Ontem assisti mais um filme candidato ao Oscar, Bravura Indômita (True Grit). Começo dizendo que não sou “especialista” na filmografia dos Irmãos Coen, se assisti um ou dois filmes deles foi muito; tampouco me recordo de ter visto o primeiro Bravura Indômita com John Wayne, embora fosse muito comum assistir bang-bang com meu pai. Esclarecidos esses dois pontos, digo que gostei do filme. Não foi tão emocionante quanto Cisne Negro ou O Discurso do Rei, mas foi um faroeste bem executado, com uma fotografia belíssima, um roteiro coeso, uma música inspirada em hinos que eu conheço desde criança, e uma grande interpretação da menina Hailee Steinfeld que fez a protagonista, Mattie Ross. Só de colocarem uma adolescente fazendo o papel de uma adolescente, eles já ganharam muitos pontos comigo.
Bravura Indômita conta a história e Mattie Ross (Hailee Steinfeld), uma menina de 14 anos que teve o pai assassinado e decide contratar um agente federal para capturá-lo, pois o sujeito fugiu para território indígena. O sujeito em questão é Rooster Cogburn (Jeff Bridges), um sujeito que a menina acredita ter o “true grit” do título. Ele é beberrão e tem má fama, e resiste em aceitar a proposta da menina, 100 dólares pela captura de Tom Chaney (Josh Brolin). Mattie também conhece o caçador de recompensas LaBoeuf (Matt Damon), que está atrás de um sujeito que matou um senador no Texas. Por acaso, trata-se do mesmo assassino do pai da menina. Depois de se impôr aos dois sujeitos, Mattie parte com eles em busca do assassino e a caçada se torna muito mais dura do que se esperava.
A primeira coisa que deve ficar clara é que Bravura Indômita não é refilmagem, como muita gente anda dizendo. Havia um livro que precedeu o primeiro filme, e os Irmãos Coen disseram ter se inspirado nele. Claro que eles pegaram referências do filme com o John Wayne, a começar pelo tapa-olho, mas, por tudo o que li, o filme de 2010 é mais fiel ao livro, inclusive nas referências religiosas e na violência. A Mattie do filme dos Coen é movida por uma sede de justiça de inspirações bíblicas e seu tema é o hino que em português se chama Consolação. Penei tentando achar qual o seu nome em inglês, mas só achei a história da sua composição. Pois bem, por conta disso, me veio uma dúvida na cabeça. Ouvi por aí – acho que em um podcast sobre cinema – que Cisne Negro ficou de fora em trilha original por usar balés famosos. Como pode então Bravura Indômita usar gospel conhecidíssimo e estar dentro? Essa eu não entendi.
Eu adorei o desempenho da menina, Hailee Steinfeld, e é uma bruta injustiça que ela, que faz a protagonista e narradora, não apareça com seu nome nos títulos. Deveria estar lá um “Apresentando: Hailee Steinfeld”. E o que temos? O nome dos três atores, sendo que Josh Brolin aparece muito pouco em tela. Discriminação dupla, de gênero e etária. Outra coisa que agora não tem desculpa é a menina não estar indicada a melhor atriz. Sei bem que há uma crença (*até que ela seja contrariada*) que adolescentes nunca poderão ganhar o Oscar principal, daí, melhor tentar levar coadjuvante. Só que, se Hailee Steinfeld ganhar coadjuvante será injusto com ela mesma e as outras atrizes. Melhor seria ela ser, talvez, a mais jovem atriz a ser indicada por protagonista. Vê-la atuando me lembrou a menininha prodígio de TiTiTi. Já é mais que hora de colocarem adolescentes encarnando adolescentes e, não adultos.
Mattie é tão segura, fria, argumentativa, que consegue (quase) tudo o que quer, que volta e meia parece adulta demais. Só que, em alguns momentos, como quando ela propõe contar uma história de fantasma à beira da fogueira, ou quando ela chora – e é a única vez – porque o seu cavalo foi morto, ela parece a menina que é. Esses nuances são preciosos e é possível perceber a direção funcionando. Há um flerte entre LaBoeuf e a menina, algo muito leve, muito mesmo. Ele tenta ser lisonjeiro quando a conhece e ela o corta com sua língua ferina. Depois, lá mais para frente, há uma troca de olhares. Não sei como é no livro, não o li, mas parece que no filme de 1969, ensaiou-se um romance. Como estamos em 2010, a patrulha poderia agir, embora lá em 1878 – e mesmo agora – muitas meninas de 14 anos já sejam casadas. Dito isso, um romance não fez falta alguma, pois o filme é sobre o desejo de justiça de uma menina, sua determinação, e a coragem do destemido trio.
