Quinta-feira terminei re ler a edição americana de Otoyomegatari (乙嫁語り) ou A Bride’s Story, de Kaoru Mori. Mas vamos ao resumo: Rota da Seda, século XIX, Amira vai ao encontro do noivo, Karluk. A moça, que já estava passando da idade de casamento, é tudo que um homem pode desejar: linda, prendada, perita na caça e na montaria, e de excelente humor e caráter. Só que o noivo, que faz parte de um clã que pratica a ultimogenitura, só tem 12 anos, e é ainda em muitos aspectos uma criança. Por conta disso, apesar de bem acolhida pela nova família, a posição de Amira é precária, pois enquanto não conceber uma criança, ela pode ser levada de volta por seu clã... E, de fato, eles decidem que a querem de volta!
A primeira coisa importante é pontuar a qualidade da edição. Quando vi o preço que a Yen Press estava cobrando pelo volume – U$16.99 – achei muito caro, mas decidi arriscar. Enfim, capa dura, papel muito similar ao japonês e uma belíssima sobrecapa... Problema é que eu detesto sobrecapa, porque elas dificultam a manipulação do mangá e podem se estragar... E quando ela é ilustrada por Kaoru Mori, melhor não arriscar. A sobrecapa foi para o armário por precaução. Em Otoyomegatari, Kaoru Mori está desenhando muito melhor do que em Emma, e isso significa que cada quadro é um deleite para os olhos, cada cena é tão detalhista que não é de espantar que ela precisa publicar um capítulo a cada dois meses. Aliás, essa é a periodicidade da Fellows.
Kaoru Mori – e os freetalks são fundamentais para entender isso, mas não estão sendo traduzidos nas scanlations – é apaixonada pelos povos nômades da Rota da Seda, por cavalos e pelos seus hábitos e costumes. Por conta disso, eu chamaria Otoyomegatari de “mangá etnográfico” e tenho medo que a autora se esqueça de contar a história de Karluk e Amira para falar dos hábitos e costumes, travando o desenvolvimento da narrativa. Enfim, já no volume #1, o que li, temos um capítulo inteiro sobre a arte de entalhar madeira, mas, que fique bem claro, ele serve para apresentar as personagens coadjuvantes e o faz de forma muito sensível e visualmente espetacular.
Falando em personagens, Mori é especialista em criar personagens adoráveis. Amira – e a autora mesmo diz que esse era seu objetivo – é alguém de quem gostamos desde o primeiro momento. Ela é franca e sempre busca ser agradável, além de inteligente e destemida, e, por isso mesmo, se torna indispensável para a família do noivo. Karluk é um menino cheio de vida que se encontra na situação confusa de marido de alguém tão fascinante. Curioso é ver como o menino cresce aos olhos de Amira no segundo volume ao se arriscar para impedir que ela seja levada, pois só então, nas palavras da matriarca da família, ela passa a “se ver como noiva de alguém”.
Aliás, a velhinha é a melhor personagem coadjuvante para mim até agora. Ela tem aquela aparência absolutamente enrugada e atarracada das velhinhas de mangá, pois parece que é obrigatório toda velhinha ou velhinho encolherem. Pense na avó da Shampoo e em Raposai. Só que ela é respeitada e tem um desempenho espetacular no primeiro volume ao pegar um arco e flecha e mostrar que Amira só vai embora por cima do seu cadáver. Ela também é sábia para interpretar sentimentos, atitudes e sintomas. Uma personagem das mais ricas, e apesar de não ter lá tantas falas assim, cada intervenção sua é um presente.
Eu só lamento a pouca idade de Karluk. O menino não parece em nada um marido. Filho, irmão mais novo... Marido? Nunca! Mori tem uma série de fetiches (*maids, apertar o rabo de mulheres vestidas de coelhinhas, cavalos, etc.*), ela os confessa sem problema em seus freetalks, mas a diferença de oito anos entre Amira e seu marido é muita coisa, especialmente porque o menino é uma criança. Embora seja curioso ver a inversão, já que normalmente temos um homem mais velho e uma esposa-criança, as possibilidades de romance – e Mori não me parece especialista nisso – são limitadas.
