quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Entrevista com Frederik Schodt - Parte 1



Passei pelo Manga Blog e vi o link para uma entrevista do Frederik Schodt para o site do The Comics Jounal feita por Sean Michael Robinson. Trata-se de uma reflexão – e existe todo um texto antes que eu não vou traduzir – sobre o que mudou no mercado de mangá nos EUA nesses quase trinta anos desde a publicação de Manga! Manga! Eu parti a a entrevista em duas partes, a outra deve ir ao ar na sexta ou no sábado. Amanhã não terei como fazer nada. Traduzi a metade que termina com a discussão de porque A Rosa de Versalhes não saiu nos EUA se existe público (*Schodt traduziu dois volumes da Rosa de Versalhes que chegaram a ser publicados em inglês, e ele conhece bem a série*) e Leiji Matsumoto não pegou nos EUA. Ele também diz que o que mais o surpreendeu no mercado americano foi o sucesso do shoujo mangá. O que me faz dizer que, mesmo Schodt sendo brilhante como é, ele nunca conseguiu compreender que mulheres lêem quadrinhos desde que exista material para elas. E em Manga! Manga! ele é muito injusto com o shoujo, até porque, como homem formado pelo mercado de comics americano, ele não conseguiu se despir de preconceitos. E, pior ainda, seu capítulo foi copiado e recopiado e os preconceitos de Schodt ampliados por gente muito menos sensível. A culpa disso é em parte o preconceito contra o material para mulheres e em parte culpa da não publicação do livro aqui no Brasil. Um material fundamental, com trinta anos de lançamento, e nada aqui.

SMR: Quando você estava escrevendo Manga!Manga!, você tinha intenção de defender algum tipo de causa, ou estava tentando simplesmente oferecendo a explicação de um fenômeno?

FS: Eu queira que as pessoas dessem mais atenção à cultura popular japonesa em geral, e o que estava sendo feito com quadrinhos no Japão era tão interessante e tão pouco conhecido que eu realmente me senti motivado. Eu gastei muito tempo para escrever o livro – correndo por aí e entrevistando pessoas e toda sorte de coisas. Então eu estava totalmente dedicado a minha causa, que era fazer com que as pessoas conhecessem este fenômeno muito interessante que estava passando despercebido. E não eram somente os quadrinhos, na verdade. Eu acredito que era na forma como se dava muita ênfase à arte tradicional japonesa e às técnicas empresariais. Não se estava realmente dando muita atenção para quão vibrante era a cultura popular japonesa. A impressão que muitas pessoas tinham dos japoneses era de que são pessoas muito sérias, salary men que se comportam como robôs, ou monges Zen ou algo do gênero. Isso estava muito desconectado do que eu vi, e realmente foi um grande motivador. Eu fui muito inspirado pelo livro de Robert Whiting chamado The Chrysanthemum and the Bat [Nota da Tradutora: O título é referência ao livro clássico O Crisântemo e a Espada da antropóloga americana Ruth Benedict.]. Ele fez um bom trabalho tomando o baseball como uma forma de introduzir um aspecto pouco conhecido do Japão. E eu realmente gostei desse livro. Mesmo que meu livro seja totalmente diferente do dele, ele era de alguma forma muito similar, que era mostrar muito mais do Japão do que era escrito no geral. Havia uma desconexão tão grande que era importante começar a preencher a lacuna entre como os japoneses eram percebidos e como eles eram na verdade. Mas, claro, meu grande motivador era que eu apenas amava mangá e amava comics. Mas isso era outra coisa. Eu me sentia como se estivesse em algum tipo de missão.

SMR: Eu vi uma entrevista que você deu logo depois do lançamento de Dreamland Japan [1996] onde você discutia o mercado da época, e como uma parte considerável dos lançamentos da época eram basicamente ficção científica e fantasia. Você ficou surpreso quando as editoras começaram a diversificar o material?


FS: Quando Manga! Manga! foi publicado pela não havia quase traduções de tipo algum. A maioria eram projetos iniciados por artistas japoneses para exibir os seus talentos. O inglês era muito fragmentado, e eram projetos one-shot muito limitados. Assim, na época em que Dreamland Japan foi lançado as coisas tinham mudado muito. Em 1996, a VIZ já existia e ao quadrinhos japoneses já tinham criado raízes na América. Inicialmente, eu fiquei muito surpreso com o sucesso do shoujo mangá. Isso realmente pegou de surpresa toda a indústria. Por algum tempo, as pessoas pensaram que o shoujo mangá fosse salvar toda a indústria editorial. [risos]
Quando eu escrevi Manga! Manga!, eu não pensava que os quadrinhos japoneses fossem um dia se tornar tão populares quanto eles se tornaram nos Estados Unidos. Para mim isso é sintoma do fato de existir uma espécie de pensamento global se desenvolvendo entre os jovens. Se você está falando das nações industrializadas e informatizadas do primeiro mundo, uma cultura jovem global emergiu. Como resultado, as pessoas estão vivendo em um mundo muito semelhante, e eles podem se relacionar com mais aspectos de outras culturas do que poderiam fazer vinte ou trinta anos atrás. É uma grande mudança.

