No sábado, não pretendia ir ao cinema. No entanto, por não querer voltar para casa, acabei tendo que escolher um filme para assistir. Havia pelo menos três que me interessavam, O Retrato de Dorian Gray (*tinha o Colin Firth, afinal de contas*), uma comédia francesa chamada Enfim Viúva, e este filme Jogo de Poder (Fair Game), que era o que começava mais cedo. Olhei o cartaz “Esposa, Mãe, Espiã” e me perguntei “Será que a personagem pensa mesmo a sua identidade nesta ordem?”, e tentei lembrar vagamente do caso real que inspirou o filme. Bem, acabei entrando e não me arrependi. É raro eu ir ao cinema para assistir um thriller político, especialmente um que me convença.
A sinopse do filme, que é baseado em fatos reais, é a seguinte: Estamos às vésperas da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e o governo Bush tenta a todo custo convencer a opinião pública de que Sadam Hussein está desenvolvendo armas de destruição em massa, leia-se bombas atômicas. A agente da CIA Valerie Plame (Naomi Watts) é responsável pela equipe que tenta provar que a informação que vem do gabinete do vice-presidente está correta, mas tudo indica que não existe mais um programa nuclear iraquiano desde 1991, quando tudo foi bombardeado na Primeira Guerra do Golfo. Como parte da investigação, o ex-diplomata Joseph Wilson (Sean Penn), marido de Plame, vai até o Níger investigar se este país vendeu urânio para o Iraque. A resposta é negativa.
Mesmo sem ter as provas, o governo americano declara guerra ao Iraque com base em informações falsas. Wilson, indignado com a mentira, escreve um editorial para o jornal The New York Times, no qual alega que a administração do presidente George W. Bush manipulou informações de relatórios sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque, de forma a justificar a invasão. Como retaliação, Valerie Plame tem sua identidade de agente secreta da CIA revelada para a imprensa. É o início da luta de Wilson para que os responsáveis por este ato, um crime federal, sejam punidos. Ao mesmo tempo Valerie precisa se adaptar à nova realidade, aos riscos que ela, o marido e os filhos estão correndo, e decidir se aceita ou não se unir ao marido em uma luta contra o Governo ao qual serviu fielmente durante 18 anos.
Jogo de Poder ou Fair Game, em inglês, mostra que os bastidores da política norte-americana são sujos. Isso a gente já sabia, claro! Daí o humor do título original. Política não é um "fair game", por assim dizer. Aliás, o caso é real, recente, teve seu desfecho divulgado internacionalmente, e deveria servir de alerta para quem acredita no discurso dos Estados Unidos contra o Irã, por exemplo. Aliás, logo no início do filme, todas as pistas sobre terroristas apontam para o Paquistão, aliado dos EUA e conhecido centro formador de fundamentalistas islâmicos, mas Valerie Plame é tirada da missão e recebe uma chefia para investigar o Iraque.
É interessante a cena em que um agente da CIA próximo ao gabinete do vice-presidente tenta provar que os tubos de alumínio comprados pelo governo do Iraque podem servir para serem usados em centrífugas nucleares. No fim das contas, esses tubos e os tubos corretos só têm uma coisa em comum: serem de alumínio! Mas isso bastava para o governo Bush. Da mesma forma que o Níger (*não a Nigéria*), apesar de dependerem de ajuda econômica dos EUA, venderiam urânio - 50 caminhões cheios - para os iraquianos... Só para provocar, talvez!
O filme trabalha de forma muito convincente como o governo americano e a mídia (*a FOX é citada por nome*) trabalham juntos para convencer a população de que os americanos precisam ir à guerra, de que existe um inimigo, de que basta usar turbante para que alguém seja suspeito. Pensem agora no esforço que a imprensa brasileira está fazendo para associar o criminoso que cometeu o massacre em Realengo ao Islã. As bases são fracas, mas o que importa é vender jornal e ter audiência, capitalizar em torno de preconceitos e medos, s desdobramentos na forma de ódio e perseguição não importam. No caso do governo dos EUA, a necessidade de mobilizar a nação depois do 11 de setembro e o petróleo iraquiano bastavam.
Para mim, o grande destaque do filme foi Sean Penn. Pergunto-me se ele poderá ser indicado ao Oscar pelo papel, pois sua interpretação de Wilson, um sujeito crítico, íntegro, porém patriota, é realmente convincente. O filme é mais dele que de Naomi Watts, aliás, o nome original do filme, ou mesmo o nacional, não sugerem que ela seja a protagonista. São dois protagonistas e dois livros, um escrito por Plame e outro por Wilson, que deram origem ao filme. Talvez a minha simpatia pela personagem de Wilson, que me lembra um pouco Daniel Day-Lewis no final das Bruxas de Salém (*Eu só tenho de meu o meu próprio nome*), se torne tão forte, porque Valerie se mantém fiel ao Governo quase até o fim.
