segunda-feira, 26 de março de 2012

Comentando (outra vez) Rei Davi (Minissérie, Record, 2012)



Como alguns devem saber, continuo acompanhando a minissérie Rei Davi na Record. Já previa a necessidade de fazer um segundo post para comentar algumas questões. A série, no geral, continua interessante, mas a morte de Saul serviu quase como um final de temporada e, bem, a segunda fase da série está bem inferior à primeira. E, claro, a produção optou pela construção do herói (quase) imaculado, tentando livrar Davi de qualquer culpa em relação aos muitos atos questionáveis que cometeu. O mais grave de tudo isso é que para criar um romance entre o Rei e Bate-Seba, decidiram transformar a vítima, Urias, em culpado de sua própria desgraça. Poucas coisas me irritam tanto na ficção histórica (*ou na realidade*) do que a difamação de uma personagem, especialmente para livrar a cara de outra ou impor uma determinada linha de argumento. Mas, enfim, vamos continuar.

Uma das melhores coisas de Rei Davi foi a construção da personagem Saul. Gracindo Jr. Começou com um tom um pouco exagerado, mas com o passar dos capítulos imprimiu um tom trágico e grandioso ao primeiro rei de Israel. Normalmente, ao ler a Bíblia, eu encarava Saul como um erro, uma personagem menor que retarda o governo de Davi. A minissérie me ajudou a repensar a personagem. Saul foi uma escolha equivocada de Samuel, que preferiu a aparência – alto, forte, bonito – e não conseguiu perceber as falhas de caráter de Saul – arrogante, insubmisso à vontade de Deus, e, posteriormente, depressivo, paranóico. A angústia da personagem, depois que Samuel comunica que Deus não mais falará com ele, potencializou o drama, assim como os surtos do rei. No entanto, ao contrário do que vem sendo feito com a personagem Davi, Saul era bem humano e tinha momentos ternos, demonstrando genuíno afeto por seu filho Jônatas e seu neto.

Outro que desenvolveu bem o papel, depois de um início vacilante, foi Claudio Fontana. Não o acho bom ator, talvez renda bem no teatro, mas em seus papéis na Globo tendem a ser sucessões de playboys paulistanos. A exceção foi Ciranda de Pedra, onde eu até elogiei o desempenho dele... Mas tive que me esforçar para lembrar. Agora, em Rei Davi, ele conseguiu de novo mostrar que quando exigido, pode render e sair da mediocridade. Aliás, a perda da esposa (*e toda a cena do parto foi bem emocionante mesmo*), a reconciliação com o pai, tudo ficou muito bom. Jônatas e Saul mereciam uma cena de morte mais longa, só que a produção prefere repetir ad eternum a mesma cena ao invés de compor uma trama mais sólida. E um detalhe de perfumaria, tanto Cláudio Fontana, quanto Leonardo Brício são cinqüentões. Nenhum dos dois parece, especialmente, Leonardo Brício.

Agora o problemão. O romance entre Davi e Bate-Seba já se desenha lá do início da minissérie. O caso entre os dois não foi bonito ou cor de rosa, mas começou com rasgo de luxúria por parte de um rei, conforme o texto de II Samuel 11:2 “E aconteceu que numa tarde Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real, e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista.”. O texto continua, Davi desejou a mulher e mandou perguntar quem ela era, logo, não a conhecia. Depois, abusou de seu poder e mandou chamar a esposa de outro homem, pior ainda, um de seus mais leais soldados, um homem justo e estrangeiro. Mais adiante, não conseguindo fazer com que Urias durma com a mulher para lhe imputar o filho fruto de seu adultério, planeja mata-lo. O texto inteiro pode ser achado em II Samuel 11. A história, claro, não termina ali, pois Davi será castigado pelo pecado e, segundo o profeta Natã, “Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher.” (II Samuel 12:10)

A minissérie da Record, ao invés de tentar se manter próxima deste texto – que eu vejo como literatura, não estou tratando aqui de questões de fé – como tem feito em outras passagens, decidiu transformar a vítima em culpado. Urias desde o início é grosseiro e insensível com a esposa. Já Davi, sempre que encontra com Bate-Seba é gentil com ela. A moça diz em determinado momento que casou forçada. Para piorar, Urias parece insensível à beleza da esposa e a rejeita. Ou seja, é mau e não dá no coro. Não sei de quem foi a idéia de usar de um recurso tão pérfido para justificar vários crimes. Urias não vai para a cama com Bate-Seba quando Davi manda chama-lo, em solidariedade aos camaradas que estão no campo de batalha, dormindo ao relento. Na leitura da Record, é porque, no mínimo, Urias não tem libido... E Bate-Seba não tem filhos por causa do marido, pois bastará uma vez para que Davi a engravide. Enfim, assim como reclamei em Ágora do que fizeram com o Bispo Sinésio, reclamo aqui. Não é correto difamar uma personagem para exaltar outra. Davi não era um super-humano, era um sujeito que acertava e errava, mas se arrependia, se humilhava e levantava de novo. É isso que o torna tão importante, uma personagem tão amada.

