Hoje à tarde assisti Flores do Oriente (金陵十三钗), em inglês The Flowers of War. O que me atraiu para o cinema foi saber que o filme fala do Estupro de Nanking, a maioria das personagens serem mulheres, e a direção de Zhang Yimou. Fora isso, ainda teve o bônus de poder conhecer o Cine Cultura, o cinema reformado do Liberty Mall. O que posso dizer é que apesar de derrapar no dramalhão em alguns momentos, o filme é bem satisfatório. Flores do Oriente concorreu no último Globo de Ouro e foi a indicação da China para o Oscar, mas não conseguiu chegar até a final.
Vou começar comentando o tal Estupro de Nanking, algo mais importante que a sinopse do filme e seu pano de fundo. Os japoneses invadiram a China, assim como vários outros países da Ásia. Um dos episódios mais terríveis foi a invasão e ocupação de Nanking. Como a cidade resistiu muito ao assédio dos japoneses, quando as tropas invadiram, os soldados receberam permissão para agirem como bem desejassem. O que tivemos fomos estupros em massa, civis capturados para que servissem de alvo para as armas de fogo e espadas japonesas, gente queimada ou enterrada viva, bebês empalados, etc. A selvageria durou semanas. Até hoje os chineses exigem que os japoneses peçam desculpas e reconheçam os abusos e que a ONU confira ao incidente o rótulo de “holocausto”. Tudo em vão.
Nosso filme é narrado por uma menina de 13 anos, Shu, que não conseguiu fugir da cidade com suas colegas de escola. A saída das meninas, e de George, o garoto que foi adotado por um padre, é voltar para a escola-convento-catedral, um lugar neutro e protegido. As meninas cruzam a cidade em estado de anomia, assistem toda sorte de atrocidades, encontram o que sobrou do exército chinês, algumas são mortas e duas delas se perdem. As meninas que se perdem encontram com John Miller (Christian Bale) um agente funerário que tinha sido chamado para cuidar do corpo do padre Ingelman. Os dois grupos conseguem chegar até o convento, assim como um grupo de prostitutas que também pedem asilo no lugar.
Miller, um bêbado aparentemente mau caráter, acaba descobrindo que o padre Ingelman foi explodido por uma bomba japonesa e não há corpo para enterrar... Ele quer receber seu pagamento e sumir, mas acaba ficando fascinado pela cortesã Yu Mo (Ni Ni), uma mulher bonita, inteligente e educada. Sem ter muita saída, John Miller acaba assumindo a identidade do padre para tentar evitar que soldados japoneses violentem as meninas, enquanto as prostitutas se escondem no porão. Um heróico soldado chinês, o Major Li (Tong Dawei). Logo em seguida, um alto oficial japonês oferece proteção às estudantes e ao padre, desde que as meninas cantem para ele. A partir daí, John Miller é obrigado a assumir o papel de padre e passa a cuidar das estudantes até que descobre que a intenção dos oficiais japoneses é a pior possível... É aí que as prostitutas mostram que não são somente belos objetos de prazer, mas flores de guerra.
Flores do Oriente tem três pontos altos para mim, a fotografia, detalhe sempre muito bem cuidado nos filmes de Zhang Yimou, mostrar ao mundo o Estupro de Nanking (*ter Christian Bale no elenco garante a visibilidade*) e o elenco que apesar de extremamente jovem funcionou muito bem. As cenas são feitas de detalhes, vidros que se fragmentam, as pessoas observadas da mira do soldado solitário, dedos no instrumento musical, o gato protegido nas mãos da prostituta, as granadas aparentemente largadas sem muito cuidado, o sangue que escorre... Se você observa os pequenos detalhes, vai gostar do filme. Ainda que eu não consiga achar que a fotografia é melhor que a de Lanternas Vermelhas e Ju Dou – filmes de Zhang Yimou que eu lembro de ter assistido – Flores do Oriente se sai muito bem.
