sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre Casamento Gay nos Quadrinhos Americanos e o Backlash na TV Brasileira



Semana passada aconteceu o (espetacular) San Diego Comicon e muita coisa boa aconteceu no evento, além das notícias interessantes que foram dadas lá. Segundo li no site ICV, a personagem Kevin Keller, que faz parte do universo da Archie Comics, vai casar. O detalhe é que a personagem é homossexual e talvez a história tenha sido pensada aproveitando o embalo da aprovação do casamento gay em Nova York. A notícia circulou no “Gays in Comics Panel”, ou seja, uma mesa de discussão sobre os homossexuais nos quadrinhos, que rolou na San Diego Comicon na semana passada. Entre tantas outras extremamente interessantes que aconteceram no SDC. (*Um dos meus sonhos é poder ir ao San Diego Comicon... Quem sabe um dia?*)

Enfim, eu não me interesso pelo mundo de Archie e suas personagens, nunca li nenhuma das revistas (*embora adorasse o desenho de Josie e as Gatinhas*), mas a questão da inclusão é algo que me toca, isto é, a forma como as ditas minorias são trabalhadas e apresentadas, foa isso, sei que o público alvo desses quadrinhos, desde a sua criação no início da década de 1940, são as meninas. Pois bem, a personagem Kevin Keller é um sucesso, participa das histórias de forma recorrente e já teve sua própria minissérie. Muito diferente do que parece ter ocorrido com a personagem Caio, de Maurício de Sousa, uma personagem que aparece muito esporadicamente e que despertou as críticas daqueles que acreditam que o material é infantil (*apesar da Turma da Tina ser voltada para o que nos EUA chamaríamos de "jovens adultos"*) e que um homossexual não deveria ser inserido em um gibi ligadoao mundo da Turma da Mônica. Vocês sabem como é, trata-se de um mal exemplo...

Segundo o ICV, apesar da polêmica em relação ao casamento gay nos EUA, os editores parecem não temer que a situação seja mal recebida pelas leitoras e leitores. Muito pelo contrário! O texto diz que boa parte dos jovens entrevistados sobre a questão são favoráveis à extensão dos mesmos direitos dos casais hetero aos gays, além disso, o público feminino, em particular, é muito receptivo às relações homoafetivas na ficção. E a matéria cita o sucesso dos mangás yaoi, que mostram relacionamentos entre personagens gays, muito populares no Japão e nos Estados Unidos. Bingo! Pelo menos alguém descobriu e pretende investir (*se com qualidade, ou se com sucesso, não sabemos ainda*), naquilo que as meninas e mulheres querem ler. Muito, muito relevante isso, já que há editoras que fecham seus olhos ou torcem (*veladamente*) para que as leitoras parem de comprar quadrinhos...

Agora, outro motivo para ter postado essa notinha, é a minha raiva com o backlash (*retrocesso*) que vem se instalando na TV aberta brasileira. Bem, quando o Supremo decidiu que os homossexuais têm direito a legalizar as suas uniões estáveis, tanto o SBT, quanto a Globo, decidiram censurar suas tramas e personagens gays nas novelas Insensato Coração (*da qual eu nunca assisti mais que míseras cenas*) e Amor & Revolução (1-2). No caso do SBT, a desculpa para podar o beijo gay masculino, porque, afinal, dois homens se beijando não parece ser fetiche (masculino) “nacional”, é a rejeição do público e a baixa audiência. Afinal, novela – e nisso eu concordo – é produto e precisa se vender. Agora, é produto para quem? Curiosamente, a única novela que meus pais, ambos religiosos e com mais de 60 anos assistem, é Amor & Revolução, e eles nunca reclamaram desse aspecto, mesmo bombardeados intensamente pela propaganda homofóbica evangélica. Já meu irmão mais jovem é quem mais aversão mostra por qualquer trama que envolva homossexuais. Para ele, a simples presença do homossexual é uma agressão aos seus "valores morais". Tristemente, aqui em nosso país pelo menos, são os mais jovens os que parecem abraçar as ideologias retrógradas e que buscam cercear os direitos de expressão e cidadania das minorias.

