sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Comentando Jane Eyre (2011)



Eu fiquei enrolando para assistir Jane Eyre na esperança de que o filme estrearia no Brasil em outubro. Passou o tempo, veio novembro, dezembro já está nos descontos, e nada de aparecer nos cinemas brasileiros. Entrei no IMDB e não há sequer previsão de estréia do filme em nosso país. Desculpem, mas cansei! Baixei o filme, assisti e vou resenhar. Não vou esperar o filme sair em DVD, como no caso de Alexandria, porque eu duvido mesmo que venha para os cinemas. Podem não saber que Jane Eyre tem fãs no Brasil, sei lá o que se passa na cabeça das distribuidoras, mas acho burrice que não lancem uma película protagonizada pelo Michael Fassbender na tela grande.

Jane Eyre, para quem não sabe, é o livro inglês do século XIX mais adaptado para o cinema e para a TV. Esta última versão teve como diretor Cary Fukunaga e contou com roteiro de Moira Buffini. A BBC Films contribuiu para a produção, o que torna, de alguma forma, esse Jane Eyre também um produto deles. A maior propaganda deste novo filme, a meu ver, foi o elenco. Mia Wakisikowska é a atriz com a idade mais próxima da personagem do livro, e Michael Fassbender é um dos galãs do momento atraindo muita atenção para a produção fora do Brasil. Fora Dame Judi Dench, duas vezes oscarizada, como Mrs. Fairfax.

A grande inovação desta nova versão é a narração em flashback, começando do terço final da história, quando Jane foge de Thornfield e acaba encontrando refúgio na casa da família Rivers, sua infância infeliz e o romance trágico com Edward Rochester (Fassbender) são relembrados por ela, até que chegamos ao momento em que ela vai ao encontro do amado. Desculpem, eu não tenho como escrever sobre Jane Eyre – de novo – sem entregar a trama do livro, porque o novo filme, com omissões aqui e ali, segue direitinho o original de Charlotte Brontë, publicado em 1847. No geral, eu daria sete para esta nova versão, só que um dos meus desafios (*e, por isso, demorei a escrever a resenha*) é não dar a entender que o filme é ruim por conta das omissões. Estou marcando isso, porque parei várias vezes, peguei o livro, bufei. Meu olhar sobre o filme não foi complacente e minha análise é muito contaminada. Se ainda assim você quiser continuar lendo...

O filme é muito bonito, visualmente falando. A fotografia e a direção de arte pontuaram bem alto. Pergunto-me se ele será indicado para algum prêmio por conta disso, porque a câmera trabalhou bem boa parte do tempo, alternando a amplitude da charneca com a claustrofobia de Lowood (*a escola onde Jane estudou*) e da lúgubre Thornfield. Também utilizaram essa oposição para marcar o estado de ânimo da personagem. Jane reclama que o limite da vida das mulheres (*de boa família, vitorianas*) vai até a linha do horizonte. Ela, Jane, nunca foi a uma cidade e o primeiro homem com quem teve alguma familiaridade é Rochester. Em outra cena, quando Rochester está fora por vários dias, Jane anda dentro de um jardim belíssimo, mas amuralhado. É, de novo, uma retomada do tema da reclusão forçada das mulheres. Estado este que, para boa parte delas, não é escolha, mas imposição. (*Aliás, voltarei a isso quando comentar a Rainha Vitória do seriado Edward the Seventh , está na fila, depois de Black Bird #11*). Neste aspecto, o filme foi bem feliz e deu toda a dimensão do proto-feminismo de Jane Eyre.

Outro ponto positivo é a menina, Amelia Clarkson, que faz Jane quando criança. Ela é cheia de vida, consegue passar bem os sentimentos da personagem principal. Gostei dela. Só que, como é um filme, a fase da infância é curta e foi mal trabalhada. O primo de Jane nunca a perseguiu com uma espada, as primas da protagonista não eram sombras mudas. Poucas falas, alguns risinhos, dariam a noção de que elas não eram expectadoras inocentes das maldades que Jane sofria. E, claro, a parte de Lowood foi bem fraca e injusta. Uma bacia com água congelada, um close em uma tigela de comida queimada ou exígua, dariam a noção dos maus tratos impostos às meninas sob a administração do Reverendo Brocklehurst. Helen Burns, a primeira amiga de Jane, sofre a perseguição da professora, mas é só isso. A professora bondosa e futura diretora, Miss Temple, é eliminada. Fica parecendo que Lowood foi hostil o tempo inteiro e que a boa formação de Jane foi fruto somente do seu esforço pessoal. Talvez, em tempos profundamente individualistas e de exaltação de jovens prodígios, o filme deliberadamente tenha desejado passar essa mensagem, mas ela não é justa, tampouco se coaduna com o original ou qualquer adaptação anterior que mereça o nome.