Enfim, essa segunda fase da minissérie tem ainda outros problemas, como o uso da narração em off para correr a história. Nada mais pobre do que abusar desse recurso pare não ter que mostrar os acontecimentos. Eu aproveitaria a audiência e esticaria um pouco mais para evitar essa queda de qualidade. Querem um exemplo? Vem a voz (*que é do ator que fazia Samuel*) e diz “E Davi se casou com mais mulheres”. OK? Como as conheceu? Especialmente Abigail, que tem uma historinha bem legal (I Samuel 25), aliás, muito mais passível de ser romanceada do que o encontro sexual de Bate-Seba e Davi. Só que inventar do nada um romance entre Davi e a esposa de Urias é mais elevante do que contar passagens importantes da vida de Davi. Também decidiram diminuir o número de filhos do rei... Como somente Tamar, Absalão, Amnon e Salomão tem história de verdade, os outros poderiam ser figurantes. Do jeito que está, não é somente Mical a esposa estéril. Aliás, Maria Ribeiro é outra que está atuando muito bem e tendo sua personagem espezinhada. Decidiram que Mical é a vilã e tem que ser capaz de qualquer torpeza. Já estou imaginando as intrigas de harém quando Bate-Seba for morar lá... Chato, muito chato!

Rei Davi é uma produção de qualidade, não pensem que não, mas está seguindo um caminho muito estranho. Curioso, e isso merece uma análise, é como o povo religioso está comprando a briga da série. Os comentários que vejo por aí parecem mais aqueles de depois de pregação “Foi uma bênção!”, “O Senhor está falando conosco através da minissérie!”, e por aí vai. Muitos dos comentaristas religiosos também parecem desconhecer minimamente os acontecimentos narrados na Bíblia – ainda que falem da fidelidade da série – e parecem achar lindo o romance adultero de Davi... Vai entender? Agora, se tiver quer comentar Rei Davi será somente quando a série terminar.

9 pessoas comentaram:

Também acho chato quando fazem uma série baseada em literatura (seja religiosa, mitológica ou ficcional) e modificam as coisas aleatoriamente. No caso de Rei Davi, parece que 'novelizaram' a série: tem o bonzinho, a mocinha, a vilã, o malvado, esses clichês de personagem de novela. Na minha opinião,quanto mais fiel ao livro original mais interessante a série seria.

A audiência da minissérie Rei Davi se deve exatamente a esses padrões novelísticos, que, no geral, não penso ser ruim. A minha insatisfação vem exatamente de dois pontos que você tocou Valéria, e acho que comentei no seu outro post sobre a série: Bate-Seba! E agora Abgail. A história de Abigail com Davi é bonita e foi desperdiçada!! Uma pena. Acho que não mostraram isso em tela pq poderia ser difícil para o público engolir um mocinho que tem tantas paixões na vida.
Uma pena! Sem esquecer que mudaram a história de Zipa e Mefibosete, assim como excluíram a história da arca.
Ah, será que o povo crente deu glória quando viu a Bate-Seba nua no último episódio transmitido??? kkkkk

O povo crente, Layne, deve ter dado glória... Pelo menos, o povo que eu vejo na net. Afinal, é mais um justificativa para o adultério... [SIGH]

Outra história que, com certeza, foi cortada é quando Davi manda matar os filhos de Rispa e de Merabe. Eles simplesmente sumiram da história... Como explicar que o rei fluffy que estão desenhando em tela mandou matar crianças por questões dinásticas?

E eu estou detestando a série em virtude de tantas "adaptações" em relação ao texto original, acho que todo texto literário deve sofrer adaptações quando transformado em filme, série, novela,etc... mas no caso de Rei Davi, da Record, está passando dos limites, teturpação do papel das personagens, sumiço de outras, enfim, não gostei e não recomendo aos meu amigos.

Estava pensando em baixar para ver, mas pelo jeito nem vale a pena.

Nas outras minisséries biblicas da Record também "adaptaram" tanta a história?

Muito pelo contrário, vale a pena q produção em si é excelente.

Irrita profundamente esse romance forçado de Bate-Seba com Davi mesmo, quem conhece um pouco da história, sabe que aquilo é mentira. Já que "novelar" o negócio, mostre os outros romances de Davi, mudar a história pra deixar Davi do bem e Urias do mal e, justificar um adultério que é condenado desde aqueles tempos, é imperdoável. Estou assistindo tentando fazer vista grossa pra esse tipo de coisa, mas tem horas que fica difícil né...

Assisti a série e estava tentando entender de onde veio que Davi conheceu Bate Seba quando estava indo conhecer Urias, e não encontrei nada. Realmente ocultaram muitos fatos e incluíram outros com o intuito de criar um Romance, que pra mim de fato foi, porém que se deu através da origem de um erro e pecado, o adultério. A história do Rei Davi é linda e pesada, pois apesar de se mostrar como diz a Bíblia, Um homem segundo o coração de Deus, Davi era um homem normal que pecou como todos os homens, mas era um homem que amava a Deus, e apesar do que fez se arrependeu de verdade. Seu pecado teve as consequências como todos os pecados tem, mas o que mais gostei da série foi mostrar que Deus é infinito em misericórdia e perdoou os pecados de Davi, pois ele se arrependeu mesmo, de coração.

Mas o que esperar da Rede Record Tv eles transformar a matriarca Raquel em uma vilã na novela Gênesis e na minissérie José do Egito transformaram a Lia em vilã desejando a morte da Raquel e da Bilá.

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