Voltando ao SBT, asseguro que a mim, claro, ninguém perguntou nada e se perguntassem eu diria que os problemas da trama são outros, que eu apontei lá na minha análise do primeiro capítulo... Pois bem, para piorar ainda cortaram – assim, sem explicação alguma – os depoimentos do final de Amor & Revolução. Ou seja, tiraram da trama aquilo que era mais relevante. Segundo uma das roteiristas, que deu entrevista para a Revista Fórum, o SBT não queria que a novela ficasse “parcial”, já que gente de direita, gente que apoiou o golpe (*e a tortura*), raramente quer mostrar a cara. Será que devo aplaudir o Bolsonaro e o Jarbas Passarinho pela sinceridade? Enfim, não acho que o corte no beijo gay masculino (*enquanto isso as lésbicas da novela são absurdamente agressivas e chatas em relação aos seus interesses amorosos*) vá salvar a baixa audiência da novela. E é estranho desejarem que uma novela das dez, que não tem horário para ir ao ar, e está em uma TV que é a terceira na audiência fosse bombar no IBOPE, que, para piorar, é controlado pela Globo...

Já na novela da Globo, parece que a censura às discussões sobre a homofobia estão sendo feitas de forma mais agressiva e gratuita. Beijo gay – e parece que o elenco gay da novela é todo masculino, já que a personagem da Juma Marruá morreu – sabíamos que não iria rolar, mas mesmo os diálogos estão incomodando, vem sendo sistematicamente cortadas, e regravadas. Quem comenta em detalhes é a Folha de São Paulo. E essa censura acontece exatamente quando a novela subiu na audiência... Ou seja, qual é a desculpa? A Globo quer atrair, nessa altura do campeonato, o apoio de lideranças homofóbicas? Quer que pastores recomendem sua novela do púlpito? Não dá para engolir... Dito isso, acredito que a situação no Brasil vai de mal a pior e a TV é complacente e conivente com a onda homofóbica. Nada da coragem, ainda que economicamente direcionada, da Archie Comics, só para lembrar do primeiro exemplo.

E eu termino comentando dois casos. O primeiro, vocês devem conhecer, que á o do pai que no interior de São Paulo foi abordado por um grupo de pitboys e agredido por estar abraçando o próprio filho adolescente. Sabe, dois homens que se abraçam são gays e isso dá direito a que qualquer um – homens geralmente – te aborde e agrida. Meu pai e alguns de meus tios sempre foram carinhosos em público com filhos e sobrinhos, beijando e abraçando. É assim até hoje. Será que meu pai e meu irmão correm risco nas ruas desse Brasil? Em São Paulo, o homem terminou sem parte da sua orelha. Na mesma semana, para fechar a fatura, meu marido foi alvo de homofobia. E o caso também foi no Estado de São Paulo – mas, talvez, pudesse acontecer em qualquer lugar. Meu marido comprou uma bolsa, dessas coisas chinesas, com desenhos de meninas esguias. Uma bolsa bonita, ele gosta de coisas bonitas, de desenhos bonitos. Na Rodoviária do Tietê o sujeito da empresa de ônibus responsável por acomodar a bagagem, o abordou com uma piada, assim, gratuitamente, porque ele – um homem adulto – estava com uma bolsa bonita e colorida. Meu marido não se aborreceu por ser indiretamente percebido como um homossexual, mas pelo abuso, gratuidade do ato e a violência. Mas suponhamos se ele fosse estourado? Poderíamos terminar com uma tragédia...

Eu precisava escrever esse post. Não sabia por onde começar, mas o caso do Archie Comics me deu um espaço. Eu estou indignada com a homofobia crescente em nosso país, que aponta para uma corrosão do nosso (frágil) Estado Laico e o potencial de violência. Queria muito não precisar escrever uma linha sobre o assunto, mas estava entalada. Infelizmente, infelizmente mesmo, parece que homofobia vai continuar não sendo crime neste país. E, pior, o Governo recua cada vez mais. Viram o caso da Noruega? Dar espaço aos extremistas dá nisso. E o que eu percebo são discursos extremistas religiosos ganhando cada vez mais espaço e os setores que deveriam ser de vanguarda se acovardando ou fechando os olhos para isso. Triste, triste situação a nossa...