Um dos poucos defeitos do filme é a demora para se chegar a um confronto. O final é emocionante, toda a longa seqüência a partir do encontro com Tom Chaney e o bando que está com ele, até a corrida para salvar Mattie que foi picada por uma serpente. No entanto, até que cheguemos lá, há uns momentos de vazio que poderiam ter sido preenchidos com alguma coisa... Diálogos... Ação... Não é algo que comprometa o filme como um todo, mas quebra um pouco o ritmo.
Agora a parte realmente complicada foi o sotaque do Jeff Bridges. Não sei quem teve a idéia de colocá-lo falando daquele jeito, mas ficou até difícil de entendê-lo, e o próprio ator parecia com dificuldade de articular as falas. Realmente, foi bola fora. Ele é candidato ao Oscar de melhor ator, mas não acho que tenha condições de arrancar o prêmio do Colin Firth. E nem adianta dizerem que é impossível ganhar dois anos seguidos, porque isso já aconteceu. Eu falo de interpretação. Matt Damon também tem um sotaque esquisito, mas ele pelo menos se sai melhor. Gostei da personagem dele, falastrão e mentiroso, “pero no mucho”. Eu achei que eles estava muito bem dentro daquilo que o papel exigia.
Eu daria uma nota sete e meio para o filme. É um filme honesto. Não se propõe a revolucionar o gênero ou desconstruí-lo, mas, caramba, não se precisa tentar fazer isso todos os dias. A leitura das desigualdades, vide a cena do enforcamento em que o índio não tem o direito de fala, fica por conta da audiência. Ninguém questiona “a ordem das coisas” dentro da película, salvo Mattie em seu desejo de fazer justiça ao pai, mas ninguém reafirma as desigualdades, também, elas simplesmente estão lá, e ficamos naquela leitura naturalista do “o mundo era assim”. O filme não é ruim por causa disso, e podemos refletir sobre a questão do mesmo jeito. Outra coisa, eu desconfiei de uma sugestão de relação homossexual entre os dois sujeitos da cabana... Será que estou vendo demais? Acho que, não, a julgar pelos olhares de Cogburn e pela indireta da cadeia para o rapaz.
Bravura Indômita é o tipo de filme que entra na categoria “para ver com meu pai”, mas o bônus da menina protagonista, em um gênero que é masculino, poderia fazer com que minha mãe também quisesse assisti-lo. Antes que alguém comece a achar que se trata de um filme feminista, eu digo logo que não é disso que estou falando. Todas as ações de Mattie são “em nome do pai” e porque seu irmão é jovem demais e sua mãe muito débil. Ela mostra que pode fazer o que for necessário para cumprir sua missão, mas isso não significa discursos sobre igualdade ou algo nessa linha. Ainda assim, a personagem passa uma mensagem positiva. Por incrível que pareça o filme cumpre a Bechdel Rule, há a taberneira, Mattie e a velhinha com quem a menina tem que dividir o quarto. A taberneira e Mattie conversam sobe a velhinha, e a menina também conversa com outra mulher durante a execução. Há filmes com mais mulheres que não conseguem contemplar nem a primeira parte regra, duas personagens femininas que tenham nomes. Ah, sim! Eu continuo vendo Bravura Indômita como forte candidato a melhor filme, ainda que não veja os Irmãos Coen como favoritos para direção. E se você chegou até aqui e conseguiu ler essa resenha até o fim, recomendo um texto muito superior, que é o que o Contardo Calligaris fez para o blog dele.
Bravura Indômita conta a história e Mattie Ross (Hailee Steinfeld), uma menina de 14 anos que teve o pai assassinado e decide contratar um agente federal para capturá-lo, pois o sujeito fugiu para território indígena. O sujeito em questão é Rooster Cogburn (Jeff Bridges), um sujeito que a menina acredita ter o “true grit” do título. Ele é beberrão e tem má fama, e resiste em aceitar a proposta da menina, 100 dólares pela captura de Tom Chaney (Josh Brolin). Mattie também conhece o caçador de recompensas LaBoeuf (Matt Damon), que está atrás de um sujeito que matou um senador no Texas. Por acaso, trata-se do mesmo assassino do pai da menina. Depois de se impôr aos dois sujeitos, Mattie parte com eles em busca do assassino e a caçada se torna muito mais dura do que se esperava.
A primeira coisa que deve ficar clara é que Bravura Indômita não é refilmagem, como muita gente anda dizendo. Havia um livro que precedeu o primeiro filme, e os Irmãos Coen disseram ter se inspirado nele. Claro que eles pegaram referências do filme com o John Wayne, a começar pelo tapa-olho, mas, por tudo o que li, o filme de 2010 é mais fiel ao livro, inclusive nas referências religiosas e na violência. A Mattie do filme dos Coen é movida por uma sede de justiça de inspirações bíblicas e seu tema é o hino que em português se chama Consolação. Penei tentando achar qual o seu nome em inglês, mas só achei a história da sua composição. Pois bem, por conta disso, me veio uma dúvida na cabeça. Ouvi por aí – acho que em um podcast sobre cinema – que Cisne Negro ficou de fora em trilha original por usar balés famosos. Como pode então Bravura Indômita usar gospel conhecidíssimo e estar dentro? Essa eu não entendi.
