sua paixão por Marguerite. E ele não é interpretado por nenhum garotão, o ator e quase todo o elenco principal é formado por sujeitos com mais de quarenta anos. Essa, aliás, é uma característica diferenciadora dessa adaptação, também. A relação entre Chauvelin e Marguerite lembra um pouco a que será construída depois entre Guy of Gisborne (Richard Armitage) e a Marian da série Robin Hood (*sim, assisti o final da terceira temporada da série e não comentei no blog*).
Para se ter uma idéia, a série já abre com Chauvelin torturando um dos cúmplices do Pimpernel, que, claro, não entrega a identidade de Sir Percy, nem depois de lhe quebrarem muitos ossos e arrancarem suas unhas. A série é sangüinária mesmo. Esse sujeito é resgatado pelo Pimpernel e seus aliados, mas aí entra um dos motivos de crítica, e eu até certo ponto concordo. O Pimpernel era um mestre do disfarce e, não, uma personagem de ação. Ele não invadia prisões de arma em punho. Suas armas eram a dissimulação, o engenho, e a coragem para se arriscar. Eu sei que ele é um antepassado do Zorro e, por conseqüência, do Batman, mas ele não é o paladino de Gotham. Quem adaptou o Pimpernel em 1999 optou por colocá-lo em mirabolantes cenas de ação, vestido de preto e mascarado... Aí não é Sir Percy, é o Zorro... Ficou ruim? Não, claro, ou não teria me prendido, só que não gostei muito de colocarem Sir Percy vestindo casacas escuras, também. Ele era uma diva da moda fop, e pintá-lo em cores fortes era fundamental.
O tom realista da série oscila entre o ar decadente, quando retrata a corte inglesa, e a escuridão e angústia quando retrata a França. Segundo li nessa resenha, as cenas na França foram gravadas em Praga. Mas precisamos falar de Sir Percy e Marguerite... Bem, eu gostei da atuação de Richard E. Grant. Continuo achando Leslie Howard o melhor Pimpernel, o mais próximo do livro, mas E. Grant deu um tom interessante à personagem. Como Pimpernel, ele é inteligente, brilhante até, sempre um passo ou mais à frente de seus inimigos. Nesse aspecto, ele está de acordo com as outras adaptações. Agora, o seu Percy captou perfeitamente um traço da personagem da personagem que às vezes escapa. Percy é chamado no livro de “o homem mais tolo da Inglaterra”. E. Grant o construiu assim mesmo. E ficou ótimo. Em alguns momentos, é possível perceber nos olhos do ator que ele está fingindo – nuance de interpretação – e são os olhos claríssimos do ator seu traço mais marcante, eu acho.
Seu Percy, no entanto, não tem ares de preguiçoso, ele me parece aquelas crianças hiperativas. Sempre de lá para cá, falando pelos cotovelos quando nas reuniões da corte. A cena da gravata, por exemplo, é um discurso em que ele joga as mãos para tudo que é lado, inconformado com a falta de senso fashion de Chavelin. Curiosamente, ele não encosta no vilão. Muito sábio, aliás, porque o Chauvelin dessa série perigava lhe arrancar a mão. :) Mas ele erra repetidamente o nome do vilão, coisa que aparece nos musicais, mas não está no livro. Apesar da série de 1999 se afastar muito do livro – não temos a cena do baile, nem a da biblioteca como deveria ser, só para citar dois exemplos – ela usa muito bem os diálogos do livro. Há a cena em que Percy rejeita um duelo. Essa cena está no livro. Marguerite é ofendida, já que ela foi responsável pela morte do Marquês de St. Cyr e família, e leva uma bofetada (*no livro não há bofetada*). Os olhos de E. Grant vibram de ódio nessa cena, afinal, ele ama Marguerite e é um cavalheiro, mas o rosto permanece impassível. E ele descarta o duelo – e a esposa fica furiosa por conta disso – dizendo ser contra a lei e que o Pimpernel deveria parar de trazer para a Inglaterra os nobres franceses, porque já virou uma infestação. :) No livro, ele diz que eles deveriam ser largados no meio do canal ou que Mr. Pitt (*o primeiro-ministro*) deveria cobrar pedágio. Enfim, Percy de E. Grant é hiperativo, mas adorável, cabeça oca e tolo como no livro em público. A outra é em sua conversa com Marguerite em particular... E com Marguerite, ele é mais próximo do livro ainda.
