domingo, 6 de novembro de 2011

Comentando a Enciclopédia dos Quadrinhos



Antes que você comece, aviso que o meu olhar sobre este livro é absolutamente feminista e o meu foco será bem direcionado. Está ciente? Pode continuar se quiser. Ontem passei na Livraria Cultura e comprei a Enciclopédia dos Quadrinhos de Goida (pseudônimo de Hiron Cardoso Goidanich) e André Kleinert. Com mais de 500 páginas, alguns artigos, verbetes de tamanhos diversos e muitas ilustrações é um excelente material de referência se você quer alguma informação sobre quadrinistas norte americanos, europeus e brasileiros do sexo masculino. Sim, porque você encontra até os sujeitos mais obscuros no livro, felizmente, há um verbete para Erica Awano, mas não encontrei nenhum para o Studio Seasons ou suas artistas, ou para a importante pioneira Nair de Tefé. Mas voltarei à questão da omissão das mulheres artistas mais adiante. O livro também traz verbetes sobre personalidades importantes do mundo dos quadrinhos e estudiosos da área, mas o forte são os quadrinistas.

O livro é da L&PM e trata-se de uma expansão. Acredito que para incluir principalmente autores de mangá que não podiam ser ignorados na segunda década do século XXI. Aliás, um dos critérios para que eu comprasse foi exatamente isso. Contempla os autores de mangá? A resposta é sim, no entanto, o livro é muito limitado nesse aspecto, pois temos o básico Osamu Tezuka, Shotaro Ishinomori, Akira Toriyama, Hayao Miyazaki, Takehiko Inoue (*chamado erroneamente de INOVE*), e poucos outros, como o autor de Golgo 13 estão listados. Nesse aspecto o livro é muito pobre, especialmente dada a penetração do mangá no Ocidente e a forma como o guia contempla autores americanos, europeus, e brasileiros de pouca repercussão. Deveria haver um equilíbrio maior na obra, afinal, da sua edição original em 1990 para cá, muita coisa aconteceu. A própria apresentação da obra fala disso, mas o resultado ficou aquém do que eu esperava. Mas vamos ao ponto que mais me chamou a atenção: as mulheres.

Eu folheei o material em busca de alguns nomes-chave: Riyoko Ikeda e Hagio Moto (*nem com homenagem no ComiCon, ela entrou*), Yuu Watase, Natsuki Takaya (*dada a importância de Fruits Basket nos EUA, especialmente*), CLAMP, Naoko Takeuchi (*É possível ignorar o impacto de Sailor Moon no Ocidente? Descobri que é, sim!*)... ninguém! Eu pensei cá com os meus botões, se não tiver pelo menos Rumiko Takahashi, não levo, porque o desaforo é muito grande. Sim, Takahashi está lá, em verbete muito curto é apresentada como a mais popular das mangá-kas. Pergunto-me de procede, mas vá lá... Depois diz que Maison Ikkoku foi chamado no Ocidente de "Juliette, je t'aime". Na França, sim, mas não em todo o Ocidente e mesmo a capa francesa traz bem grande Maison Ikkoku e como subtítulo o nome que foi dado ao anime, que veio antes do mangá. Já nos EUA, o nome sempre foi Maison Ikkoku mesmo. Dito isso, se você quer informação sobre mulheres mangá-ka, se isso for fundamental para você, pode esquecer da Enciclopédia. E, se você não fala das mulheres quadrinistas, é como se elas não existissem, um livro de referência não pode ajudar a manter esse silêncio ensurdecedor, não acham? Pois é...