Jane vai para Thornfield e este filme se esforçou para dar à mansão uma aura de casa mal assombrada, o gótico do romance foi colocado em evidência. Até aí, sem problema. No entanto, ao longo do livro e de todas as adaptações, a idéia da mansão mal assombrada é logo substituída pela figura de Grace Poole, a suposta criada louca que vagava pelos corredores à noite, gargalhava, arrastava móveis, e chegou a atear fogo no quarto do patrão. Grace Poole, talvez por algum erro de edição (*não acho que eu tenha perdido a informação tão óbvia*) só é citada no final. Ou seja, Jane estava nas sombras e, pior, quando Mason é atacado e esfaqueado, ela e nós somos conduzidos a imaginar que pode ter sido Sr. Rochester quem o atacou. Nenhuma adaptação dá sequer a entender que tal coisa poderia ter ocorrido. Há um mistério e Jane confia em Rochester e na sua palavra e honra. Neste filme, criaram deliberadamente uma relação muito doentia entra Rochester e Jane, pois ela não tem certeza se o sujeito é um assassino ou algo do gênero, e, ainda assim, se entrega ao romance. Eu ficaria com medo. E ainda cortaram a fala de Rochester "Você tem problemas com sangue?". Se bem que a Jane de Wakisikowska mal cuidou de Mason, ficou mais preocupada em xeretar o quarto no misterioso piso assombrado. Não gostei disso, não. Imogen Poots, morena, está bem como Blanche Ingram, a moça nobre e orgulhosa que Jane acredita que irá se casar com Rochester, mas ela aparece tão pouco que nem faz grande diferença. Romy Settbon Moore é uma Adèle fofinha, mas não há nenhuma pressão para que ela fale inglês. No livro, uma das funções de Jane é fazer a francesinha falar a língua do país onde está.

Um dos problemas desse novo Jane Eyre é a falta de humor e o humor involuntário. Explico: o Sr. Rochester era sarcástico e Jane também não era nada boazinha. Só que os diálogos espirituosos, a parte da cigana, tudo foi retirado. Em compensação, criou-se uma cena bem esquisita quando Rochester-Fassbender pergunta para Jane se ela o acha bonito. Ela fica sem graça e diz que não o acha bonito. Hellooo!!!! É o Michael Fassbender!!!! Já era complicado achar o Toby Stephens ou o Timothy Dalton feios, imagina o Fassbender? Eu acabei rindo e acho que foi a única vez. Falando em Jane e Rochester. Wakisikowska tem a idade certa, mas é uma Jane assustada, tímida, bem diferente de como eu imagino nos livros. Enrubesce, parece sempre mais frágil do que deveria ser... Tudo bem que o Mr. Rochester é o Fassbender, mas Jane Eyre não era bem assim. Já o Fassbender não tem os olhos negros do Rochester que, ao contrário do Mr. Darcy, por exemplo, é descrito como moreno, e não recebeu o suporte do roteiro para trabalhar melhor a personagem. Cenas que permitiriam o desenvolvimento da intimidade e confiança entre ele e Jane foram cortadas. Cortaram, por exemplo, a explicação sobre a mãe de Adéle, a menina que ele adotou e é a razão da presença de Jane em sua casa. A melhor cena dos dois foi quando ele praticamente se declara e ela, por sua inexperiência, não entende. Ficou bonitinha. A cena mais sexy, claro, foi a do incêndio... Afinal, falam do excesso de erotismo da versão da BBC de 2006, mas o Toby Stephens, pelo menos, não aparece sem calças... Se der, eu corto e coloco as duas no Youtube. Já a declaração de amor dele, a famosa, ponto alto de qualquer adaptação, teve o texto mutilado e ficou aquém do que poderia ser. A fala "Deus me perdoe... E que homem algum se atravesse em meu caminho: ela é minha e eu a manterei!", que é muito importante dada a situação da personagem, foi retirada. Ah, sim, e a "assombração" do sótão – dou o spoiler? Mais um aliás... – não destruiu o véu de noiva de Jane. Por que retirar uma seqüência como essa, eu não sei.