7 pessoas comentaram:

Arrasou Valéria. Texto excelente. As HQs estão mudando bastante e já temos mais de um casal gay nelas. Um bom exemplo é x-men. Mas engraçado, há uma preocupação com o público gay, mas ainda não há uma preocupação com o público feminino quando esses dois caminhos deveriam estar andando juntos...
E sobre a TV aberta, que coisa broxante hein? Amor & revolução deixou toda a revolução de lado (triste isso) e a novela da Globo, pelo menos, não abandonou o discurso anti-homofobia, mas cortou as cenas do casal gay. Já pensei seriamente em parar de ver qualquer novela, já que não me sinto representado com dignidade.
Quanto a violência na cidade, hoje é algo que infelizmente eu tenho medo e SP deixou muito de ser a cidade convidativa para LGBT que eu imaginava. E não digo pelos boatos, mas por experiência própria. Uma pena.

Ótimo, ótimo post!... Falou tudo o que eu estive pensando recentemente. O Kevin é uma prova de que o movimento gay americano tem uma identidade muito mais forte, já que até teve uma mesa de discussão sobre homossexuais nas HQs durante a Comic-con - e eu nem sabia disso, ninguém se interessou em divulgar? - por lá um personagem desse recebe apoio, e eu sei que o movimento de comics gays é até considerável por lá, vide a Class Comics por exemplo. Já aqui a coisa é decepcionante. Existe um público queer nerd mas infelizmente a produção de Hqs para gays - bara, por exemplo - é muito desconsiderada. Engraçado que editoras enchem a bola pra falar que Milo Manara e outros artistas dos quadirnhos eróticos héteros são gênios, verdadeiros artistas, e HQs gays são a mais baixa das pornografias e que ninguém se arrisca a publicar. E sobre o Caio, creio eu que me decepcionei bastante com o fato de que ele aparece como sendo um dos MELHORES amigos da Tina, mas que sequer aparece nos quadrinhos, não tem histórias individuais, quase nada...
Eu não vejo novela, mas fiquei sabendo por alto de que até vão matar os personagens gays. O que seria o casal (o jovem e o professor) e mais dois, para supostamente dar lição sobre homofobia. Ou seja, casal gay com final feliz na TV pelo visto é nunca... Tá, teve a novela TiTiTi, mas é inegável o fato de que está havendo um backlash filho da puta. Eu não estou muito contente com isso também, até porque não consigo enxerga coerência diante dessas atitudes num país que gosta de se impor como moderno, bem desenvolvido, perante outros onde os direitos homossexuais estão bem mais avançados que aqui. Vejamos quantas orelhas terão de ser decepadas ou gente levando lâmpada na cara para que façam de fato alguma coisa.
E por mais que isso soe meio dramático, estou sendo sincero: eu tinha esperanças, mas cada vez mais vejo que moro não em um país, mas num circo. Triste são os gays que acham que não precisa protestar, que acredita na ladainha que tem todos os direitos já assegurados. CAda vez mais percebo que a guerra só começou...

Valéria, o pior é que o pessoal jovem não enxerga o backlash! Quando converso com amigos sobre o assunto, até com os mais moderninhos, todos acham que a situação é oposta, que tudo está moderno em demasia - como se achar que tudo está moderno demais não fosse uma clara demonstração de conservadorismo.

Ademais, quando tento defender os direitos dos homessexuais, sou taxada de politicamente correta e feminista chata. haha Eles acham que o grande problema é que os gays querem obrigar a todos a gostarem deles.

O mais engraçado é que detesto ouvir esses comentários, mas sou obrigada a respeitá-los, mas os que fazem se sentem ofendidos e coagidos se alguém sequer sugerir que eles sejam obrigados a respeitar algo que eles considerem diferente.

Eu desisti da Tv Brasileira a muito tempo, o maximo é o jornal, para estar bem informado das desgraças. O que ahco amsi enrgaçado que aqui a discução é pelo "beijo gay" na tv, imagina então cenas com dois homens na cama..lá por 2151 hauahua, enquanto isso outros paises já têm pelo menos um personagem homossexual por série e isto inclue as "teens"; sem falar que alguns canais que afzem sito são do governo(ex: Chanel4).

