Uma pessoa me fez uma pergunta no Formspring que eu acho que merece vir para cá. Trata-se de uma dúvida sobre crianças ilegítimas no Japão provocada pela série Usagi Drop (うさぎドロップ). Não sou especialista no assunto, mas como tinha lido alguma coisa sobre a questão, tentei dar uma resposta o mais completa possível. Para os outros posts da série, é só clicar (1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 7– 8 - 9 - 10). Segue a pergunta e a resposta:
O mangá Usagi drop é realista? Quero dizer, existem muitos casos de crianças ilegítimas e essas crianças são rejeitadas pela família?Vamos por partes. O mangá Usagi Drop é bem realista em muitos aspectos. Em primeiro lugar, filhos ilegítimos e mães solteiras não são bem vistos no Japão, já a legislação sobre o aborto é flexível o suficiente para que virtualmente qualquer mulher possa abortar. Isso conjugado a uma política de saúde que manteve as pílulas anticoncepcionais proibidas até 1999 e não estimula seu uso até hoje (*os velhos da Dieta diziam que iria estimular a imoralidade feminina*), as taxas de aborto no Japão são bem mais elevadas que em outros países do 1º Mundo, afinal, ter um filho ilegítimo não é socialmente aceitável e o ônus (*como por aqui*) será todo da mãe. Outra saída é o abandono dos bebês e eu li a primeira vez sobre a questão da adoção no Japão por conta disso.Faz alguns anos que alguns hospitais católicos japoneses recriaram a "roda dos expostos", isto é, você pode deixar seu bebê com segurança e anonimamente e alguém irá cuidar dele. Adoção no Japão, segundo várias matérias que encontrei (1 - 2 - 3), é algo muito mal visto e difícil, também. Ao longo dos séculos, a adoção estava ligada a garantia da linhagem. Você não tinha filhos, precisava manter o nome da família, adotava um parente. Por que? Porque partilhavam dos mesmos ancestrais. Veja que nesse aspecto, Rin poderia ser acolhida sem problema, só que ela é ilegítima e, portanto, uma vergonha para a família.No pós-guerra, a legislação de adoção no Japão mudou, ajustou-se mais ao que é no Ocidente (EUA), no entanto, por tudo o que li e já vi em mangá, a coisa não mudou muito, porque a cultura é a mesma. O Estado e a opinião pública não estimulam a adoção. A responsabilidade por uma criança é da família, e alguns acreditam que, se o Estado estimular as adoções, estará estimulando a imoralidade e irresponsabilidade. Espera-se, portanto, que uma criança órfã, abandonada e/ou ilegítima, fique em uma instituição até atingir a maioridade. Não há estímulo à adoção internacional, também. Rin seria mandada para uma instituição se seu sobrinho não a acolhesse.Há a adoção? Quando criança recebe o nome da nova família? Há. Daikichi luta contra a opinião de várias pessoas, inclusive da mãe de Rin, para adotar a menina e dar-lhe seu nome, tornando-se seu pai. A mãe de Rin até diz que para uma mulher isso pouco importa, um nome de família, já que, ao casar, ela mudará de nome. Veja que é a idéia de que uma mulher não é da família, simplesmente está na família. Mas curiosamente, a lei japonesa mudou ano passado, acho, e as mulheres podem escolher se mantêm seu nome de família, ou não. Essa parte do mangá foi escrita antes. Resultado, Rin não é adotada, não muda de nome, mas Daikichi tem a sua guarda. Ao que parece, por tudo o que li, essa relação é a mais comum, seja porque adotar é burocraticamente complicado, seja porque culturalmente a situação não é bem vista, ou porque, para muitos, acolher uma criança em sua casa e ter sua guarda já é suficiente.A meu ver, toda essa situação é absurda. Veja que o Japão tem sérios problemas com natalidade e dificulta a contracepção, mas não dá apoio às mães solteiras. Resultado? Aborto e/ou abandonos. Há muitas crianças em instituições? Sim. Mas, de novo, a adoção não é bem vista ou estimulada. Assim fica difícil, não é? Espero ter ajudado a tirar as dúvidas. O caso da "roda", meu interesse pela questão da adoção e o mangá de Karekano (彼氏彼女の事情) me fizeram ler sobre a questão, por isso, tinha um link arquivado, mas precisava pesquisar mais. Também fiz aprte de um grupo no Orkut que era de brasileiras que moravam no Japão e queriam adotar por lá. As dificuldades encontradas eram imensas, afinal, se para um japonês nato já era complicado, para um casal estrangeiro, mesmo residente, a situação era ainda masi dramática.
5 pessoas comentaram:
Aqui também podia ter essa roda. Aí não teria tanta mãe jogando bebês nos rios, no lixo x.x.
Tô começando a ler agora seu blog, tem bastante coisa legal. Parabéns! Não tem caixinha de link-me? Gostaria de colocar no meu blog ^^.
Tenha uma ótima quinta.
Abraço.
Caixinha de Link me? Que isso?
Quanto à roda, eu acho uma coisa pavorosa. o que precisávamos é ter a lei divulgada (qualquer mãe pode entregar seu bebê em adoção mesmo antes de ter nascido), políticas de educação sexual e, claro, uma legislação mais justa em relação ao aborto.
Gosto quando os quadrinhos expõem temas relevantes para discussões e aprecio o fato de Usagi Drop dar visibilidade à adoção, por exemplo.
Dá um misto de tristeza e raiva ver que a situação está em um impasse - completamente descabido, acrescento. Obrigada pelo post esclarecedor, Valéria.
O Japão realmente é um grande paradoxo: de um lado, uma legislação permissiva em relação ao aborto; de outro, todo esse entrave para a adoção e aos métodos contraceptivos.
Essa matéria me fez lembrar uma reportagem de um jornal russo, em que o governo reclamava de mais de 1000 crianças que haviam sido devolvidas, pelos seus então pais adotivos, aos seus respectivos orfanatos depois do governo anunciar o fim de incentívos financeiros devido à reflexos da crise de 2008. Destas, poucas estavam adotadas a menos de 1 ano... Nem imagino o trauma que essas crianças devem ter passado.
É triste que, ainda, a situação dos "orfãos" vá continuar a ser "complicada" em tantas culturas, a meu ver, por muito tempo.
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