No primeiro volume, temos mais fanservice de Amira do que tivemos de Emma em todos os volumes, ela aparece inclusive nua. E uma das coisas legais de Kaoru Mori é que, fora os olhos de mangá, suas mulheres têm proporções próximas das de mulheres reais do século XIX. Só que a cena, que poderia ser sensual, termina com Amira nua dormindo com um Karluk também nu, mas que imagina-se como um cordeirinho acomodado junto ao corpo da mãe... Não estou dizendo que Mori esteja produzindo um mangá que explore perversões sexuais, nada disso, a autora é bem casta sempre, mas não é uma situação muito promissora, eu diria. De resto, a relação dos dois é muito bem construída, e a autora vai tecendo sua trama como se fosse um belo tapete. Só me preocupo com a lentidão...
Ah, sim! E aprendi mutias coisas com Otoyomegatari. Nunca tinha ouvido falar de ultimogenitura, que é a tradição de que o mais jovem deve herdar. É este o caso de Karluk. Quanto mais que isso poderia vigorar entre povos islamizados. Mas, sim, Mori não inventa nada. Também, é estranho que entre povos islâmicos, as noivas levem o dote, mas Mori mostra a diversidade de hábitos entre os diversos clãs e tribos. Esses detalhes são preciosos. Só uma coisa - e isso talvez ela corrija mais lá na frente - me incomodou: E a poligamia? Ninguém no primeiro volume é polígamo. Espero que o travamento da autora na representação do romance e do sexo não a faça falhar nesse aspecto. Mas não vou comentar o que já assuntei dos volumes 2 e 3, melhor parar por aqui, afinal, a resenha é do volume 1.
Ainda estou gostando mais de Emma. Otoyomegatari tem arte superior, mas a história de Emma, ainda que com suas limitações (*falta de romance, a representação muito limpa da pobreza, certas inconsistências históricas, etc.*), me mobilizou mais. Talvez, Otoyomegatari seja também superior na construção das personagens, mas só os últimos volumes poderão me conhecer. E não se enganem – escrevo isso, porque muita gente acha que Kaoru Mori produz shoujo – Otoyomegatari é seinen. Na dúvida, preste atenção em quem se despe, quem se expõe, ou olhe a página da revista Fellows. O fanservice dos mangás de lá pode ser um pouco mais refinado, mas, com certeza, não tem como foco principal o deleite do público feminino. De resto, a história é para todo mundo e Kaoru Mori é uma das mangá-kas mais talentosas da atualidade. Altamente recomendado.
A primeira coisa importante é pontuar a qualidade da edição. Quando vi o preço que a Yen Press estava cobrando pelo volume – U$16.99 – achei muito caro, mas decidi arriscar. Enfim, capa dura, papel muito similar ao japonês e uma belíssima sobrecapa... Problema é que eu detesto sobrecapa, porque elas dificultam a manipulação do mangá e podem se estragar... E quando ela é ilustrada por Kaoru Mori, melhor não arriscar. A sobrecapa foi para o armário por precaução. Em Otoyomegatari, Kaoru Mori está desenhando muito melhor do que em Emma, e isso significa que cada quadro é um deleite para os olhos, cada cena é tão detalhista que não é de espantar que ela precisa publicar um capítulo a cada dois meses. Aliás, essa é a periodicidade da Fellows.
Kaoru Mori – e os freetalks são fundamentais para entender isso, mas não estão sendo traduzidos nas scanlations – é apaixonada pelos povos nômades da Rota da Seda, por cavalos e pelos seus hábitos e costumes. Por conta disso, eu chamaria Otoyomegatari de “mangá etnográfico” e tenho medo que a autora se esqueça de contar a história de Karluk e Amira para falar dos hábitos e costumes, travando o desenvolvimento da narrativa. Enfim, já no volume #1, o que li, temos um capítulo inteiro sobre a arte de entalhar madeira, mas, que fique bem claro, ele serve para apresentar as personagens coadjuvantes e o faz de forma muito sensível e visualmente espetacular.
Falando em personagens, Mori é especialista em criar personagens adoráveis. Amira – e a autora mesmo diz que esse era seu objetivo – é alguém de quem gostamos desde o primeiro momento. Ela é franca e sempre busca ser agradável, além de inteligente e destemida, e, por isso mesmo, se torna indispensável para a família do noivo. Karluk é um menino cheio de vida que se encontra na situação confusa de marido de alguém tão fascinante. Curioso é ver como o menino cresce aos olhos de Amira no segundo volume ao se arriscar para impedir que ela seja levada, pois só então, nas palavras da matriarca da família, ela passa a “se ver como noiva de alguém”.
