quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Entrevista de Riyoko Ikeda em Angoulême - Parte 1


Ontem estava circulando no Twitter o link para essa entrevista que Riyoko Ikeda deu durante o Festival de Angoulême. É uma das melhores entrevistas dela que já li. Ela toca em questões que eu não a vira falando antes, como da resistência dos homens à entrada das mulehres no mercado de mangá (*há quem ache que foi pacífico*), fala do desejo das mulheres do Grupo de 24 de distinguirem os seus mangás daqueles que eram feitos antes (*pelos homens*), de colocarem suas obras em um outro patamar, tornando-as inesquecíveis. Ela até dá um toque quase atemporal: quer se revoltar contra seus pais? OK, nada de errado, mas saia de casa e trabalhe para se sustentar. Foi o que ela fez. Esta é só a primeira parte da entrevista, eu não gosto de traduzir do francês, o resto, que é quando se fala da Rosa de Versalhes mesmo, vem depois. Curiosamente, o entrevistador parece não conhecer a obra de Ikeda (*ele começa perguntando porque ela trocou a música pelo mangá... a própria Ikeda se assusta!*), todas as perguntas são genéricas, do tipo de quem conhece mais ou menos a parte da história que fala das mulheres mangá-kas e um tiquinho da Rosa de Versalhes, ma nada da biografia da própria Ikeda. Duvida? Veja que ele achava que ela tinha largado a música para ser mangá-ka... Tsc... Tsc... Pascal Ory, o entrevistador em questão, foi discípulo de René Rémond (*que eu tive que ler para a prova de mestrado*), e deve ter sido chamado porque tem um livro sobre Goscinny, roteirista de Asterix. Afinal de contas, tudo é quadrinho, não é mesmo? Quem entende de um, entende de todos...

Riyoko Ikeda, em majestade

Quando você era adolescente, você estava destinada a seguir carreira musical. Como se tornou desenhista? 
Mas eu já desenhava antes, mesmo quando eu tocava música! 

Quando você decidiu seguir a carreira [de desenhista]? 
Eu tinha 18 anos, e fazia parte de um movimento no Japão, que criticava os pais e a sociedade. Ao mesmo tempo, eu ainda estava morando com os meus pais, e isso não tinha lógica. Então, eu decidi partir. Eu tinha que trabalhar para viver e fazer mangá era suficientemente bom para mim. 

E havia muitas mulheres? Não, na minha época éramos poucas. Os mangás para garotas (shoujo) eram todos escritos por homens. Eu cresci lendo todos os artistas de mangá que a minha geração leu. Então, tivemos que estabelecer uma nova forma de desenhar. Com o grupo do ano 24 da Era Showa (um grupo de mulheres mangá-kas nascidas principalmente no ano de 1949), nós tentamos fazer o mangá se tornar parte da cultura. Até então, ele era rejeitado pela sociedade, visto como um veneno para as crianças. Quando terminávamos de ler, jogávamos fora. Nós queríamos fazer obras de verdade, que pudessem ser transmitidas de geração em geração. 

Como eram as suas relações com as outras artistas do grupo de 24? 
Na verdade, nós nos víamos muito pouco, nos falávamos principalmente por telefone. Quando se é mangá-ka, você tem muito, muito trabalho. Eu nem sequer tinha chance de ver os desenhos animados feitos a partir dos meus trabalhos, porque já tinha que trabalhar nas séries seguintes... [Nota da tradutora: Aqui eu não sei se é “desenho animado”, mesmo, apesar de usarem “dessins animes”, ou se Ikeda fala de séries antigas e novas. Eu tenho a dúvida, porque somente duas obras dela viraram animação, A Rosa de Versalhes e Oniisama E...] 

Como os mangá-kas homens reagiram à chegada das mulheres? 
No Japão, mesmo na minha época, uma mulher que trabalhava era mal vista. As mulheres trabalhavam muito pouco, de qualquer forma [Nota da tradutora: Ela, obviamente, está falando de trabalho assalariado.]. Ela tinha que se ocupar do marido e dos filhos. Então, obviamente, quando chegamos no mercado de mangás, fomos rejeitadas [pelos homens]. 

Sua obra foi publicada pela primeira vez na Margaret, uma revista para jovens adolescentes. Que restrições isso provocou ? 
Eu sempre tive que me perguntar sobre que tom abordar. Meu mangá está enraizado na História. Uma história que gira grandemente em torno das as relações entre sexo masculino e feminino, por exemplo. Maria Antonieta e Luís XVI demoraram mais de sete anos para consumar seu casamento por causa dos problemas de ereção do rei. Isso é importante dentro da Rosa de Versalhes, mas como falar disso para um público que tem apenas 12 ou 13 anos? Além disso, a Margaret é uma revista comercial. Havia um sistema muito rígido de votação: todas as semanas, as leitoras podiam dar notas para as histórias, de 1 até 10. Se eu tivesse descido na classificação, então minha história desapareceria! Eu me perguntava constantemente: o que fazer para cativar as meninas cm 24 páginas? O que destacar? Foi assim que a personagem Oscar nasceu.

2 pessoas comentaram:

Gosto muito das entrevistas da Riyoko Ikeda, e essa está muito boa. Acho que na última resposta, sobre conteúdo e publicação, ela demonstrou sensatez e maturidade exemplares; não é toda autora que tem essa preocupação com o material que está produzindo.

Mas ler entrevistas da Ikeda-sensei me dá uma pontada no peito: ainda não li A Rosa de Versailles! Preciso aprender italiano já~

Que senhora conservada hein? Fiquei surpreso! Entrevista interessante e estimulante até! Admirável essa atitude de sair de casa contra a vontade dos pais, conseguir realizar o sonho de se tornar mangaká e mostrar para os pais que ela era uma adulta...Enfim, correndo para a parte 2!

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