Eu terminei de assistir os episódios de Downton Abbey há pelo menos duas semanas, acho que um pouco mais. Não foi difícil ficar horas e horas me deliciando com os episódios de uma série tão bem cuidada e com interpretações tão interessantes. Como tinha prometido, esta resenha vem se juntar a que fiz da primeira temporada. Acredito, que se você chegou até esta resenha, deve ter assistido a primeira temporada de Downton Abbey, então, neste texto não me pouparei de comentar detalhes e impressões que podem ser interpretadas como spoilers, afinal, você já conhece a trama e as personagens. Se quiser somente uma degustação, fique com a primeira resenha, pois ela evita dar muitos detalhes que podem comprometer o seu prazer em assistir.
A segunda temporada da série se inicia em 1916 e mostra as mudanças que a guerra trouxe, encerrando em 1919. Já o especial de Natal que segue até o Ano Novo de 1919-20. A temporada é totalmente marcada pela guerra, pelas rápidas transformações na vida das personagens. A gravidez de Cora terminou em um aborto, graças a uma ação impensada de O’Brien, a sua criada pessoal. Era um menino e uma das mais tristes cenas foi a do Conde se debulhando em lágrimas na frente de Bates. Eu fiquei triste por eles. Já Mary, instigada pela tia, Rosamund, uma versão mais jovem da Condessa interpretada pela Maggie Smith, rejeitou Matthew. Se fosse um menino, ele perderia seu lugar de herdeiro e Mary seria sua esposa. A moça não ouve os conselhos da avó (*Quem disse que a velha dama não tem coração?*), e estava atormentada pelo segredo em torno da morte do Sr. Pamuk. Resultado, ela dispensa o rapaz, que fica arrasado, mas vai tentar reconstruir sua vida. Volta com uma noiva, para a angústia de Mary e do resto da família. Para piorar, a moça, Lavinia, é um doce, boazinha que só. Para compensar, Mary é empurrada pela tia para um relacionamento com Sir Richard Carlisle, um homem bem mais velho, poderoso, mas sem pedigree, dono de jornais, e que pode garantir o segredo da morte do Sr. Pamuk continue bem enterrado.
A questão volta a ser discussão, depois que a esposa de Bates, Vera, vem até Downton. Ela estraga o bom andamento romance entre o valete e Anna e ameaça espalhar o caso do Sr. Pamuk. A história seria fatal para a imagem da família do Conde e mancharia também Anna. Para proteger a todos, Bates abdica do seu amor e decide se sacrificar pelos patrões. Eu adoro o ator que faz o Bates, Brendan Coyle. Ele nunca foi galã, mas consegue convencer sempre fazendo papéis parecidos, o do homem pobre, trabalhador e honrado. Eu preciso pegar The Glass Virgin – que está baixado aqui no meu HD faz séculos – para ver a atuação dele com cuidado. Lá, ele estava bem mais jovem. Enfim, Bates e Anna sofrem e vão continuar sofrendo muito na terceira temporada. É a veia novelão de Downton Abbey. Isso, claro, se ainda não vierem com um “Quem matou Vera?”. Mas será que o Julian Fellowes vai embarcar nessa? Enfim, no episódio de Natal, Bates e Anna foram levados ao inferno...
Mas esta é a temporada da I Guerra (1914-18), daí, o Conde lamenta ser somente peça decorativa dentro de um uniforme pomposo, pois não tem mais idade e posição para ser enviado para o front. Já Thomas – o criado malvado – apesar de ter se alistado cedo para o corpo médico acreditando que ia ficar na Inglaterra, acaba tendo que ir para a frente de batalha. Esperto do jeito que é, arranja um jeito de voltar, claro! Já William, por ser filho único, não é enviado para o front, mesmo desejando intensamente. Eu gostava do William, mas ele representava toda aquela ingenuidade e romantismo que, fatalmente, sinalizam que você vai morrer jovem... Entretanto, graças a intervenção de Lady Violet, ele acaba sendo convocado. É curioso como “o jeitinho” dos nobres resolverem as coisas é mostrado em ação nessa temporada. Telefonemas, cartas para as pessoas certas abrem portas e Lady Violet se mostra muito ativa e humana (*apesar das tiradas ácidas*), assim como a mãe de Matthew, que consegue transformar Downton em um hospital para oficiais, virando a vida de todos de ponta a cabeça. É curioso ver como ela e Cora se enfrentam pelo controle da casa e como Edith consegue encontrar um sentido para sua vida. Primeiro, ajudando em uma fazenda (*e quase tendo um caso com um homem casado*), aprendendo a dirigir, e, depois, gerenciando uma série de tarefas no hospital.
Sybil, a caçula, quer ser enfermeira e consegue, depois da intervenção da avó, a permissão do pai. Lady Violet lembra o filho que até princesas e rainhas estão servindo como enfermeiras. Mas Sybil leva toda a temporada para decidir se aceita o amor do motorista irlandês socialista, Branson. O romance e casamento dos dois ainda vai dar o que falar nessa temporada, mas já rendeu boas cenas com Hugh Bonneville. Especialmente, quando ele quer comprar o rapaz e ele joga na cara do conde que “os nobres acreditam ter o monopólio da honra”. Espero que Sybil e Branson apareçam bastante na 3ª temporada, mas não sei, não... Já no campo de batalha, William é ferido de morte, apesar de conseguir salvar Matthew, que fica aleijado. A recuperação do rapaz é um dos pontos importantes da temporada.
