Graças a uma propaganda da Amazon.uk acabei chegando até a série Edward the Seventh (1975), da BBC. Não conhecia a série, nunca tinha ouvido falar dela, não iria comprar de cara, então fui atrás do torrent, baixei o episódio 1, me apaixonei e fui atrás do resto. Vejam bem, nunca tive nenhuma simpatia ou curiosidade maior por Eduardo VII, sucessor da Rainha Vitória, e a série em si não ajudou a melhorar minha opinião sobre ele... Mas, enfim, foi uma das melhores coisas que assisti este ano. A minissérie mais longa da BBC que eu já vi – tem 13 capítulos de 1 hora cada – e trata-se de uma superprodução com tudo que tem direito, inclusive um elenco brilhante. Por conta disso, precisava fazer a resenha aqui no Shoujo Café.
Edward VII foi baseada em uma biografia escrita por Philip Magnus em 1964. É preciso dizer que a série é tudo, menos didática, não é for dummies, por assim dizer. Eu gostei muito disso, foi algo que me fez assisti-la, mas, depois, refletindo, acabei me questionando se uma produção pode se dar esse direito. Explicando, se você não tiver um conhecimento profundo sobre o século XIX, a política internacional da época, a política inglesa da época e, mesmo, os detalhes dinásticos e familiares das monarquias européias, você vai ter que correr atrás da enciclopédia, ou abrir a Wikipedia várias vezes. Eu tive que fazer isso algumas vezes, mas considero isso estimulante e podia parar e retomar o vídeo. Enfim, Eduardo VII é complexo, tem nota altíssima no IMDB, mas não sei se a forma como conduziram a série é adequada para uma produção que visa alcançar o grande público. Sei lá, de repente, em 1975...
A série, como o nome sugere, acompanha a vida de Eduardo VII (1841-1910), o mais velho dos filhos homens e herdeiro da Rainha Vitória da Inglaterra. O primeiro episódio começa antes do nascimento do príncipe e acompanhamos ao longo dos episódios a infância e adolescência do menino, fortemente fiscalizado pelo pai que lhe impôs seu modelo “ideal” de educação; a juventude, quando Príncipe de Gales começa a testar suas asas; seu casamento; suas muitas amantes; seu gosto pelo luxo, pelas corridas de cavalo e jogos; e a forma como a Rainha Vitória deliberadamente o impediu de assumir qualquer responsabilidade de Estado enquanto viveu. Aliás, o seriado tenta fazer crer que toda a dissipação que marcou a vida do Príncipe de Gales foi fruto da repressão imposta pelo pai e da teimosia e ciúme da mãe. Não é surpresa, pois, se a série não é elogiosa em relação ao monarca, é, pelo menos, complacente. Por fim, temos o seu curto reinado, os conflitos e pendências que dariam origem à Primeira Grande Guerra e o esforço diplomático que rendeu a Eduardo VII a alcunha de “The Peace Maker”, o Pacificador.
Enfim, apesar de conseguirem me fazer sentir um pouco de pena de Eduardo VII, especialmente na infância e na adolescência, o melhor da série é a representação da relação entre o Príncipe Albert e a Rainha Vitória, aquele olhar crítico que faltou ao bonitinho A Jovem Rainha Vitória, por exemplo, está presente nessa série. No primeiro capítulo é muito estranho ver os quarentões Anette Crosbie e Robert Hardy como Vitória e Albert. Teria sido mais coerente, usarem atores mais jovens pelo menos nesse episódio, mas com o salto de quase dez anos, a coisa fica mais aceitável no segundo capítulo. De qualquer forma, os capítulos 1-4 são excelentes. Todo o processo de domesticação da Rainha Vitória, transformando-a em um ser tutelado e dependente do marido são muito bem mostradas. Todo o complexo de inferioridade de Albert – afinal, ele não era rei, era desprezado pelos políticos ingleses, e de uma nobreza de terceira classe – fica patente, assim como a inteligência e esforço do príncipe em ter ascendência sobre a esposa.
