domingo, 9 de outubro de 2011

O caso Candy Candy ou reflexões sobre a injustiça em relação a uma roteirista



Faz uns quinze dias que estava com vontade de escrever sobre Kyoko Mizuki, ou, mais especificamente, como é fácil para os fãs de mangá esquecerem que nem sempre sua série favorita é obra de uma pessoa só. Um caso muito querido para mim é Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ), produzido não somente por Chiho Saito, mas por um coletivo com o nome de Be Papas. Quem conhece a obra de Saito percebe de cara que Utena tem muito dela, mas não se encaixa perfeitamente no trabalho padrão da autora. É algo um pouco diferente, ou muito diferente, por assim dizer. Só que, na maioria dos casos, um mangá é feito por um artista completo que é roteirista e desenhista, auxiliado (*ou não*) por assistentes. A gente se acostuma com isso e esquece que nem sempre uma obra de muito sucesso é feita por uma pessoa só. Candy Candy (キャンディ・キャンディ) talvez seja o caso mais famoso e mais escandaloso.

Voltando à Kyoko Mizuki, eu traduzi a entrevista com Yumiko Igarashi feita para o site francês Manga News. Lá, Igarashi diz que foi responsável junto com seu editor por tudo em Candy Candy, das primeiras idéias, passando pelo roteiro e a arte, claro! Eu fiquei chocada, afinal, Candy Candy está em litígio faz vários anos com a roteirista Kyoko Mizuki lutando para receber de Igarashi, da Toei e da Kodansha a sua parte nos lucros de um dos animes e mangás mais lucrativos da história. A gosta d’água veio com a postagem no excelente Tumblr Feh Yes Vintage Manga de imagens de mangás shoujo yuri clássicos. Bem, lá estava Paros no Ken (パロスの剣), uma das minhas séries favoritas, mas Kaoru Kurimoto não foi creditada... Sei que não foi de propósito, mas o Reino de Paros é criação de Kurimoto, de novo, Igarashi emprestou principalmente seu traço para uma história que foi escrita por outra pessoa. Kurimoto está morta, vai que cismam de esquecer que este excelente shoujo mangá é dela? É o tipo de injustiça inaceitável.

Eu nunca tinha parado para pesquisar a vida de Kyoko Mizuki mas acabei entrando no verbete da Wikipedia dedicado a ela e fiquei embasbacada. Primeiro, ela nasceu em 1949 e poderia por seu currículo ter sido incluída entre as autoras do “Grupo de 24 (*da Era Showa*) que comentamos no último Shoujocast. Afinal, ela produziu obras de grande importância, trabalhou com autoras de peso como Aoike Yasuko, Waki Yamato e a citada Yumiko Igarashi. Curiosamente, ela utilizou vários nomes literários ao longo de sua profícua carreira: Keiko Nagita, Ayako Kazu, Akane Kouda e Kyoko Mizuki. Se tivesse usado um nome só, talvez fosse mais fácil para que lembrássemos dela da forma adequada. Ganhou seu primeiro prêmio literário ainda adolescente e dividiu o Kodansha Award de 1977 como Yumiko Igarashi por Candy Candy. É autora de romances, poesias, roteirista de muitos mangás, etc. Uma carreira que começou, como a de tantas mulheres de sua geração no shoujo mangá, em 1968. Me pergunto como as coisas chegaram ao ponto dela ter sido esquecida como autora de Candy Candy? É tão injusto que fica difícil aceitar. Fora, claro, a cara de pau de Igarashi cujas obras mais importantes sempre foram feitas junto com uma roteirista, caso de Candy Candy, Paros no Ken e Georgie! (ジョージィ!).

Acredito que por conta do desgosto, Mizuki ficou 18 anos sem roteirizar mangás. Ela retornou com o mangá Lorellei (ローレライ) com arte da mangá-ka Kaya Tachibana. Enfim, para quem lê inglês, há vários extratos de entrevistas de Mizuki falando do caso Candy Candy, do prejuízo que isso representa para ela em termos financeiros, do desgaste emocional, e, claro, que ela não vai recuar, afinal, é uma injustiça sem tamanho com ela e com os roteiristas em geral. E eis o ponto, ainda que esqueçamos muitas vezes da importância de um roteirista, nenhuma história se torna inesquecível, grandiosa, sem um bom roteiro. Invisibilizar um trabalho tão importante e fundamental, é criminoso. Da mesma maneira que Igarashi mente em suas entrevistas, mentiu na cara dura no tribunal e olha que o nome de Mizuki vem creditado na capa do mangá! E eu gostaria muito que Mizuki fosse compensada por esses anos de perdas. Como fã de Candy Candy queria muito que o anime e o mangá fossem relançados, queria poder ter uma edição oficial (*não as piratarias que saem volta e meia*) na minha coleção, mas não às custas de aceitar que Mizuki seja privada dos frutos do seu trabalho. E algo que dói muito é ver uma mulher fazendo isso com outra, quando historicamente as mulheres vêm sendo invisibilizadas e privadas do reconhecimento das suas capacidades e reconhecimento pelas suas obras. É isso.

5 pessoas comentaram:

Não é problema de gênero. É problema de mau caratismo, e sinceramente, mau caratismo existe em todos os sexos, credos e lugares.

Nossa não sabia que o caso era tão pesado. É uma pena essa situação, quem mais perde com isso são os fãs.

Eu não sabia desse caso da Candy Candy, agora a desenhista perdeu meu respeito. Se tem uma coisa que muita gente esquece em mangás é o roteirista, o povo vai pelo traço e acha que é o desenhista quem faz tudo, mas nem sempre. A gente tem que valorizar tento o desenhista quanto o roteirista, não é fácil desenhar E escrever uma boa história.
Achei uma verdadeira falta de respeito com o trabalho dessa roteirista e espero que justiça seja feita.

Com os creditos impressos no mangá e ainda assim tem que lutar tanto pra conseguir pelo que fez?!

Umh, espero que ela não acabe ganhando um reconhecimento póstumo...

Mau caratismo e cara de pau a toda prova! Não só da Igarashi, mas da editora e todos os seus responsáveis, que corroboram esse roubo.

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