Eu já comentei por alto que as adaptações tendem a limpar a barra da Marguerite. A série de 1999 faz isso parcialmente. É a primeira adaptação que eu vejo na qual Marguerite trata mal o marido em público. Porque é assim no livro. Percy se finge de tolo em público e despreza a esposa em privado. Marguerite o destrata em público, o humilha, para ver se ele reage, já em privado, fica a mercê da sua frieza cerimoniosa. O problema das adaptações é que normalmente só colocam a frieza de Sir Percy. Essa de 1999, consegue ser um pouco mais precisa, menos condescendente com Marguerite, mas, ainda assim, não é totalmente justa. Quando comentar o livro, eu falarei disso. Do elenco principal, acho que a escolha de Elizabeth McGovern para Marguerite foi a mais complicada. Veja bem, tanto E. Grant como Martin Shaw estão “do lado certo” dos quarenta anos (*ou mais*) ... Talvez batendo lá nos cinqüenta, mas muito bem em seus papéis. Já McGovern, que é uma atriz bonita, parece velha demais para ser Marguerite e estava com o rosto inchado, ou sei lá... Quer dizer, com cinqüenta em Downton Abbey, ele está mais bonita do que com 39/40 anos. Eu acho que teria sido muito legal se colocassem a Jeniffer Ehle no papel. Ela teria dado uma esplendida Marguerite.
No livro, além de Marguerite ser uma loira quase ruiva (*todas as Marguerite parecem ser morenas*), ela tem 25 anos. Bem, mas Percy deveria ter 33/34, no máximo. Se Percy é mais velho, Marguerite pode ser, também. O problema é que Marguerite deveria ser belíssima e McGovern não está bonita... ou é o ar decadente que a série dá à vida na corte. Enfim, não gostei nem da forma como ela é apresentada, e muito menos de Beth Goddard como Suzanne. No livro, nas outras adaptações, as duas tinham sido colegas de escola no convento. Suzanne – que foi resgatada pelo Pimpernel – é mais jovem que Marguerite. No seriado, o excesso de maquiagem, cor, fez com que as duas ficassem parecendo velhas de mais, artificiais. Eu sempre imagino Suzanne como a donzela recatada (*e tiranizada pela mãe que não existe na série*). Quando assisti, não sabia se achava vulgar ou adequado à época... Porque o figurino e tudo mais parece muito preciso. Depois, decidi que a palavra certa é decadente. O objetivo é ressaltar que aquele mundo está ruindo, e, claro, as mulheres estão mostrando muito mais isso que os homens.
Tirando esse desconforto, a interação entre E. Grant e McGovern é excelente. Eles formam um bom casal e, nos próximos episódios, Marguerite ciente da identidade do marido terá papel ativo em suas aventuras. Isso parece legal. Fora, claro, que o triângulo com Chauvelin é consistente. O vilão é mau, muito mau, destaque para o tiro sem dó que ele dá na cabeça de Lord Tony, mas ele perde a linha por causa de Marguerite... E, no contexto jacobino, ele pode perder a cabeça. O ator que faz Robespierre (Ronan Vibert) também está muito bem. As mudanças sacrificaram Armand, que é, mais uma vez, irmão mais novo de Marguerite. No livro ele é mais velho e ocupa função de pai. É assim na adaptação de 1934, já na de 1982 e nessa de 1999, ele é um problema para o Pimpernel e para Marguerite. Mas, pelo menos, termina vivo.
Achei um grande desperdício matarem Lord Anthony, porque ele é, junto com Sir Andrew, o grande auxiliar e amigo de Percy/Pimpernel. Sir Andrew termina vivo e vai casar com Suzanne como no livro, mas Lord Tony – que é pintado na série como gago, virgem e quase adolescente – é executado à sangue frio por Chauvelin. Achei que seria capturado e libertado, mas, não. Esse Chauvelin não brinca em serviço. Aliás, ele tem um outro ponto fraco além de Marguerite, seu criado que tosse o tempo inteiro. É essa tosse que alerta Sir Percy, que faz com que saiba que está sendo espionado em sua casa. Porque na série, Percy convida Chauvelin para ficar hospedado em seu palácio, já que ele é “amigo” de sua esposa. O objetivo dele é saber quais os planos do francês. Acaba, como nos livros, descobrindo que Marguerite o ama. Só que, como nas demais adaptações, é Percy que é pintado como orgulhoso no mal entendido com Marguerite. Nessa versão ainda mais, já que St. Cyr mandou executar os pais de sua esposa sem motivo. No livro e na adaptação de 1982, o Marquês mandou das uma surra em Armand. A Marguerite dessa versão diz se arrepender da denúncia, mas eu não acredito, não.