Aliás, a velhinha é a melhor personagem coadjuvante para mim até agora. Ela tem aquela aparência absolutamente enrugada e atarracada das velhinhas de mangá, pois parece que é obrigatório toda velhinha ou velhinho encolherem. Pense na avó da Shampoo e em Raposai. Só que ela é respeitada e tem um desempenho espetacular no primeiro volume ao pegar um arco e flecha e mostrar que Amira só vai embora por cima do seu cadáver. Ela também é sábia para interpretar sentimentos, atitudes e sintomas. Uma personagem das mais ricas, e apesar de não ter lá tantas falas assim, cada intervenção sua é um presente.
Eu só lamento a pouca idade de Karluk. O menino não parece em nada um marido. Filho, irmão mais novo... Marido? Nunca! Mori tem uma série de fetiches (*maids, apertar o rabo de mulheres vestidas de coelhinhas, cavalos, etc.*), ela os confessa sem problema em seus freetalks, mas a diferença de oito anos entre Amira e seu marido é muita coisa, especialmente porque o menino é uma criança. Embora seja curioso ver a inversão, já que normalmente temos um homem mais velho e uma esposa-criança, as possibilidades de romance – e Mori não me parece especialista nisso – são limitadas.
No primeiro volume, temos mais fanservice de Amira do que tivemos de Emma em todos os volumes, ela aparece inclusive nua. E uma das coisas legais de Kaoru Mori é que, fora os olhos de mangá, suas mulheres têm proporções próximas das de mulheres reais do século XIX. Só que a cena, que poderia ser sensual, termina com Amira nua dormindo com um Karluk também nu, mas que imagina-se como um cordeirinho acomodado junto ao corpo da mãe... Não estou dizendo que Mori esteja produzindo um mangá que explore perversões sexuais, nada disso, a autora é bem casta sempre, mas não é uma situação muito promissora, eu diria. De resto, a relação dos dois é muito bem construída, e a autora vai tecendo sua trama como se fosse um belo tapete. Só me preocupo com a lentidão...
Ah, sim! E aprendi mutias coisas com Otoyomegatari. Nunca tinha ouvido falar de ultimogenitura, que é a tradição de que o mais jovem deve herdar. É este o caso de Karluk. Quanto mais que isso poderia vigorar entre povos islamizados. Mas, sim, Mori não inventa nada. Também, é estranho que entre povos islâmicos, as noivas levem o dote, mas Mori mostra a diversidade de hábitos entre os diversos clãs e tribos. Esses detalhes são preciosos. Só uma coisa - e isso talvez ela corrija mais lá na frente - me incomodou: E a poligamia? Ninguém no primeiro volume é polígamo. Espero que o travamento da autora na representação do romance e do sexo não a faça falhar nesse aspecto. Mas não vou comentar o que já assuntei dos volumes 2 e 3, melhor parar por aqui, afinal, a resenha é do volume 1.
Ainda estou gostando mais de Emma. Otoyomegatari tem arte superior, mas a história de Emma, ainda que com suas limitações (*falta de romance, a representação muito limpa da pobreza, certas inconsistências históricas, etc.*), me mobilizou mais. Talvez, Otoyomegatari seja também superior na construção das personagens, mas só os últimos volumes poderão me conhecer. E não se enganem – escrevo isso, porque muita gente acha que Kaoru Mori produz shoujo – Otoyomegatari é seinen. Na dúvida, preste atenção em quem se despe, quem se expõe, ou olhe a página da revista Fellows. O fanservice dos mangás de lá pode ser um pouco mais refinado, mas, com certeza, não tem como foco principal o deleite do público feminino. De resto, a história é para todo mundo e Kaoru Mori é uma das mangá-kas mais talentosas da atualidade. Altamente recomendado.
1 pessoas comentaram:
Esse tipo de relação marido-criança me fez lembrar o manhwa Habaek-eui Shinbu (já leu este, Valéria?). Só que no caso de Habaek, a parte romântica da história fica com o personagem menino transformado em homem adulto, o que ocorre à noite, e, é claro, sua noiva não sabe nada sobre isso. A sua resenha me agradou muito! Vou procurar em inglês para ler. A parte histórica do mangá talvez seja muito mais chamativa que o romance em si, mas quero conferir mesmo assim.
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