segunda-feira, 11 de abril de 2011

Comentando o filme Jogo de Poder (EUA, 2010)


No sábado, não pretendia ir ao cinema. No entanto, por não querer voltar para casa, acabei tendo que escolher um filme para assistir. Havia pelo menos três que me interessavam, O Retrato de Dorian Gray (*tinha o Colin Firth, afinal de contas*), uma comédia francesa chamada Enfim Viúva, e este filme Jogo de Poder (Fair Game), que era o que começava mais cedo. Olhei o cartaz “Esposa, Mãe, Espiã” e me perguntei “Será que a personagem pensa mesmo a sua identidade nesta ordem?”, e tentei lembrar vagamente do caso real que inspirou o filme. Bem, acabei entrando e não me arrependi. É raro eu ir ao cinema para assistir um thriller político, especialmente um que me convença.

A sinopse do filme, que é baseado em fatos reais, é a seguinte: Estamos às vésperas da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e o governo Bush tenta a todo custo convencer a opinião pública de que Sadam Hussein está desenvolvendo armas de destruição em massa, leia-se bombas atômicas. A agente da CIA Valerie Plame (Naomi Watts) é responsável pela equipe que tenta provar que a informação que vem do gabinete do vice-presidente está correta, mas tudo indica que não existe mais um programa nuclear iraquiano desde 1991, quando tudo foi bombardeado na Primeira Guerra do Golfo. Como parte da investigação, o ex-diplomata Joseph Wilson (Sean Penn), marido de Plame, vai até o Níger investigar se este país vendeu urânio para o Iraque. A resposta é negativa. 


Mesmo sem ter as provas, o governo americano declara guerra ao Iraque com base em informações falsas. Wilson, indignado com a mentira, escreve um editorial para o jornal The New York Times, no qual alega que a administração do presidente George W. Bush manipulou informações de relatórios sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque, de forma a justificar a invasão. Como retaliação, Valerie Plame tem sua identidade de agente secreta da CIA revelada para a imprensa. É o início da luta de Wilson para que os responsáveis por este ato, um crime federal, sejam punidos. Ao mesmo tempo Valerie precisa se adaptar à nova realidade, aos riscos que ela, o marido e os filhos estão correndo, e decidir se aceita ou não se unir ao marido em uma luta contra o Governo ao qual serviu fielmente durante 18 anos.

Jogo de Poder ou Fair Game, em inglês, mostra que os bastidores da política norte-americana são sujos. Isso a gente já sabia, claro! Daí o humor do título original. Política não é um "fair game", por assim dizer. Aliás, o caso é real, recente, teve seu desfecho divulgado internacionalmente, e deveria servir de alerta para quem acredita no discurso dos Estados Unidos contra o Irã, por exemplo. Aliás, logo no início do filme, todas as pistas sobre terroristas apontam para o Paquistão, aliado dos EUA e conhecido centro formador de fundamentalistas islâmicos, mas Valerie Plame é tirada da missão e recebe uma chefia para investigar o Iraque. 


 É interessante a cena em que um agente da CIA próximo ao gabinete do vice-presidente tenta provar que os tubos de alumínio comprados pelo governo do Iraque podem servir para serem usados em centrífugas nucleares. No fim das contas, esses tubos e os tubos corretos só têm uma coisa em comum: serem de alumínio! Mas isso bastava para o governo Bush. Da mesma forma que o Níger (*não a Nigéria*), apesar de dependerem de ajuda econômica dos EUA, venderiam urânio - 50 caminhões cheios - para os iraquianos... Só para provocar, talvez!

O filme trabalha de forma muito convincente como o governo americano e a mídia (*a FOX é citada por nome*) trabalham juntos para convencer a população de que os americanos precisam ir à guerra, de que existe um inimigo, de que basta usar turbante para que alguém seja suspeito. Pensem agora no esforço que a imprensa brasileira está fazendo para associar o criminoso que cometeu o massacre em Realengo ao Islã. As bases são fracas, mas o que importa é vender jornal e ter audiência, capitalizar em torno de preconceitos e medos, s desdobramentos na forma de ódio e perseguição não importam. No caso do governo dos EUA, a necessidade de mobilizar a nação depois do 11 de setembro e o petróleo iraquiano bastavam.


Para mim, o grande destaque do filme foi Sean Penn. Pergunto-me se ele poderá ser indicado ao Oscar pelo papel, pois sua interpretação de Wilson, um sujeito crítico, íntegro, porém patriota, é realmente convincente. O filme é mais dele que de Naomi Watts, aliás, o nome original do filme, ou mesmo o nacional, não sugerem que ela seja a protagonista. São dois protagonistas e dois livros, um escrito por Plame e outro por Wilson, que deram origem ao filme. Talvez a minha simpatia pela personagem de Wilson, que me lembra um pouco Daniel Day-Lewis no final das Bruxas de Salém (*Eu só tenho de meu o meu próprio nome*), se torne tão forte, porque Valerie se mantém fiel ao Governo quase até o fim. 