Mas vamos para a casa dos Rivers, a família que acolhe Jane depois que ela foge de Rochester. Foi bem legal ver a Holliday Grainger, a Lucrecia de The Borgias, morena e fazendo a Diana Rivers. Problema de novo foi omitirem que ela e Mary, sua irmã, eram governantas por necessidades econômicas. St. John fala que elas precisam voltar "aos seus postos", mas nada fica claro. Houve referência à paixão secreta de St. John, coisa que várias adaptações omitem, mas pintaram o pastor como alguém bem diferente da quase pedra de gelo que ele é no livro. Ficou estranho, porque a interpretação de Jamie Bell me convenceu de que St. John havia realmente se apaixonado por Jane... Ele realmente admira sua inteligência, disciplina e disposição para o trabalho, mas é só isso. Aliás, como o filme não o coloca ensinando hindustani para a moça, parece que ele só admira mesmo a disciplina e disposição para o trabalho. Só que, para piorar, modificaram algo fundamental.

Há um recurso meio deus ex-machina em Jane Eyre. No livro – e em 90% das adaptações – ela descobre, por intermédio da tia má à beira da morte, que tem um tio, irmão de seu pai, que desejava adotá-la. Este tio foi levado a crer que ela morrera. Jane escreve para o tio, mas não recebe resposta de volta. Pois bem, St. John decide investigar a origem da moça ao descobrir seu real sobrenome (*não revelarei como, preste atenção ao filme*), Eyre. Termina conseguindo contato com o procurador do tio de Jane que, por sinal, era seu tio também. Resumo da história, ao fugir, Jane terminou encontrando sua família de sangue. Ela fica mais feliz por isso do que por receber a herança que termina por dividir com os primos muito contra a vontade de St. John. Assim, Mary e Diana poderão deixar de os seus trabalhos como governantas e terão um dote para casar. Tudo no filme é quase igual, salvo o fato deles não serem primos!!!!! Ou seja, Jane conseguiu convencer St. John a aceitar o dinheiro sem ser da família, a morar com eles e ter intimidade sem ser sangue do sangue deles. Foi um furo muito grande.

De resto é tudo igual. Jane termina voltando para Rochester, sem se importar com nada. Como o cachê de Judi Dench deve ser caro, ela reaparece no final para explicar como Thornfield pegou fogo e onde está Rochester. No livro, o amado de Jane ficou mutilado, perdendo uma das mãos, e cego no incêndio. Neste último filme, Fassbender só parece estar sujinho, deprimido e barbudo. Nada que um banho e uma navalha não resolvam. Já até estava esperando que ele não fosse muito enfeiado, aliás, na maioria das adaptações são muito gentis com o Sr. Rochester, mas não esperava que pegassem tão leve.

Indo para os finalmentes: O filme é ruim como filme? Não, mas tem muitas lacunas de roteiro, informações que deveriam estar lá e foram omitidas. Quem leu o livro sabe, como no caso da mãe de Adèle, quem não leu vai se perguntar por qual motivo Rochester acolheu a menina se ele nem parece gostar dela. E esse é somente um exemplo. Fassbender foi um pouco envelhecido para ser Rochester, mas, ainda assim, ele é jovem e bonito demais para o papel. Wakisikowska, como já comentei, parece muito frágil e assustada. Esta é a sua Jane, eu sei, mas não é uma Jane que eu tenha gostado muito. Esse filme de 2011 só consegue ser melhor que as versões de 1934, 1944, e 1996. Como assisti hoje a versão de 1997, até domingo eu explico porque estou escrevendo isso. De resto, o figurino é muito bonito boa parte do tempo e, como não poderia deixar de ser, Jane Eyre cumpre sem problema a Bechdel Rule. Agora, é esperar para ver se eu queimo a língua e esse filme ainda estréia no Brasil.
P.S.: Percebi que eu nunca fiz uma resenha de Jane Eyre com o Toby Stephens e a Ruth Wilson para o Shoujo Café. Espero resolver isso em breve. Mas deixo a dica: a série saiu recentemente no Brasil. Dêem uma olhada especialmente na Livraria Cultura (*link na barra à direita*), pois ele está à venda e é talvez a melhor adaptação de Jane Eyre já feita. Paua a pau com a de 1973. Aliás, esta série eu resenhei par ao blog. :)