Valéria, pra mim já era decepcionante há muito tempo. Por que eu nasci nessa geração (eu só tenho 19 anos,caramba!) e eu não consigo me reconhecer nela...
É um saco isso. Durante as eleições discutir sobre aborto como se fosse a coisa mais absurda do mundo ("Clinicas especializadas?Não, claro que não. Deixe as mulheres morrerem de hemorragia/infecção ou coisa pior, quem mandou ter filho?")
Pra mim o discurso é o mesmo. Não faz o menor sentido.
Eu não estou ficando louca, tem algo muito, muito, mas muito errado com esse país.
As pesoas estão cada dia mais violentas, no meu ensino médio (isso faz dois anos) houve uma semana inteira de briga no colégio, briga mesmo, dava a hora do intervalo "pam", hora da briga.
O mais louco de tudo são as pessoas se aglomerando em volta, como se aquilo fosse algum espetaculo engraçado.
E os gays? No meu colégio, há dois anos existia um (imagine só o unico gay do colégio inteiro), agora segundo a minha irmã, tem pelo menos oito garotos(sem contar as lesbicas).
Eles simplesmente brotaram do chão?
Claro que não. Eles já fazem parte da nossa sociedade há muito tempo (por isso a homofobia é tão estupida). Já está passando da hora de reconhecê-los e respeita-los.

Sinceramente eu me decepciono cada vez mais com a tv aberta brasileira, que pra mim só quer passar a imagem do homossexual como um piadista e as vezes até mesmo destacam o personagem como promiscuo como já vi várias vezes...
Mas o que mais me decepciona realmente é a nossa realidade. Sua postagem esta perfeito me identifiquei em vários trechos e como seu marido já sofri muitos casos de discriminação aqui na cidade de São Paulo de pessoas que deveriam esta prestando um serviço publico... Certa vez fui até ridicularizado em um posto policial com mais dois colegas por pedir ajuda, pois estávamos sendo perseguido na avenida paulista por um grupo de Skin Heads.

Esta realidade é inaceitável e o pior é que não podemos contar nem mesmo com a mídia, que deveria tentar abrir os olhos das pessoas e não censurar o que precisa ser escancarado...

Só vi seu post agora e ele foi excelente.

O começo dele me lembrou uma discussão num famoso site brasileiro de entretenimento sobre o novo Homem-Aranha. Ele é latino, negro e pode ser gay [O desenhista deu a entender isso]. Não sei como foi a recepção disso nos Estados Unidos, mas espero que tenha sido boa, os negros e latinos estão cada vez mais ganhando espaço na sociedade lá, e os gays também, pelo que percebo na produção midíatica.

Aqui o que ocorreu foi uma demonstração horrível de homofobia [também de racismo, o que me leva a pensar que a baixa presença de super-heróis negros seja porque as pessoas não conseguem aceitar negros como heróis... mas espero que isso mude, e com atores negros americanos novos, como Idris Elba e Jamie Foxx mostrando interesses em interpretar heróis negros no cinema isso mude pra melhor. Mas estou divagando]. Os fãs nacionais gritaram, espernearam dizendo basicamente que o grande herói da infância deles não podia ser gay. Que essa "onda de politicamente correto" está estragando até os gibis preferidos deles. Eu sempre fui muito pé atrás com esse pessoal que se encastela debaixo da crítica ao tal do "politicamente correto" [porque defender a representatividade de minorias e das mulheres é ser 'politicamente correto'], e agora isso me preocupa muito. Quero muito que as coisas mudem, mas ainda há muita resistência [ou nem tanto, vai ver apenas esses grupos estão gritando mais alto]. Queria que as emissoras fossem mais corajosas, que não sumissem com os gays em suas histórias, que não cortassem seus beijos e suas demonstrações de afeto. Queria que dessem mais espaço a mulheres e negros em papeis importantes e de liderança na realidade retratada ali.

E também queria que esses discursos que se esforçam em emudecer a voz das minorias se tornasse cada vez mais coisa do passado, e que gente como aquele Norueguês só existissem no delírio mais cruel da ficção.

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