Eu adorei o desempenho da menina, Hailee Steinfeld, e é uma bruta injustiça que ela, que faz a protagonista e narradora, não apareça com seu nome nos títulos. Deveria estar lá um “Apresentando: Hailee Steinfeld”. E o que temos? O nome dos três atores, sendo que Josh Brolin aparece muito pouco em tela. Discriminação dupla, de gênero e etária. Outra coisa que agora não tem desculpa é a menina não estar indicada a melhor atriz. Sei bem que há uma crença (*até que ela seja contrariada*) que adolescentes nunca poderão ganhar o Oscar principal, daí, melhor tentar levar coadjuvante. Só que, se Hailee Steinfeld ganhar coadjuvante será injusto com ela mesma e as outras atrizes. Melhor seria ela ser, talvez, a mais jovem atriz a ser indicada por protagonista. Vê-la atuando me lembrou a menininha prodígio de TiTiTi. Já é mais que hora de colocarem adolescentes encarnando adolescentes e, não adultos.
Mattie é tão segura, fria, argumentativa, que consegue (quase) tudo o que quer, que volta e meia parece adulta demais. Só que, em alguns momentos, como quando ela propõe contar uma história de fantasma à beira da fogueira, ou quando ela chora – e é a única vez – porque o seu cavalo foi morto, ela parece a menina que é. Esses nuances são preciosos e é possível perceber a direção funcionando. Há um flerte entre LaBoeuf e a menina, algo muito leve, muito mesmo. Ele tenta ser lisonjeiro quando a conhece e ela o corta com sua língua ferina. Depois, lá mais para frente, há uma troca de olhares. Não sei como é no livro, não o li, mas parece que no filme de 1969, ensaiou-se um romance. Como estamos em 2010, a patrulha poderia agir, embora lá em 1878 – e mesmo agora – muitas meninas de 14 anos já sejam casadas. Dito isso, um romance não fez falta alguma, pois o filme é sobre o desejo de justiça de uma menina, sua determinação, e a coragem do destemido trio.
Um dos poucos defeitos do filme é a demora para se chegar a um confronto. O final é emocionante, toda a longa seqüência a partir do encontro com Tom Chaney e o bando que está com ele, até a corrida para salvar Mattie que foi picada por uma serpente. No entanto, até que cheguemos lá, há uns momentos de vazio que poderiam ter sido preenchidos com alguma coisa... Diálogos... Ação... Não é algo que comprometa o filme como um todo, mas quebra um pouco o ritmo.
Agora a parte realmente complicada foi o sotaque do Jeff Bridges. Não sei quem teve a idéia de colocá-lo falando daquele jeito, mas ficou até difícil de entendê-lo, e o próprio ator parecia com dificuldade de articular as falas. Realmente, foi bola fora. Ele é candidato ao Oscar de melhor ator, mas não acho que tenha condições de arrancar o prêmio do Colin Firth. E nem adianta dizerem que é impossível ganhar dois anos seguidos, porque isso já aconteceu. Eu falo de interpretação. Matt Damon também tem um sotaque esquisito, mas ele pelo menos se sai melhor. Gostei da personagem dele, falastrão e mentiroso, “pero no mucho”. Eu achei que eles estava muito bem dentro daquilo que o papel exigia.
Eu daria uma nota sete e meio para o filme. É um filme honesto. Não se propõe a revolucionar o gênero ou desconstruí-lo, mas, caramba, não se precisa tentar fazer isso todos os dias. A leitura das desigualdades, vide a cena do enforcamento em que o índio não tem o direito de fala, fica por conta da audiência. Ninguém questiona “a ordem das coisas” dentro da película, salvo Mattie em seu desejo de fazer justiça ao pai, mas ninguém reafirma as desigualdades, também, elas simplesmente estão lá, e ficamos naquela leitura naturalista do “o mundo era assim”. O filme não é ruim por causa disso, e podemos refletir sobre a questão do mesmo jeito. Outra coisa, eu desconfiei de uma sugestão de relação homossexual entre os dois sujeitos da cabana... Será que estou vendo demais? Acho que, não, a julgar pelos olhares de Cogburn e pela indireta da cadeia para o rapaz.