SMR: No final de Manga!Manga!, você colocou mais de 100 páginas de quadrinhos de quatro diferentes artistas. [um capítulos de Fênix de Osamu Tezuka, Ghost Warrior de Leiji Matsumoto, e um capítulos de A Rosa de Versalhes de Riyoko Ikeda e Gen Pés Descalços de Keiji Nakazawa] É interessante olhar o que aconteceu e ver quais desses artistas foram publicados em inglês, e quando. Claro que Fênix demorou muito a ser publicado aqui, mas foi um sucesso quando finalmente aconteceu, pelo menos de crítica, ainda que não financeiramente.

FS: Pelo menos de crítica. [risos]

SMR: E, claro, há Gen Pés descalços que foi lançado quase imediatamente. E você esteve envolvido nesse projeto. Entretanto, nada de Rosa de Versailhes e quase nada de Leiji Matsumoto.

FS: Sim, eu fico surpreso com isso. Eu não sei exatamente por quê. Com a Rosa de Versalhes, parecia que havia um mercado para a série aqui, e eu sei que existem fãs, pessoas que dedicam páginas ao mangá e coisas do gênero. Eu não sei qual a situação, se é um problema de direitos ou o quê. Leiji Matsumoto é uma espécie de mistério para mim, também, porque eu acho que muito do seu material é maravilhoso. Mas o que foi publicado aqui não conquistou o público da forma que eu esperava que acontecesse. Eu sempre pensei que suas séries de guerra, e mesmo os seus materiais muito mais orientados para a cultura pop japonesa, o quarto mat tatami quatro e meio [Nota da tradutora: eu não faço idéia do que seja isso... acho que é um quarto miserável, mas certeza, eu não tenho.], com cenas do tipo do estudante passando fome que ele cultivou por muitos anos, eu acho esse material maravilhoso. Apesar de eu poder entender os motives pelos quais esse tipo de material não deve aparecer por aqui, porque está intrinsecamente ligada a uma cultura que não existe mais nem no Japão. Mas eu pensava que as suas histórias de guerra fossem ser publicadas, porque eram belissimamente executadas.

SMR: Eu imagino quantas das histórias dele vieram para o nosso mercado.


FS: Seu material espacial, como Patrulha Estelar e Harlock, não conquistaram realmente os leitores, como outros materiais japoneses fizeram, o que é muito interessante. Porque seu material espacial tem um aspecto internacional.

4 pessoas comentaram:

Bom Valéria, sobre o preconceito relativo ao shoujo vindo de um editor que passou anos trabalhando com comics era de se esperar, normlamente quem trabalha com a estética de comis passa a entender que aquelela é que é o "normal" ou "verdadeira" (não consigo aceitar a justificativa que comics seria mais "realista"), concondo que mesmo com prós e contras é uma obra muito relevante e que deveria ser publicada, mas acho difícil. =/

Bem, o melhor capítulo sobre shoujo que eu li na vida é do Paul Gravett, que é homem e ocidental. Esse não é o problema, é um pouco de falta de percepção e sensibilidade mesmo. Enfim, o Schodt realmente perdeu pontos comigo quando eu tive acesso a um dos mangás que ele comenta em Manga! Manga!, Seito Shokun! Ele ressalta o assujeitamento das heroínas de shoujo, como se isso fosse a regra, o auto-sacrifício e a tragédia. Certamente, isso estava presente, mas era longe de ser regra.

Enfim, ele pegou uma ilustração de Seito Shokun!, Nakki, aparece chorando com cara de coitada. A menina, na verdadade é ativa, assertiva e inteligente. E diz que no fim do mangá ela abre mão do amor da sua vida (*sabe como é, adolescentes de 16 anos nunca serão as mesmas se perderem um namorado...*) para sua irmão mais velha.

Primeiro ponto, isso nào acontece no final do mangá, mas no meio. Segundo ponto, ela tinha uma irmà gêmea e, não mais velha. Terceiro ponto, o rapaz nunca foi namorado de Nakki e sempre gostou da irmã dela. E, claro, a irmã de Nakki tem pouco tempo de vida. O que o Schodt queria? Que as irmãs brigassem pelo cara? Claro, uma mulher tem sempre a outra como maior inimiga. Ponto quatro, ele não leu o mangá... mas é shoujo, não precisa, é tudo (quase) a mesma coisa.

Eu aprendi horrores com o livro do Schodt. Só queria ilustrar como ele deixa, em alguns momentos, muito a desejar.

Acho que o 4 tatame sei lá o que é o 4jouhan, 4 tatames e meio, o tamanho exato de quartos economicos no Japão, o tamanho dos quartos do Tokiwa sou, de onde sairam o Tezuka, Fujiko Fujiyo, Ishinomori...

Não lembro se o Matsumoto tem um manga desses, não sou muito fan dele, mas em Galaxy Express ele sempre retrata os mangakás, artistas, como pessoas que moram nesses apartamentos.

Aqui, a gente usa m2, lá é tatame. Mas acho que é isso.

Eu era louco para ler o Otoko Oidon (o mangá sobre um estudante fracassado feito pelo Matsumoto a quem ele se refereno ocidente), achei um barato a (curta) aparição desses personagens em Galaxy Expres e tal.

Mas ninguém o traduz aqui no Ocidente!

Ele foi o antecessor direto de Maison Ikkoku e todos os outros mangás que mostram estudantes ronin. Merecia ser publicado nem que seja pela importância histórica!

(Palavra de verificação: Anisc. Parece nome de evento de anime de Santa Catarina...)

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