Se o assunto é quadrinistas americanas e especialistas em quadrinhos de lá, temos mais citações. Tropecei logo de cara com Dale Messick. Fui atrás de Alison Bechdel e Trina Robbins e elas estavam lá. Mas não vi, por exemplo, a pioneira Rose O'Neill, Tarpe Mills, Ruth Atkinson ou mesmo Colleen Doran. Muito injusto, eu diria. A injustiça, a meu ver está em incluir, por exemplo, uma quadrinista francesa que só teve um álbum publicado no Brasil, Hélène Bruller (*Eu quero um Príncipe Encantado, Editora Conrad*), e esquecer de artistas americanas de grande projeção, sem falar nas japonesas, e em gente nossa – o citado Studio Seasons – que teve trabalhos publicados aqui e no exterior. A omissão é muito séria. O mesmo vale para a mais renomada caricaturista brasileira, Nair de Tefé. Até imaginei que caricatura e charge não fosse contemplada, porque a ênfase era quadrinhos, mas J. Carlos, um dos grandes expoentes da charge e caricatura nacional de todos os tempos, está no livro. E então? Qual o problema com a Nair de Tefé? Procurei até pelo pseudônimo "Ryan" (*vai que a colocaram assim*) e nada! Sonia Bybe Luyten, que eu tive o prazer de ouvir e conhecer em Recife, em julho, tem verbete no livro. Das européias (*ou nem tanto*) que eu gosto muito, temos Marjane Satrapi, já Marguerite Abouet (Aya de Yopougon, da mesma L&PM que publica a Enciclopédia*) não é citada. Se o critério é álbum lançado no Brasil, ela merecia tanto quanto a Hélène Bruller, mais até pelo impacto de Aya no Brasil e no exterior.

Enfim, com todas essas (*grandes*) restrições, eu recomendo o livro. Está em promoção na Cultura, custa dez reais a menos, mas vi que na Saraiva está ainda mais em conta. É um trabalho de fôlego, bem encadernado, bem ilustrado e tudo mais que um livro precisa ler. Salvo o nome grafado errado do autor de Vagabond, não vi nada que não estivesse OK em termos de revisão de texto. A parte de mangá é fraca no geral e os critérios de inclusão são questionáveis. Relevância no Ocidente? Ter saído no Brasil? Não dá para saber mesmo. De resto, é lamentável que uma obra de referência continue sendo tão injusta com as mulheres. Mas é algo inconsciente, nem é culpa dos autores, eles só ecoam o tal "silêncio ensurdecedor" que citei. Livros assim vêm para confirmar a regra de que as mulheres nos quadrinhos – desenhistas, chargistas, ilustradoras, roteiristas – são elemento minoritário, e ao invisibilizar nomes de peso, daqui e de fora, o objetivo é deixar ainda mais evidente para o leitor comum. Pena! Será que será necessário lançarem uma Enciclopédia dos Quadrinhos feitos por Mulheres no estilo do Dicionário das Mulheres do Brasil para que possamos sair da sombra? De repente, é o caminho. Se quiserem assistir ao depoimento do Goida, um dos autores da obra, clique aqui (*Agradeço ao Koppe pelo link*).

6 pessoas comentaram:

De repente, Valéria, este é um trabalho que você deveria realizar: um livro falando sobre as mulheres quadrinistas. Eu sou o primeiro a apoiar! =)

A idéia de cutucar a editora sobre um livro somente sobre autoras não deixa de ser interesssante.
Até como forma de mostar que o povo percebeu essa falha no material publicado

Concordo com o que diz o Diego, Valéria. Você é a mulher indicada para isso!

Concordo com os três comentários anteriores :-)

Também acho que você tem conhecimentos o suficiente para publicar um livro. eu compraria certamente!

O livro é cheio de falhas... desde todas apontadas por você e vários erros em biografias de autores nacionais, como por exemplo Flávio Luiz, o mais premiado quadrinista baiano, que é citado como se não tivesse feito nada de importante... E nos últimos anos com dois lançamentos nacionais e premiados no HQ Mix, com o Aú e O Cabra.

Se estão errando nos artistas daqui, como esperar que acertem os artistas de fora?

Várias grandes artistas mulheres ficaram de fora... E esse livro está longe de ser recomendado... E acho que a revisão do autor foi só no sentido mangá mesmo e com muita preguiça!! Lamentável!

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