Bravura Indômita é o tipo de filme que entra na categoria “para ver com meu pai”, mas o bônus da menina protagonista, em um gênero que é masculino, poderia fazer com que minha mãe também quisesse assisti-lo. Antes que alguém comece a achar que se trata de um filme feminista, eu digo logo que não é disso que estou falando. Todas as ações de Mattie são “em nome do pai” e porque seu irmão é jovem demais e sua mãe muito débil. Ela mostra que pode fazer o que for necessário para cumprir sua missão, mas isso não significa discursos sobre igualdade ou algo nessa linha. Ainda assim, a personagem passa uma mensagem positiva. Por incrível que pareça o filme cumpre a Bechdel Rule, há a taberneira, Mattie e a velhinha com quem a menina tem que dividir o quarto. A taberneira e Mattie conversam sobe a velhinha, e a menina também conversa com outra mulher durante a execução. Há filmes com mais mulheres que não conseguem contemplar nem a primeira parte regra, duas personagens femininas que tenham nomes. Ah, sim! Eu continuo vendo Bravura Indômita como forte candidato a melhor filme, ainda que não veja os Irmãos Coen como favoritos para direção. E se você chegou até aqui e conseguiu ler essa resenha até o fim, recomendo um texto muito superior, que é o que o Contardo Calligaris fez para o blog dele.
8 pessoas comentaram:
Adorei o comentário.
Dentre os concorrentes de verdade ao Oscar 2011 que eu vi até agora (faltam O Vencedor e Toy Story), foi o que eu menos gostei. Mas confesso que a sua resenha e a do Contardo me fizeram ver a história por outro prisma.
Acho que o filme seria melhor se houvesse algum conflito maior. É bem executado, mas não marcante. Além disso, concordo que a direção não ajudou muito, o filme poderia ser mais empolgante.
Apesar de eu também não ter considerado Bravura Indômita superior ao Cisne Negro e ao Discurso do Rei, concordo que foi um filme que cumpre seu papel. Por mais que a questão do feminismo não seja apresentada, True Grit merece ao menos o mérito de ter apostado em uma visão não "adultocêntrica" sobre a bravura e a coragem.
Suas críticas são deliciosas de ler! Parabéns pela ótima perspectiva.
Sim... consegui chegar até o fim do texto. Comecei a ler..., pausei..., naveguei..., cheguei ao fim da resenha.
Não estava com vontade de assistir, você e o Alam (do blog que você indicou) me fizeram mudar de idéia.
Normalmente "re-filmagens" não costumam ser tão boas, ou talvez, depois de ler o livro ou ver o filme, e gostar deles, nem sempre ver ou rever o resultado na tela é bom.
Ótima resenha.
DBatta, aí é que está, não é uma refilmagem do filme do John Wayne. O pessoal fica espalhando isso sem pensar que existe um livro original. Trata-se de uma refilmagem do livro. E é muito mais fiel ao livro e isso é muito importante.
CLAMPfan, Iasmin, obrigada!
Bem, eu acho que o antí-climax do conflito final foi proposital. subvertendo o cânone do western, onde no final o grande conflito deve ser o ápice do filme, os Coen demosntraram que aqueles cowboys ali, ao contrário dos cowboys encarnados pelo John Wayne, não são grandes heróis perfeitos e infalíveis [a cena da Hailee encontrando o Cogburn no banheiro e a cena dos tiros nas bolachas demonstra bem isso]. Tanto o personagem do Bridges quanto o personagem do Matt Damon, são na verdade, melhores com a língua, ao contar suas peripécias, do que com as armas. Isso me lembra o outro western dos Coen, na verdade um neowestern, Onde os Velhos não Tem Vez, que o grande duelo sequer chega a acontecer.
Bem, eu concordo que não houve um prolongamento quanto a questão dos papéis de gênero, ou da igualdade étnica, mas acho que se forçasse isso soaria meio anacrônico, não?
Eu gostei muito do filme, e westerns costumam ser "parados". Acho que pessoal se acostumou aos tiroteios frenéticos dos filmes depois dos anos 80...
Curioso também foi terem colocado o tapa-olho dessa vez no olho direito do Cogburn, quando no John Wayne [conservador, reacionário, racista] ele tapava o olho esquerdo. hehe.
Ah, e sobre o lance da trilha sonora, achei bastante injusto não terem colocado Cisne Negro. Se usa tanto Tchaikovsky em Cisne Negro como se usam composições remixadas de Giger, em A Rede Social, ou até músicas do Nine Inch Nails. Em Bravura Indômita temos os hinos cristãos. Ah, A Origem também usa músicas não originais, como a clássica Je ne Regret Rien. Desses aí acho que a única trilha completamente original é do A.R. Rahman, em 127 Horas, que já levou no outro filme do Boyle ao ganhar o Oscar, Slummdog Millionaire.
Acho que eles queriam dar o prêmio a algum filme [acredito que A rede Social] e tenham feito isso. Como o caso dos Efeitos Visuais, que tiraram Tron da competição, que tem os melhores efeitos visuais já vistos no cinema, pra poder dar o prêmio, provavelmente, a Inception.
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