Plame dedicou sua vida à CIA e não consegue processar a informação de que foi simplesmente abandonada, difamada e jogada fora. Tanto quanto os cientistas iraquianos a quem ela tinha prometido asilo nos EUA se colaborassem... Sobre isso, não comento mais nada, porque é um dos grandes momentos do filme. Ou seja, eu simpatizo menos com ela, mas entendo bem o sentimento, a dor de alguém que percebe, de repente, que não tem valor para o Governo que jurou defender, um Governo que é corrupto e abusivo.
Valerie Plame é antes de tudo uma espiã, e seu papel de esposa e mãe estão colocados em segundo plano. A frase do cartaz é falaciosa e reforça aquela idéia de que, para as mulheres, a vida familiar vem antes da profissão. A tensão existe, mas ela é muito mais profisisonal do que mãe ou esposa durante boa parte do filme. É o marido que fica em casa com as crianças, que tem um trabalho (*que eu não entendi bem qual era... acho que consultor...*) semi-doméstico. É ela que está sempre em algum lugar diferente do mundo e pouco diz para a família sobre o que está realmente fazendo. Fosse ela um homem, a estranheza não existiria, ou seria menor. Afinal, Arnold Schwarzenegger enganou a esposa por anos em True Lies... Pelo menos, Wilson sabia a profissão da esposa.
Eu gostei muito da Plame espiã, competente, assertiva, é a personagem acuada e depressiva que me deixou um tanto angustiada. A palavra é essa. Já a personagem de Penn atravessa o filme sempre com integridade, apesar de ter se colocado na imprensa sem consultar a esposa, que era prte interessada. Daí, o seu sofrimento, quando percebe que seu casamento está ruindo. A melhor cena dos dois, a cena que melhor ilustra isso e de como Valerie tem dificuldade em compreender sua nova situação, é quando ela conta da dureza do seu treinamento, de como foi a melhor de sua turma, e, quando parece que vão fazer as pazes, ela entra no banheiro para chorar.
Toda crítica do filme faz questão de dizer que seu diretor é Doug Liman, de Identidade Bourne. Bem, não vi nenhum filme dessa série e não lembro de outro filme do diretor. No entanto, digo que ele fez um trabalho bem competente. O uso de cenas reais, discursos de Bush e falas de Condoleezza Rice, por exemplo, dão ao filme um caráter semi-documental. Aliás, são as falas de Bush que pontuam os principais momentos da trama, mas ele é apresentado como eu acredito que fosse, um fantoche de Dick Cheney, o vice-presidente. E não pensem que eu estou isentando Bush das atrocidades que cometeu, ele era o presidente, ele era responsável, ele contou as mentiras e, bem, a identidade de Valerie Plame só pode ser revelada, porque ele assinou um requerimento que foi usado por um assessor de Dick Cheney. Simples assim.
Eu recomendo o filme, pela história, pela seriedade, por, talvez, ajudar as pessoas a lembrarem de como a política americana é suja, em um momento no qual a Líbia está sendo bombardeada “em nome da Paz”. Recomendo especialmente pelo drama dos cientistas iraquianos. Aquilo me deu uma agonia imensa... E, para terminar, o filme cumpre a Bechdel Rule: há mais de duas personagens femininas com nomes; elas conversam entre si, destaque especial para a médica brilhante, contatada por Valerie para ajudar a CIA, e que é irmã do físico americano que será resgatado; e elas falam de outros assuntos que não seja um homem. Aliás, não há romance na trama, é um filme político mesmo, ainda que tenha uma mensagem muito acolhedora de que dois podem lutar melhor do que um só, e que, bem, vale a pena tentar salvar o seu casamento, especialmente se for para ferrar com a quadrilha de George Bush.
4 pessoas comentaram:
Esse filme não estrou aqui perto, mas vou dar uma olhada.
Quanto ao Liman, pelo menos na trilogia Bourne, ele demonstrou ser muito bom nessa mistura de ficção com realidade, e no clima dos bastidores politicos.
Ele só dirigiu o primeiro Bourne, os demais foram dirigidos pelo Paul Greengrass, mas os três são bons.
Confesso que não gostei muito do filme porque assisti sem ler nada a respeito antes (culpa minha, eu nem sabia que era baseado em fatos reais). A apatia da personagem da Naomi Watts após ter sido traída por quem se dedicou tanto ao Governo após ter se dedicado a ele de forma quase cega me incomodou bastante... mas, ao mesmo tempo, é uma reação completamente plausível. Na minha opinião, o final redime a personagem e restaura a força que ela tinha no começo do filme (adoro histórias de superação, risos).
Não concordo com a indicação da Naomi Watts ao Oscar de melhor atriz no Oscar 2011, acho que o Sean Penn rouba a cena toda vez que aparece - aliás, não acho que o patriotismo do personagem foi uma característica tão marcante assim.
Devil Inside, eu falei da indicação do Sean Penn. Ele, que é excelente ator, dá muito peso à sua personagem. Dá uma relida. Qaunto ao patriotismo, a personagem o reafirma várias vezes, até no "Deus salve a América" em uma palestra. Aliás, acredito que é até uma estratégia do filme, já que alguns republicanos acreditam que eles têm o monopólio dessas coisas.
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