A guerra permite que algumas personagens cresçam, caso das três irmãs Crawley – Mary, Edith e Sybil – e Daisy. Mary já vinha melhorando ao longo da primeira temporada, seu carinho pelo Mordomo, Mr. Carson, o carinho pela irmã mais nova, e, claro, o amor por Matthew. Só que ao rejeitá-lo temendo que o rapaz não seja mais o herdeiro, ela escolheu para si um caminho penoso. Ao longo da segunda temporada, vemos um pouco do sofrimento de Mary por conta das escolhas erradas que fez. E quando Matthew volta aleijado e, provavelmente, impotente da guerra... Ele se recupera, claro, é parte do estilo novelão, mas como quem curte uma boa teledramaturgia sabe, o que importa não é o final, mas como chegamos até ele. A culpa de Matthew e Mary por se amarem, a frustração da moça que abriu mão de sua possível felicidade, são dois dos fios condutores da segunda temporada. Afinal, Lavinia é boa pessoa, como se livrar dela sem feri-la? E como Mary poderá evitar que o escândalo se abata sobre a família por sua culpa? E se Matthew a rejeitar quando souber de Pamuk? Há várias cenas lindas dos dois nessa segunda temporada. A da dança no Natal, a de quando Mary conta de Pamuk, pede perdão e Matthew diz que não há o que perdoar. É também muito interessante quando ele pergunta se ela amava Pamuk e ela diz que agiu por luxúria. Ora, ora, mulheres também sentem desejo. Pontos para Mr. Fellowes, o criador da série. Já Edith ainda pode ser um problema, especialmente com o aparecimento do oficial canadense desfigurado dizendo ser Patrick, mas eu não desgosto tanto dela. Basta ver minha resenha da primeira temporada. Edith pode se unir a ele para tentar recuperar a herança, já que o amava desde sempre. Enfim, se Fellowes entrar direto nessa linha, está assumindo o novelão.
O fato, é que essa segunda temporada e o episódio de Natal, estamos em um momento de mudanças. Uns conseguem ir com o fluxo, outros nem tanto. É curioso observar o sofrimento do Mordomo, Mr. Carson, porque o serviço não pode ser mantido dentro dos padrões por causa da Guerra. Imagina! Maids servindo a mesa! Só que os homens estão fora. O seu conservadorismo é coroado com o presente de Natal que o Conde lhe dá, um belo álbum sobre as monarquias da Europa. Carson não se sente oprimido pelo sistema, como Branson, ele se sente um guardião do sistema. Se o serviço de uma casa sai dos eixos, como garantir que o mundo continuará?
No lugar de Gwen Dawson, a criada que abandona os serviços domésticos para trabalhar na companhia telefônica, entra Ethel. Eu lamentei não ver Gwen, espero que ela volte, e Ethel só começa a ser interessante quando o seu drama de mãe solteira entra em foco. Ainda assim, ela continua cabeça de vento. O peso de ser mãe solteira em um mundo conservador, patriarcal e hipócrita é ilustrado no seu drama. Todos a reprovam, ela é excluída da sociedade e recebe os piores empregos... quando recebe. O que será se seu filho? Como o pai do menino, um major nobre morreu na guerra, ela tem a opção de abrir mão da criança, pois os avós só desejam o menino. Quantas mães solteiras e miseráveis passaram por isso? A única que lhe estende a mão – ainda que a reprovando sistematicamente – é Mrs. Hughes, a governanta. Eu gosto muito de Mrs. Hughes, com seu drama sobre o casamento e a possibilidade de tê-lo na velhice, e sua capacidade de fazer as escolhas humanas, mesmo que contra a moral vigente. Já Ethel é boa para ilustrar um problema, mas é uma personagem bem chatinha e que nada aprende com as adversidades.
Com o retorno dos homens da frente de batalha, o trabalho será cada vez mais difícil para as mulheres, especialmente, as com filhos. E a mãe de Matthew, aparentemente tão ativa, tão socialmente avançada, é a primeira a defender que as mulheres devem voltar para casa. Quem acha que ela é feminista, pode esquecer! Ela é, como Lady Violet, uma mulher que leva a extremos os seus pontos de vista e muito autoritária. Parece moderna, ama muito o filho, mas seu discernimento para certas coisas não é grande. Por que como farão as mulheres que não podem voltar para casa, como Ethel? É esse mundo onde as mulheres dependem ou precisam depender de seus homens que vai ser erodido dali para frente. Espero que várias personagens femininas ajudem a fazê-lo.