A paixão doentia e ciúme de Vitória (*inclusive levando-a a hostilizar os filhos*) pelo marido são bem caracterizados, assim como a dubiedade do príncipe em relação à esposa. Quando inquirido por seu irmão, o Duque Ernest, se amava a esposa, ele se recusa a responder. O seriado é muito fiel ao que li no livro We Two: Victoria and Albert: Rulers, Partners, Rivals, de Gillian Gill. De que o que chamamos de “Vitoriano” – a hipocrisia, a repressão sexual, a formalidade, etc. – deveria ser chamado de “Albertiano”, mas nem isso o príncipe conseguiu... A série é muito precisa em mostrar o quanto as múltiplas gravidezes de Vitória foram fundamentais para empurrá-la para a condição de domesticidade e submissão, o quanto Albert (*guiado por Stockmar*), insistiam em caracterizá-la como emocionalmente instável e o quanto Vitória odiava a maternidade e desprezava os filhos. Invenção? Não! Tudo está muito bem relatado em cartas familiares. Aliás, uma das passagens mais legais da série – e real – é a da retirada das milhares de cartas de Vicky de dentro do Império Alemão, pelo secretário de Eduardo, Frederick Ponsonby, quando a Imperatriz Viúva está para morrer. Mas, claro, muita gente acredita que é da natureza das mulheres desejar a maternidade, que é a sua realização. Não foi a da Rainha, ainda que ela própria ajudasse a perpetuar o mito. No primeiro capítulo, uma segunda gravidez detona o conflito entre os esposos. Mas, pelo menos, dessa vez foi um menino...
O segundo capítulo mostra o projeto educacional de Albert para os filhos e filhas: longas horas de estudo, trabalhos manuais, isolamento de outras crianças. Se a filha mais velha, Vicky (Victoria) saiu-se muito bem com os estudos, o jovem Eduardo não foi tão feliz. Na verdade, nenhum dos dois foi. Tanto pai, quanto mãe, lamentam que a inteligente e diligente Vicky não seja um homem. E o menino Eduardo lamentava o fato de a lei colocar os homens na frente das mulheres no caso da sucessão. Esses primeiros capítulos, carregados de discussões sobre papéis de gênero, para além da narrativa biográfica e da política, são fantásticos. O melhor material sobre Albert e Vitória que eu já vi. Mas a série não era sobre Vitória e Albert e o príncipe morre no capítulo 4, por conta do excesso de trabalho que se impõe... Só que Vitória culpa o filho mais velho, envolvido em seu primeiro escândalo sexual, pela doença do pai. Para Vitória, Albert morreu de desgosto, e ela culpará o filho até o fim de sua vida.
Anette Crosbie, magrelinha nos primeiros episódios não me aprecia Vitória, não fisicamente, mas convencia com sua interpretação, com o andar dos episódios, não sei o que fizeram, mas ela ficou fisicamente idêntica as imagens da Rainha. A melhor Vitória que eu já vi em tela. E uma das melhores tiradas – também naquela linha pouco didática que comentei – foi quando Lorde Palmerston, então primeiro ministro, critica a Rainha por usar anestesia em seu 8º parto, pois os teólogos e clérigos condenavam seu uso, que era pecado. Vitória retruca que quando eles pudessem parir, lhes daria ouvidos.
Outra coisa legal da minissérie é o casal ternura Vicky (Felicity Kendal) e Fritz (Michael Byrne). Em um dos planejamentos dinásticos do Príncipe Albert, a filha mais velha de Vitória, Vicky, casou-se com o futuro imperador germânico, Frederico III. O casamento foi por amor e feliz, para além dos padrões do século XIX, e os dois são pintados de forma bem terna na série, assim como em outra minissérie inglesa da época, Fall of Eagles (*um dia termino de assistir e resenho*). Só que o objetivo de Albert, que era auxiliar a unificação alemã e trazer o novo país para a esfera de alianças da Inglaterra, fracassou totalmente. Afinal, o pai de Fritz demorou muito a morrer, isolou o príncipe de tendências liberais de qualquer função política importante e no meio do caminho havia Bismarck. O Chanceler de Ferro aparece pouco, afinal, a série é sobre Eduardo VII, mas o filho de Vicky, futuro Guilherme II é personagem presente. Curiosamente, ele é pintado como um surtado, assim como o avô em Fall of Eagles. É a forma como os ingleses representam o Kaiser, já percebi... se bem que duvido que destoe muito do original. Já o Czar Nicolau, que aparece em alguns poucos episódios, é pintado como um idiota. Eduardo VII, desde a época de príncipe de Gales, percebe o movimento do sobrinho (Guilherme II) rumo a um conflito com a Inglaterra e a necessidade das reformas políticas e sociais na Rússia, mas ninguém o ouve mesmo... Enfim, queria uma série sobre Vicky e Fritz... queria muito, mesmo sabendo que seria muito triste...