 Plame dedicou sua vida à CIA e não consegue processar a informação de que foi simplesmente abandonada, difamada e jogada fora. Tanto quanto os cientistas iraquianos a quem ela tinha prometido asilo nos EUA se colaborassem... Sobre isso, não comento mais nada, porque é um dos grandes momentos do filme. Ou seja, eu simpatizo menos com ela, mas entendo bem o sentimento, a dor de alguém que percebe, de repente, que não tem valor para o Governo que jurou defender, um Governo que é corrupto e abusivo.


Valerie Plame é antes de tudo uma espiã, e seu papel de esposa e mãe estão colocados em segundo plano. A frase do cartaz é falaciosa e reforça aquela idéia de que, para as mulheres, a vida familiar vem antes da profissão. A tensão existe, mas ela é muito mais profisisonal do que mãe ou esposa durante boa parte do filme. É o marido que fica em casa com as crianças, que tem um trabalho (*que eu não entendi bem qual era... acho que consultor...*) semi-doméstico. É ela que está sempre em algum lugar diferente do mundo e pouco diz para a família sobre o que está realmente fazendo. Fosse ela um homem, a estranheza não existiria, ou seria menor. Afinal, Arnold Schwarzenegger enganou a esposa por anos em True Lies... Pelo menos, Wilson sabia a profissão da esposa. 

Eu gostei muito da Plame espiã, competente, assertiva, é a personagem acuada e depressiva que me deixou um tanto angustiada. A palavra é essa. Já a personagem de Penn atravessa o filme sempre com integridade, apesar de ter se colocado na imprensa sem consultar a esposa, que era prte interessada. Daí, o seu sofrimento, quando percebe que seu casamento está ruindo. A melhor cena dos dois, a cena que melhor ilustra isso e de como Valerie tem dificuldade em compreender sua nova situação, é quando ela conta da dureza do seu treinamento, de como foi a melhor de sua turma, e, quando parece que vão fazer as pazes, ela entra no banheiro para chorar.


Toda crítica do filme faz questão de dizer que seu diretor é Doug Liman, de Identidade Bourne. Bem, não vi nenhum filme dessa série e não lembro de outro filme do diretor. No entanto, digo que ele fez um trabalho bem competente. O uso de cenas reais, discursos de Bush e falas de Condoleezza Rice, por exemplo, dão ao filme um caráter semi-documental. Aliás, são as falas de Bush que pontuam os principais momentos da trama, mas ele é apresentado como eu acredito que fosse, um fantoche de Dick Cheney, o vice-presidente. E não pensem que eu estou isentando Bush das atrocidades que cometeu, ele era o presidente, ele era responsável, ele contou as mentiras e, bem, a identidade de Valerie Plame só pode ser revelada, porque ele assinou um requerimento que foi usado por um assessor de Dick Cheney. Simples assim.

Eu recomendo o filme, pela história, pela seriedade, por, talvez, ajudar as pessoas a lembrarem de como a política americana é suja, em um momento no qual a Líbia está sendo bombardeada “em nome da Paz”. Recomendo especialmente pelo drama dos cientistas iraquianos. Aquilo me deu uma agonia imensa... E, para terminar, o filme cumpre a Bechdel Rule: há mais de duas personagens femininas com nomes; elas conversam entre si, destaque especial para a médica brilhante, contatada por Valerie para ajudar a CIA, e que é irmã do físico americano que será resgatado; e elas falam de outros assuntos que não seja um homem. Aliás, não há romance na trama, é um filme político mesmo, ainda que tenha uma mensagem muito acolhedora de que dois podem lutar melhor do que um só, e que, bem, vale a pena tentar salvar o seu casamento, especialmente se for para ferrar com a quadrilha de George Bush.

4 pessoas comentaram:

Esse filme não estrou aqui perto, mas vou dar uma olhada.

Quanto ao Liman, pelo menos na trilogia Bourne, ele demonstrou ser muito bom nessa mistura de ficção com realidade, e no clima dos bastidores politicos.

Ele só dirigiu o primeiro Bourne, os demais foram dirigidos pelo Paul Greengrass, mas os três são bons.

Confesso que não gostei muito do filme porque assisti sem ler nada a respeito antes (culpa minha, eu nem sabia que era baseado em fatos reais). A apatia da personagem da Naomi Watts após ter sido traída por quem se dedicou tanto ao Governo após ter se dedicado a ele de forma quase cega me incomodou bastante... mas, ao mesmo tempo, é uma reação completamente plausível. Na minha opinião, o final redime a personagem e restaura a força que ela tinha no começo do filme (adoro histórias de superação, risos).

Não concordo com a indicação da Naomi Watts ao Oscar de melhor atriz no Oscar 2011, acho que o Sean Penn rouba a cena toda vez que aparece - aliás, não acho que o patriotismo do personagem foi uma característica tão marcante assim.

Devil Inside, eu falei da indicação do Sean Penn. Ele, que é excelente ator, dá muito peso à sua personagem. Dá uma relida. Qaunto ao patriotismo, a personagem o reafirma várias vezes, até no "Deus salve a América" em uma palestra. Aliás, acredito que é até uma estratégia do filme, já que alguns republicanos acreditam que eles têm o monopólio dessas coisas.

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