Quando passamos para a história, as relações entre as personagens, a coisa já complica um pouco. É meio difícil acreditar na determinação em cumprir o contrato de John Miller. Eu acredito que ele não tem saída e está à caminho da igreja menos para enterrar o padre e muito mais para conseguir tentar escapar. De qualquer forma, por que chamaram o sujeito se nem havia corpo para enterrar? E a loucura das duas prostitutas de voltarem ao bordel para pegarem cordas de um instrumento musical e um par de brincos? Como elas saíram se os soldados japoneses estavam guardando o lugar? Sei que o filme queria mostrar a bondade da prostituta que se sacrificou para conseguir as cordas para consertar o instrumento e tocar para o soldado moribundo, mas será que não havia recurso menos exagerado? Isso sem falar na outra que vai atrás do gato. Um bichinho não atrairia a atenção dos japoneses, mas se a prostituta fosse vista, poderia causar a morte de todos no convento... Enfim, há muitos lances super dramáticos para mostrar a crueldade dos japoneses e marcar o caráter das personagens. Em alguns momentos, funcionou, em outros, ficou meio além da conta.
Mas é uma história de redenção, de honra, de cura. John Miller, Ni Ni, a menina Shu, todos sentem culpa por alguma coisa, tem feridas abertas, precisam se humanizar, aprender a compreender os erros alheios e os seus. O filme pontua muito alto no quesito solidariedade entre as mulheres. As meninas do convento desprezam as prostitutas, dividem o mundo de acordo com o olhar masculino, elas valem muito, são boas meninas, virgens, serão boas mulheres. As prostitutas, essas não merecem usar nem o banheiro. As prostitutas vêem as meninas como tolas... Com o passar do tempo, todas percebem que estão no mesmo barco, se capturadas seu destino seria o mesmo: estupro, humilhação e, talvez, a morte. Daí, elas começam a ver umas às outras de outra forma, de uma maneira mais fraterna, nasce uma espécie de sororidade entre elas.
A cena em que os soldados japoneses invadem o convento e se lançam sobre as meninas é muito violenta, e quando o Padre John percebe que as meninas foram protegidas para terem um destino muito pior é igualmente violenta, sem que se derrame sangue. Elas deveriam “se apresentar” em uma festa para oficiais... Já falei aqui no blog das mulheres do conforto (*1-2*), termo eufemístico que os japoneses usavam para as meninas e mulheres obrigadas a se prostituírem para os soldados e oficiais japoneses. É aí que as prostitutas se sacrificam... Nem preciso dizer que o filme cumpre sem problema a Bechdel Rule.
Não se trata de um filme feminista, mas é, com certeza, uma película que retrata as mulheres como seres humanos completos. Outra coisa fundamental, a meu ver, é que apesar de serem lindas as prostitutas, a prostituição não é pintada como algo glamuroso. As mulheres, as flores da guerra, não escolheram esse caminho. Foram violentadas, iludidas, vendidas. Tiveram seus corpos roubados. Seu sacrifício pelas estudantes, Meninas que tem a mesma idade que elas tinahm quando foram prostituídas, é uma forma de mostrar que elas não são lixo, que tem honra, coragem e coração. E medo, também, mas elas vencem o medo, ou assim o filme deseja que pensemos...
Não se trata de um filme feminista, mas é, com certeza, uma película que retrata as mulheres como seres humanos completos. Outra coisa fundamental, a meu ver, é que apesar de serem lindas as prostitutas, a prostituição não é pintada como algo glamuroso. As mulheres, as flores da guerra, não escolheram esse caminho. Foram violentadas, iludidas, vendidas. Tiveram seus corpos roubados. Seu sacrifício pelas estudantes, Meninas que tem a mesma idade que elas tinahm quando foram prostituídas, é uma forma de mostrar que elas não são lixo, que tem honra, coragem e coração. E medo, também, mas elas vencem o medo, ou assim o filme deseja que pensemos...