7 pessoas comentaram:

Depois desse post fiquei desanimado a ver o filme. Sou muito detalhista em adaptações, imagina em meu classico favorito.
Quê?! Como pode não falar de Grace Poole, só no fim?! E com as suspeitas de que o assasino é Rochester? Então como fica a cena em que o Rochester é atacado a noite, foi cortada? Essa parte é tão legal, ficaria muito bom se o filme passase a sensação de suspense presente no livro.
Legal essa ideia do filme dar a Thornfield um ar de casa mal asombrada, é um pouco parecido com a ideia que eu tenho dela, escura e cheia de misterios. E o legal de Jane Eyre é a sensação de misterio e suspense que o livro passa.
Já imaginava, desde que li o livro pela primeira vez, que as adaptações não dariam muito destaque à parte da infância, o que me deixa muito chateado, pois eu adoro essa parte do livro e o li pensando que se passaria todo naquele ambiente. Gosto mais da fase adulta, mas a infância é inesquecivel. Lembro muito bem que chorei na parte em que Jane vai dormir com a amiguinha doente como forma de despedida - muito fofo.
Mutilaram a cena da declaração de Rochester?! Ai já é pedir para morrer. Essa cena é tão linda! Quando eu li eu fiquei com um sorriso de orelha a orelha.
A Jane dessa menina consegue ser mais fragil que a do livro? Até que a Jane do livro não passa a mensagem de ser fragil, mas também não passa a de ser forte. Serio, na minha opinião, ela poderia ter lutado bem mais, mas sempre ficava na dela.

Victor, há a cena do incêndio, ela está lá. O problema é que não se fala em Grace Poole, fui checar depois de ler seu comentário.

Mas lutar como? Em qual sentido você acha que ela não luta?

Lutar tipo... Bem, quando aparece a Igram, a Jane já estava encantada pelo Rochester - não lembro agora se ela já estava apaixonada - e ela não faz nada, fica só na dela assistindo a chegada do possivel noivado. Depois ela vai se apaixonando - pelo que me lembro - e fica só na dela, conformada de que nunca poderá ter o Rochester. Ah, não gosto disso, não. Ela poderia ter feito alguma coisa para conseguir o amor do Rochester. Se é pra perder, pode perder, agora tem que tentar primeiro.
E quando ela vai casar e descobre sobre a maldida Mrs. Rochester ela dessisti do Rochester e foge. Mesmo eu achando que isso foi melhor pra o livro - melhor nada! por causa disso o Rochester ficou todo ferrado!!!!! -, eu fiquei com muita raiva por ela não ter pego uma arma, ter matado a desgraçada, depois casado com o Rochester e fim - um feliz e maravilhoso. hahahaha Serio, nessa situação não sei o que ela poderia fazer, mas fiquei com muita raiva dela não ter feito nada. Eu costumo apoiar as escolhas das mocinhas, mas essa da Jane, de fugir, não deu reggae comigo e eu quase larguei o livro de raiva nessa parte.

Ps.: Eu acho que a parte de Hana Yori Dango que tem a cena da chuva foi baseada em Jane Eyre. Sei que você não deve concordar comigo, mas eu acho que a situação é a mesma: a mocinha, empregada do mocinho, é obrigada a deixa-lo, junto com tudo que diz respeito a ele, por causa de uma velha maldita.
Ps2.: Tem outras historias que eu vejo um pouquinho de Jane Eyre. Talvez seja coisa da minha cabeça, ou por ter lido esses outros mangás quado estava lendo Jane Eyre.

Eu lembro que, quando soube dessa nova versão de Jane Eyre, fiquei animadíssima, principalmente depois que vi o trailer. Demorou tanto para sair que até me esqueci dela! Só lembrei dela agora, que li o seu post. Espero que ainda saia no cinema, embora duvide muito disso, com essa demora toda.



Ok mas temos um belíssimo Fassbender/Rochester. Quanto a jane não gostei muito dela. Tenho pena que tenham cortado algumas cenas. É uma mania que não consigo entender.

não gostei muito, o casal também não me sensibilizou, prefiro a versão do Ciaran hinds impecável achei...

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