O contraponto à Ethel é feito pela maid que vem substituí-la, Jane. Ela é competente, bonita, sempre pronta a cumprir com seus deveres, e é viúva de guerra. Isso lhe protege contra os olhares de condenação imediatamente. Ninguém pergunta se um casamento foi bom ou ruim, mas uma mulher é julgada por sua conduta sexual. Curiosamente, o Conde, passando por uma crise no casamento e carente, se interessa pela maid. Eu cheguei a pensar que Cora morreria de gripe espanhola e a forma como o drama do quase adultério (*no pensamento, ele ocorreu*) do Conde com Jane, ofereceu um tempero interessante para a trama. Até porque, ele traz a possibilidade de discutir várias questões de gênero. Cora, a esposa do Conde, levava uma vida muito frívola, a guerra lhe deu objetivos e ela abraça o trabalho social com ardor. Mas isso faz com que o Conde, que sempre foi o centro das atenções da esposa, se sinta negligenciado. As mulheres ricas são criticadas quando nada fazem, mas se abraçam causas são igualmente vistas como negligentes, porque, vide o parágrafo anterior, elas precisam em tudo depender de um homem, tê-lo como centro de sua vida, não de horizontes mais amplos. Eu gosto do Conde, ele é construído como personagem para que gostemos dele, vide a cena em que ele perdoa Mary e aceita o casamento de Sybil, mas ele é tão machista e explorador como a maioria dos seus pares. Branson está certo. E nós somos manobrados para sentir simpatia por Jane e o Conde. Afinal, quanta insensibilidade de Cora em ir cuidar dos doentes no hospital e deixar de acompanhar o marido em eventos sociais! Já Jane, pela sua própria condição e personalidade afável, é submissa e compreensiva.
Estou muito ansiosa para ver o que acontece daqui para frente, mas torço para que tenhamos mais uma temporada e nada mais. Quero saber o que vai acontecer com todos, até com Thomas que desceu ao ponto de seqüestrar Isis, a cachorrinha do Conde. Quero saber se Bates será solto (*ou quando será*), se Mary e Matthew finalmente se casarão (*Já deu, né Julian Fellowes?*). Sei que Sybil e Branson terão dificuldades, imagino que a família católica dele não aceite bem a esposa inglesa, protestante e nobre. Enfim, nunca me cansaria das tiradas sarcásticas de Lady Violet, vide o episódio de Natal, quando Carlisle é despensado por Mary, mas já chega! Aliás, Carlisle, mesmo sendo uma personagem feita para ser antipática, é interessante. Ele quis forçar a barra com a Mary, mas ele é o típico self made man em um círculo que valoriza estirpe e sangue azul. Minhas poucas simpatias de classe estão com ele, espero que ele nãos e torne vilão na próxima temporada.
Em termos de qualidade, a segunda temporada manteve o nível. Reconstituição, cenas de batalha, tudo muito certinho. Achei o corte de cenas um pouco brusco em alguns momentos, mas não sei se houve realmente problemas de edição. Eu sei que houve cenas cortadas, e espero poder assisti-las em breve. A série também ganhou ares de novelão em alguns momentos. O aparecimento de um oficial canadense desfigurado que afirma ser Patrick é um lance desse tipo. E há outros, como Matthew ficar aleijado, há a nova maid que se apaixona e engravida de um oficial e o amor “puro” de Thomas por um paciente enquanto serve no hospital. Até gente como Thomas ama... Mas veja que esses momentos não estragam a série... Eu dispensaria o desmemoriado, mas sei lá o que o Julian Fellowes tem em mente. Agora, é esperar pela terceira temporada. (*E, agora, posso resenhar Escrava Isaura de novo*)
3 pessoas comentaram:
Downton Abbey terá 5 temporadas, aparentemente: http://tvline.com/2012/03/02/downton-abbey-season-4-and-5-cast-contract/
Acabei de ver a 2a temporada. Estou feliz porque a qualidade da série não caiu. As mudanças nas personagens foram muito bem vindas.
Val, acho que concordo com quase tudo. Quase porque apesar de eu amar a Anna, acho o Bates um burro. Aquela cara de vilão dele fazendo contraste do bom ser humano que ele é me irrita!
A Violet nessa temporada ficou muito melhor que na primeira. Muito mais ácida e muito mais humana. Agora sim eu concordo que ela é a melhor da série.
No post da 1a temporada eu esqueci de dizer que eu gosto muito da governanta. O coração mole dela com a postura rígida no trabalho é algo muito bacana. Excelente atriz.
O nível de vilania do Thomas caiu bastante nessa temporada né? Creio que o que a personagem precisa é amar e ser amado. Torci por ele e o ceguinho, mas aí...
Pra finalizar, fiquei feliz com o começo de reconciliação entre Mary e Edith. A Edith é uma coitada rsrsrs gostei do crescimento dela nessa temporada. É a que tem o coração mais puro dentre as três irmãs. E Mary é a melhor, e eu achava que gostaria mais de Sybil, mas o jeito durão, cruel e amável da Mary é sensacional. Muito bonita e muito imponente. Diva.
Essa semana começo a 3a temporada!
Que maravilha de resenha!!! Estou lendo de todas as temporadas. Parabéns!
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