E há um toque de romance, também, bem leve, mas apresentado de forma madura e poética entre a o Padre John e Yu Mo. A construção da relação dos dois foi construída de forma realista e segura ao longo do filme, cada cena, cada olhar é precioso. Assim como o amadurecimento de Shu, da rejeição à admiração em relação ao padre John e Yu Mo, do perdão que concede ao pai que não conseguiu tirar a ela e suas amigas de Nanking e colabora com os japoneses. Também merece destaque o menino George Chen (Tianyuan Huang), que se apega à promessa feita ao padre Ingleman de proteger as alunas. E há o Major Li... Com meia dúzia deles, os japoneses não teriam conquistado Nanking! ^____^
Recomendo Flores do Oriente, preferia que o nome fosse Flores da Guerra, mesmo, mas queriam um título clichê. Trata-se de um filme melodramático, mas que tem seu papel na divulgação de uma tragédia pouco conhecida no Ocidente, assim como é o Holocausto dos Armênios e outros grandes crimes. Se os japoneses foram vítimas da bomba atômica, eles também foram agentes de grandes atrocidades. Um crime de guerra não anula outros e é preciso compensação por cada um deles. De qualquer forma, embora o filme chame para si o “baseado em fatos reais”, acredito que somente o pano de fundo, as atrocidades de Nanking, são os tais “fatos”, a história das personagens fica por conta da romancista Geling Yan. Fiquei com vontade de ler o livro, quem sabe eu acabe comprando?
7 pessoas comentaram:
Valéria, confesso que eu amei esse filme!
Eu estava ansiosa para assisti-lo desde que vi o trailer, e logo que foi lançado assisti no youtube (loucura total).
Semana que vem eu vou ao cinema assistir com minhas amigas (mal posso esperar!). O filme possui uma temática que me agrada muito, além de ser visualmente lindo (não vou nem falar do Christian Bale, que é meu galã do coração hahahaha)
Então Valéria, não acho que seja muito uma questão de determinação em cumprir o contrato. Pelo que eu entendi, ele havia sido contratado dias antes (antes de a cidade ter sido invadida) e foi pra lá. E estando lá, com o caos instalado, teria que sair da cidade eventualmente. E pra não perder a viagem, porque ele já estava lá mesmo, ele foi receber seu pagamento (Já que o serviço foi "cancelado" porque o corpo foi explodido...).
Eu acho que as cenas do gato e dos brincos estão lá pra mostrar a futilidade das personagens envolvidas. Mesmo porque a moça do gato é pintada como uma cabeça oca desde o começo do filme.
Eu gostei muito do romance entre o falso padre e a ESTONTEANTE Yu Mo. Também achei que o relacionamento deles foi conduzido de uma maneira bastante coerente.
E chorona como sou, nem preciso falar que me emocionei no filme, principalmente na parte em que o menino George se oferece para ir no lugar das meninas. Achei aquilo muito tocante...
Em resumo, gostei muito mesmo do filme :D e concordo, também queria que tivessem mantido o nome original, Flores da Guerra (faz muito mais sentido).
xoxo
Bem, Gabi, eu realmente não sei. Ele não sabia que o padre tinha sido explodido, ou seja, ele esperava realmente cuidar do corpo. Chegar a uma cidade cercada é muito difícil e Nanking estava para cair faz tempo... Realmente ficou um pouco nebulosa a presença do John Miller.
De resto, o film e foi bem satisfatório...
Então eu não sei muito dessa parte da História, Nankin ficou cercada muito tempo? Como foi isso?
Eu só sei sobre o massacre, mas a parte antes da invasão é um pouco nebulosa na minha mente...
Eu tinha entendido que ele ja estava na cidade antes da invasão, então já que teria que fugir dali melhor fazer o serviço e ser pago... mas realmente, agora que vc diz, não faz sentido ele ter conseguido entrar em uma cidade que já estava cercada.
Pois é, eu acho que ele já estava na cidade e que a mensagem da morte do padre veio truncada. Acho que ele precisava de dinheiro para fugir e, bem, acabou ficando retido no convento...
Pelo jeito foi isso mesmo XD
Infelizmente o filme não estreou na região onde moro, vou ter que baixar! =/
Me lembro da minha inocência em ir ao cinema na estreia de "Memórias de Uma Gueixa" e pedir um ingresso e a atendente dizer esse filme não está em cartaz e depois descobrir que só tinha estreado na Capital! =/
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