Outra surpresa dessa versão é a atuação de Emilia Fox. Para quem não lembra, ela é a Georgiana Darcy de Orgulho & Preconceito. Eu só a atinha visto em papel de mocinhas apagadas ou, já mais velha, como dona de casa amarga. Em The Scarlet Pimpernel, ela faz uma atriz da Comedie Française, bonita, sofisticada e que espiona para Chauvelin. Ela é a mulher mais elegante desse primeiro episódio, ou melhor dizendo, a única que parece elegante. Não consegue enganar por muito tempo o Pimpernel, mas termina sendo a responsável pela morte de Lord Tony e pelo envio de Marguerite para a guilhotina. Não preciso dizer que ela se queima com Chauvelin e que isso não vai fazer bem para a sua “carreira”. Aliás, a função do lacaio de Chauvelin é a mesma do Michelotto, assassino de estimação de Cesare Borgia... Entenderam, não é?
Mas a série parece ser muito legal. Eu achei uma sacada muito interessante – e eu tive que rir – colocarem o Sir Percy com recursos de agente secreto. Para salvar Marguerite, ele se deixa prender. Sim, porque quem está assistindo sabe que ele não foi pego pelos vilões. Daí vem a pergunta? O que ele vai fazer, afinal? Bem, Percy tem um monóculo, e quando ele é preso, nunca tiram esse objeto dele. É uma das peças usadas para ressaltar a sua afetação. Pois bem, o monóculo nessa série é uma chave mestra ao ser desmontado. Só que não é somente isso, ele está cheio de apetrechos escondidos na roupa... Verdadeiro cinto de utilidades do Batman. E ele escapa, claro, e no meio dos massacres de setembro. Chauvelin e outros oficiais do regime permitem que a turba invada a prisão. O Pimpernel corre desesperado para salvar Marguerite, mas ela não está mais lá...
Enfim, se tiver a chance de assistir a primeira temporada de The Scarlet Pimpernel 1999/2000 não perca a chance. É uma boa série de ação (*temos o duelo no final, claro!*) com os pés firmes no original, mas sem ser escravizado por ele. Além do herói, temos o melhor Chauvelin até agora. E, bem, todo bom herói precisa de um bom vilão. Sei que muita gente despreza a segunda temporada e é fácil entender, Marguerite e Chauvelin não retornam. Podem dizer o que for, mas eu olhei o início da segunda temporada e a cena de Sir Percy voltando às pressas, feliz da vida, e dando de cara com a esposa morta no parto foi muito tocante. Eu achei o luto da personagem um dos mais bem construídos que já vi na ficção. Agora, é claro que isso enfraqueceu o seriado, mas olhando por alto, parece que a qualidade não diminuiu, não. Curiosamente, vemos a habilidade para os disfarces muito mais forte na segunda temporada do que na primeira. Mas sem Marguerite e Chauvelin... E, sim! As três adaptações (1934, 1982, 1999) têm notas muito próximas no IMDB, ou seja, nenhuma delas pode ser considerada ruim.
O primeiro episódio cumpriu a Bechdel Rule? Parcialmente. Há várias personagens com nome, mas, assim como em outras adaptações, o assunto das mulheres são os homens: Pimpernel, Armand, Chauvelin, etc. E, sim, está na hora de uma nova adaptação de the Scarlet Pimpernel. Tom Hiddleston ou Benedict Cumberbatch ficariam ótimos no papel.
3 pessoas comentaram:
onde baixar??
Eu baixei tudo do Pimpernel via torrent. A série completa de 1999 está no isohunt.com
Achei esse blog por acaso e foi uma surpresa muito agradável... faz tempo que quero baixar essa série.. parabéns pelo blog
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