Outra passagem interessante do seriado e, nesse caso, sutil demais, voltando à falta de didática da série, é o capítulo que foca no filho mais velho de Eduardo, Albert Victor. O jovem príncipe é uma figura muito controversa, para se ter uma idéia, ele foi arrolado, na ficção e fora dela, como o possível Jack o Estripador. Outra suspeita é de que o príncipe pudesse ser homossexual. Nada disso é tocado no seriado, só se faz questão em traçar uma oposição entre o arrogante e egoísta Albert Victor (um perfeito Charles Dance) e seu diligente e disciplinado irmão, o futuro George V (um lindíssimo Michael Osborne). O fato é que Albert Victor foge do casamento e me pareceu que quando ele tenta casar com a princesa Hélène d'Orléans, católica e que, pela lei inglesa, precisaria se converter ao protestantismo, é uma cortina de fumaça. Ele sabe que não vai dar certo. Por fim, quando o príncipe morre, e sua noiva então, Mary of Teck, acaba casando com seu irmão George. Uma das coisas bem retratadas na série é o esforço de Eduardo em não excluir os filhos dos assuntos de Estado. Em determinado momento, ele diz que não quer repetir o erro de sua mãe. Já o futuro Rei George lembrava do pai muito mais como um amigo do que como pai no sentido da época.
Outras boas interpretações são as de Shirley Steedman, como a Pincesa Alice, a segunda filha da Rainha Vitória e mãe da última czarina da Rússia. Alice tem um papel de destaque quando da morte do Príncipe Albert e é pintada como disciplinada e obediente, como o pai. Aliás, tão obediente que se casa com o marido que o pai escolhera, entrando em um casamento não muito feliz. Um dos furos da série é desaparecerem com Alice – assim como com outras filhas e filhos de Vitória – sem maiores explicações. Poderiam ter citado en passant a sua morte, mas não fizeram. Outra interpretação excelente é a de Jane Lapotaire como a Imperatriz Maria Feodorovna da Rússia ou Minnie, irmã de Alexandra (Alix), esposa de Eduardo VII. Como ela aparece mais como adulta, a atriz que a interpretou como adolescente pouco atuou, mas foi importante mudarem as atrizes. Isso não foi feito com outras personagens, como Guilherme II – o kaiser – e o resultado não foi muito bom. A parceria entre Minnie e Alix foi muito bem representada.
Já Alexandra foi interpretada por Deborah Grant, quando adolescente e recém-casada, e, depois, por Helen Ryan. Deborah Grant estava ótima como a princesa tomboy (*ela praticava ginástica e natação, era excelente cavaleira, e por aí vai*) que surpreende a Rainha Vitória e que sofre ao ser enquadrada pela sogra em seu papel de princesa de Gales e de mãe e esposa “domesticada”. O sofrimento de Alix ao longo da série ocorre em vários níveis. O mais sério, talvez, é o progressivo abandono por parte do marido, agravado pela sua surdez congênita que a incapacita. O segundo é a ingerência da Rainha Vitória na vida do casal. O terceiro é seu extremo nacionalismo que se vê ferido pelo avanço da Alemanha em seu processo de unificação sobre territórios dinamarqueses. O sentimento anti-germânico de Alixa vem a tona em vários momentos da série e isso gera problemas familiares, já que tanto Vicky quanto Alice estão casadas com príncipes alemães.
Enfim, falei pouco do próprio Eduardo, porque o entorno dele me aprece bem mais interessante. Para quem gosta de séries históricas com reconstituição de época quase impecável, Edward the Seventh é excelente. Para quem gosta de discussões sobre papéis de gênero, o seriado também é um prato cheio. Também é importante a forma como a série mostra que o parlamentarismo inglês não era “o rei reina, mas não governa”, que adora repetir no Brasil e que a Rainha Vitória tinha, sim, papel político importante e exercia a sua influência, inclusive impedindo o filho de ter qualquer papel público relevante. Já a crítica ao caráter pouco didático da série prevalece, pois pode afastar alguns. Também a escalação do elenco, com o envelhecimento ou rejuvenescimento de alguns atores e atrizes, também deixa um pouco a desejar. De resto, o seriado apesar de simpático em relação a Eduardo, não o livra de suas múltiplas culpas. Já li uma crítica dizendo que representaram poucas de suas amantes na série. Bem, cinco delas tem nome e papel relevante ao longo dos 13 episódios e outras são sugeridas. Tente imaginar se quisessem representar as supostas mais de cinqüenta amantes do sujeito? É isso! Recomendo a série. E, para quem quiser, aqui há uma boa resenha em inglês.
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