No embalo de reassistir – ou assistir – as adaptações de Jane Eyre para o cinema e TV, decidi rever o filme que me apresentou a história. Um filme que eu não assistia há mais de 20 anos e que, na minha infância, causou forte impressão em mim. Rever expôs os problemas da produção, mas confesso que não consigo não gostar do filme que, de cara, tem um elenco velho demais para os papéis. Mas o filme tem dois destaques, a música de John Williams e a fase de Lowood, que tanto me impressionou quando menina.
O filme em si é muito curto, não tem nem 1 hora e 39 minutos. Só por conta disso, já dá para imaginar que muita coisa seria sacrificada. O nome mais famoso do filme é George C. Scott, como Rochester. O ator seria oscarizado em 1971 pelo filme Patton. Apesar da idade, ele é um bom Rochester, levando-se em consideração que todos parecem muito velhos mesmo. E ele termina bem arrebentadinho no final. Aliás, revendo as versões, a gente vê o quanto as adaptações evitam colocar todo o dano sofrido por Rochester. George C. Scott deu à Rochester um tom bem trágico. E o filme, em geral, não tem humor algum.
Susannah York, uma das beldades inglesas da década de 1960, tinha quase 32 anos quando interpretou Jane. Se no caso de Rochester a coisa passa (*tentem olhar o Mr. Knightley da adaptação da BBC de Emma de 1972 e vocês vão achar que o George C. Scott, está OK no papel*), gera-se um humor involuntário quando ela diz que passou dez anos em Lowood. Ainda que uma mulher muito bonita – e Jane não era bonita – ela mostrava toda a idade que tinha. Jane precisa parecer adolescente. Fora isso, ela se entrega com força ao papel e interpreta muito bem, levando-se em conta o problema previamente apontado.
O destaque do filme, que já começa com Jane chegando em Lowood é a fase do colégio. Lugar escuro, de olhar a gente sente o frio que as meninas deviam sentir e a sua fome, também. A cena da bacia com água congelada, a longa caminhada para a igreja, com as meninas tossindo e com roupa insuficiente, a interpretação de Sara Gibson (jovem Jane) e Rosalyn Landor (Helen Burns) é muito convincente. A perseguição que Helen sobre de Miss Scatcherd é um dos pontos altos dessa parte do filme, assim como a cena em que Jane tem seus cabelos cortados pelo Reverendo Brocklehurst é bem impactante. E há Miss Temple, também... Enfim, no livro nenhuma menina chega a ter os cabelos cortados, e, ao contrário do que é mostrado nas adaptações, nem Helen, nem Jane, foram ameaçadas, mas uma outra menina. Para economizar, quando essa seqüencia aparece, é uma das duas, ou as duas, que tem seus cabelos cortados, porque eles são indecentes, já que ondulam naturalmente...
Esta versão corta e muda muita coisa. Brocklehurst nunca deixa de ser o diretor da escola e Jane o enfrenta com ódio quando está para sair de Lowood. Levando-se em conta que ela precisava de uma carta de recomendação, isso seria muito pouco aconselhável. Também não há a cigana (*a maioria dos filmes corta essa parte*), nem Jane confronta a tia. Não é nem como no filme de 1997, quando Jane chega a ir até a casa da Sr.ª Reed, aqui, a tia só foi referida no início, em Lowood. Por conta disso, Jane é pedida em casamento logo após o incidente com Mason. Blanche Ingram (Nyree Dawn Porter) é uma morena exuberante neste filme, seguindo bem o livro e mais velha do que deveria, como a maioria dos atores e atrizes do filme. Voltando às omissões, os Rivers realmente acolhem Jane, mas ela se torna professora de uma escola mista e, não, feminina. Mary e Diana Rivers tem destaque nessa parte, o que surpreende dado o tamanho da película e St. John é bem insistente na proposta de casamento. Uma das grandes cenas do filme é o confronto entre Jane e St. Rivers sobre o casamento. Disso eu lembrava muito bem. Só que não há herança, nem primos, nem nada... E Jane volta para Rochester.
Revendo o filme, o que eu percebi foi um viés anti-clerical. O que impede Jane de ficar com Rochester é uma leitura hipócrita e convencional da religião. Claro, isso está de certa forma no original, e nenhuma versão leva tão ao extremo o mote "O Amor é minha Religião", que alguns dizem ser a idéia chave de Jane Eyre. Mas o que incomoda, pelo menos a mim, é que a falta da herança continua deixando Jane em uma posição de clara inferioridade. Ela não é igual à Rochester, nunca será. Primeiro, ela é mulher, segundo, ela continua pobre e ele muito rico. A idéia da herança é fundamental, para equalizar as coisas. Rica, Jane poderia ter um futuro muito diferente, mas, ainda assim, ela vai atrás do homem que ama. Um homem quase 20 anos mais velho e, naquela altura da história, cego, marcado por cicatrizes e com uma mão amputada. Na versão de 1970, não é o amor a religião de Jane, mas o próprio Rochester. E não podemos esquecer que, ainda que tenhamos perdão e redenção, Rochester a enganou e a usou. Essa versão, assim como a de 1997, é muito pouco efetiva em caracterizar o quanto ele foi egoísta e usou a moça. E eu gosto de Rochester, gosto mais dele do que de qualquer outra personagem masculina da literatura inglesa.
É isso. Continuo tendo muito carinho por essa versão, porque ela me conduziu ao livro. Me apresentou Jane Eyre quando eu era somente uma menina. No mais, minha promessa de ver ou rever e resenhar as adaptações de Jane Eyre para o cinema e TV continua. Faltam agora as versões de 1943, 1996, 1983 e a de 2006. Provavelmente, as duas minisséries ficarão para 2012. Os filmes já foram vistos. Para quem não viu as resenhas de 2011 e 1997 é só clicar.
0 pessoas comentaram:
Postar um comentário